“Assim como nós perdoamos…” uma palavra pastoral para quando é difícil perdoar Rev. Cesar Motta Rios Congregação Evangélica Luterana de Miguel Pereira - RJ Ser perdoado é uma bênção. É motivo de alegria, porque nos faz saber da reconciliação. Uma pendência é tirada. Um fardo que nos cansava os ombros é posto de lado. Quando realmente reconhecemos a gravidade do pecado que cometemos, a notícia do perdão é das melhores coisas que se pode ouvir. O perdão é importante, porque o pecado é real, porque a ofensa é real e séria. Toda pessoa cristã sabe disso. E sabe por experimentar isso em sua caminhada. Sim, porque toda pessoa cristã tem consciência de sua própria e inevitável imperfeição. Sempre de novo, portanto, busca ouvir aquelas palavras que só da parte de Cristo podem ser ditas com todo seu valor: “Os teus pecados estão perdoados!” Toda pessoa cristã também sabe que, tendo entrado no âmbito do perdão, é exortada a também perdoar. É preciso que seja perdoada. É preciso que perdoe. Na própria oração do Pai Nosso, somos cotidianamente lembrados disso. “Assim como nós perdoamos”, na oração, é uma séria afirmação da necessidade de que quem é perdoado também perdoe. Aliás, após ensinar a oração, Jesus enfatiza: “— Porque, se perdoarem aos outros as ofensas deles, também o Pai de vocês, que está no céu, perdoará vocês; se, porém, não perdoarem aos outros as ofensas deles, também o Pai de vocês não perdoará as ofensas de vocês” (Mateus 6.14,15). E, se faz falta de ainda mais clareza, Jesus nos contará a parábola do credor incompassivo, que, tendo sua enorme dívida perdoada, não perdoou a pequena dívida de seu conservo (Mateus 18.23-35). Por isso, no Catecismo Maior, Lutero reconhece: “Agora, se tu não perdoas, então não penses que Deus perdoa a ti. Se, porém, perdoas, então tens o consolo e a certeza de que se te perdoa no céu. Não em vista do teu perdoar - pois Deus o faz inteiramente de graça, porque o prometeu, conforme ensina o evangelho, mas ele nos põe isso para fortalecimento e segurança, como sinal, a par da promessa, que concorda com esta oração, Lc 6.37: ‘perdoai, e sereis perdoados’.” (Catecismo Maior, Pai Nosso, Quinta Petição) É consoladora a oração na medida em que nós reconhecemos no perdoar comum praticado na nossa vida diária, nos nossos relacionamentos, a promessa do perdão maravilhoso de Deus para conosco. Dá-nos segurança e alívio! Um problema surge, no entanto, quando alguém se pergunta: “Mas eu realmente perdoo?” E não são poucas as pessoas que passam por esse questionamento diante da óbvia necessidade de se perdoar o próximo. Pessoas perdoadas por Deus sabem que precisam viver o perdão também perdoando. Elas querem mesmo perdoar. Reconhecem a necessidade da reconciliação, e fazem o possível para terem paz com todas as outras pessoas (Romanos 12.18). Isso significa que não devem se vingar, que não devem retribuir o mal com o mal, mas bem o contrário disso (Romanos 12.19-21). Aqui, nesse texto do apóstolo Paulo na carta aos Romanos, vemos algo bem concreto, bem reconhecível nas ações. Alguém fez mal a você? Não faça mal a ele. Faça o bem. Nós conseguimos observar nitidamente nossas ações. E conseguimos ter certo controle sobre elas. O nosso drama começa mesmo quando passamos a atentar para algo além das ações, isto é, para pensamentos e sentimentos. Grandes ofensas deixam cicatrizes, memórias vivas, mágoas e tristezas. Algumas pessoas podem até dizer que não têm nada disso. Vivem numa leveza impressionante. Pode ser que tenham um jeito de ser e se relacionar diferente, um coração agraciado assim. Pode ser que nunca tenham vivido uma ofensa tão drástica. Não nos cabe discernir isso. Mas todos devem reconhecer que, na vida real da maioria de nós, não é simples tudo isso. Para a maioria das pessoas cristãs, perdoar não é simples como apagar um arquivo na “área de trabalho” do computador. Às vezes, é só como apagar um atalho do arquivo, de modo que não fique sempre em evidência. Mas o arquivo, ou uma versão reduzida dele, permanece em algum lugar. E, vez por outra, nós esbarramos nele. Vez por outra, sem percebermos, clicamos em algo, e ele se abre. É para pessoas assim que quero dizer as palavras que seguem. Antes de mais nada, como você já percebeu: Não, você não está só. Seu drama é compartilhado por diversas pessoas de fé. Em segundo lugar, gostaria de afirmar diretamente: Nossa imperfeição no perdoar não deve nos fazer abandonar o caminho do perdão. Não é por não fazermos o melhor pão do mundo que não podemos nutrir nossa família com uma boa fornada de vez em quando. E, veja bem, João diz que amamos, porque Deus nos amou primeiro (1 João 4.19-21). O amor entre nós tem um paralelo com o amor de Deus. Mas isso não quer dizer que Deus nos ame na medida do nosso amor pelo próximo. Nosso amor é imperfeito e, às vezes, inconstante. O amor de Deus é perfeito e eterno. Parece-me que, no caso do perdão, algo semelhante acontece. Deus conclama os perdoados a perdoarem. Os perdoados precisam se dispor a isso. Mas é certo que não o farão à perfeição, como faz seu perfeito Senhor. A imperfeição do amor vivido pelo cristão no dia a dia faz esse amor ser dispensável ou inexistente? Não. Talvez devamos ver assim também o perdão. Já que mencionamos o amor, aproveitemos o ensejo para conduzirmos a reflexão por essa trilha: Conceder o perdão é uma necessidade. Nós devemos fazer isso com nossas palavras e com mudança em nossa ação. A pessoa que pede nosso perdão não deve receber silêncio ou negativa. Deus nos perdoou muito maior pecado, sendo ele Santo. Como alguém imperfeito haveria de negar o perdão a outro imperfeito arrependido? Não é o caso de eu avaliar se sou capaz de perdoar. É o caso de perdoar. E depois, com todas as sabidas dificuldades? Depois, é o caso de amar. Nosso desafio não deve ser nos adentrarmos cada vez mais num ciclo vicioso de incessante e infrutífero questionamento sobre termos ou não termos perdoado realmente. Nosso desafio é vivermos o amor cristão. O amor, é bom lembrar, não é sentimento, mas disposição para com o próximo, vivida não com palavras somente, mas em ação, como verdade que atua na nossa realidade concreta, cotidiana e comum. “Eu te perdoo”. A consequência disso deveria ser: “Agora, eu ajo diferente para com você. Eu te faço o bem.” Por quê? “É assim que meu Senhor fez e ensinou. Eu pequei contra ele. Eu merecia punição. Ele se dispôs a me perdoar. E me fez bem, sem que eu merecesse nada de bom.” Nesse momento, sentimentos não vêm ao caso. Eles poderiam até gerar pensamentos ruins, que produziriam atitudes ruins. Mas negamos a nós mesmos. E vivemos nosso cotidiano para Cristo, para a glória de Deus e para o bem do próximo. Isso pode fazer parecer que os sentimentos não são nada, que simplesmente os desconsideraremos, o que não seria exatamente praticável. Não é assim. Reconheçamos o problema. Simplesmente, antes de dele tratarmos, deixemos que esteja no seu devido lugar, com seu devido tamanho. Propus até aqui que você pode perdoar e ainda ter memória do ocorrido (aliás, memória haverá inevitavelmente) e algum sentimento incômodo. Não precisa esperar o céu no coração para dizer “eu te perdoo”. Agora, lidemos com a mágoa e seus parentes próximos. Antes de mais nada, lembremo-nos de novo da nossa imperfeição. Demos um passo a mais, lembrando-nos de que essa nossa imperfeição é partilhada por todos os seres humanos (exceto Cristo, homem-Deus). Além de sabermos, assim, que nossa resposta à exortação divina não será perfeita, saberemos também que nós também ferimos a outras pessoas, assim como fomos feridos. “Assim como”, aqui, é claro, não indica necessariamente mesma proporção, mesmo tipo de ofensa. Antes de dizermos “Assim como nós perdoamos”, nós pedimos que Deus nos perdoe, porque reconhecemos, na oração, a nossa imperfeição e a necessidade de sermos continuamente perdoados. O fato é simples: Nós também agimos mal para com o próximo. Nós também precisamos do perdão dos outros, mesmo que não necessariamente daquela pessoa a quem perdoamos ou por mesmo tipo de malfeito. O ponto é: O perdão entre nós precisa existir, não só apesar da nossa imperfeição, mas também por causa da nossa imperfeição. Ainda com essa imperfeição em mente, recorremos àquele que é Perfeito, em oração. Lançamos também essa preocupação diante dele, porque ele tem cuidado de nós. Pessoas imperfeitas oram mais. Isto é, pessoas que reconhecem sua carência clamam àquele que realmente pode suprir suas faltas. Por meio de Cristo, nós nos aproximamos de Deus como de um Pai querido e misericordioso, pedindo que, por seu Espírito, nos ajude naquilo que parece faltar no nosso relacionamento com a pessoa que nos ofendeu, e a quem já estendemos o perdão. Nós estamos dispostos a amá-la, nós mudamos nossas atitudes, negando-nos a ação maldosa e praticando a ação benéfica. Mas, sim, resta algo no coração, e nós o confessamos a Deus, e pedimos seu auxílio. O perdão está dado. Mas o coração ainda está machucado. Em resumo, toda essa reflexão sugere os seguintes pontos: 1. Você deve perdoar. 2. Perdoar não significa apagar da memória o ocorrido e ter somente sentimentos bons para com a pessoa perdoada. 3. Uma mudança na ação, agora marcada pelo amor, expressa o perdão que podemos viver entre nós. 4. Nossa imperfeição é um fato. 5. Deus é perfeito e misericordioso. É a ele que clamamos por socorro em meio a isso. 6. O Espírito Santo pode mudar nosso coração, nossos afetos. Por fim, uma lembrança sempre necessária: Nossa peregrinação neste mundo não é aquela de um herói solitário. O amor de Deus nos leva a uma comunhão, a uma grande comunidade de santos-pecadores, de pecadores perdoados e que recebem de Cristo santidade para uma vida nova. Por isso, não pensemos que viver tudo isso que aqui foi pensado se faz somente e de uma vez por todas com uma reorientação das nossas ideias, uma reprogramação cognitiva. A vida cristã é caminhada pessoal e comunitária. Não vamos sozinhos. Vamos nos apoiando. Vamos como rebanho do Bom Pastor. É assim, como ovelhas de seu pastoreio, que ele nos conduz, nos alimenta e fortalece. Estejamos juntos para ouvirmos a Palavra. Estejamos juntos à Mesa da Comunhão. E não nos desanimaremos. Pelo contrário, sempre mais nos apegaremos à Mensagem da ação decidida de Deus em nosso favor: “E, assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas. Ora, tudo isso provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação, a saber, que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não levando em conta os pecados dos seres humanos e nos confiando a palavra da reconciliação.” (2 Coríntios 5.17-19) Ele o fez! Está feito! Nisso nos alegramos. A partir disso, caminhamos! Miguel Pereira – RJ, 27 de abril de 2023 ![]()
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Disponibilizo aqui a versão em PDF do mini-álbum de figurinhas da Reforma que preparei para as crianças da nossa Congregação Luterana de Miguel Pereira. Dependendo da idade, é recomendável que um adulto acompanhe a ajude. Sugiro imprimir em papel com gramatura maior. Usamos 120g por aqui. ![]()
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Há casos que, vistos de fora, parecem coisa de pura fofoca desnecessária, mas que, vistos de perto, acabam sendo uma fofoca produtiva. Pelo que entendi, Malafaia (o homem que grita com todo mundo e, no final, diz "Deus te abençoe!") divulgou com duras críticas o vídeo de um pastor idoso da Assembleia de Deus em Campina Grande. No tal vídeo, o pastor chama de "lixo" pessoas que abandonaram sua igreja ou igrejas de vertente semelhante. Sabendo disso, estranhei. O homem que xinga todo mundo achou errado o outro xingar? Será que foi ciúme por não ter usado antes esse xingamento? Não. Nada disso! Eu vi o vídeo do tal pastor idoso. Ele xinga justamente os que foram para igrejas sem os tais usos e costumes rigorosos de sua vertente, aquelas em que mulheres usam até brincos, e homens também! Ah, agora, faz sentido, já que Malafaia é desses assembleianos dados ao ouro (Em qualquer sentido que se queira entender, parece que haverá verdade. Mas o contexto convida a entender que estou falando de assembleianos que não mais impõem regramentos rígidos sobre vestes e afins.) Ele foi diretamente ofendido pelo ancião. Mas não para por aí! Há mais aspectos interessantes na querela. O vídeo do pastor ancião revela uma característica muito sabida de seu meio: a performance do pregador é frequentemente avaliada conforme a rigidez de seu legalismo! Quanto mais enfático na reprimenda, na severidade para com os "outros", mais aplausos angaria. E ele surfou essa onda. Nas suas peripécias, fez manobras impensáveis, como transformar um texto claramente pleno de Evangelho em lei, com l minúsculo mesmo. Leu no Apocalipse que aqueles que lavaram suas vestes no sangue do Cordeiro receberiam direito de comerem da árvore da vida. Que texto é mais evangélico - no sentido próprio de comunicar o perdão pela obra de Cristo - que esse? E ele desfez o Evangelho comentando: "Quem é que está lavado no sangue e fica com mancha!?" O texto que mostra Cristo como redentor de gente imperfeita e suja vira pretexto para exigir uma impecabilidade inalcançável! Assim ele fez em sua performance. Assim ele fez quando o assunto eram os outros! Sabe quando a conversa muda? Quando nosso surfista deu com a pedras na enseada (ou quando sentiu do Silas as pedradas, como queira). Para pedir desculpas após o alarde que se deu, ele cita Tiago, que ensina que, se alguém não tropeça no falar, esse é perfeito. Texto claramente de Lei. Não há Evangelho aqui. E Tiago está dizendo, conforme a aplicação, que esse ancião está em erro. Como ele lê? De forma inversa à da leitura anterior. Agora, esse texto de Lei que está diante de si e que o acusa é suplementado por uma lembrança que beira o Evangelho (ainda que não o apresente), que vem no seguinte comentário: "Você vai concordar comigo que o único varão perfeito, que nunca tropeçou em palavras, que viveu como homem nesta terra, foi o Nosso Senhor Jesus Cristo. Eu creio que todos concordam comigo." Concordamos, sim, pastor. Mas veja como é interessante lembrar disso somente quando o assunto é o próprio pregador. Quando o assunto são os demais, a ausência de qualquer mancha é necessidade imperativa e medida pelo comportamento. Curiosamente, aliás, por um comportamento que se fundamenta em doutrinas de homens, também chamadas, no presente caso, de usos e costumes (não espontâneos, mas exigidos por norma social). Fica parecendo que a lei dos homens, se descumprida, gera mancha que exclui da salvação, enquanto a Lei de Deus, se descumprida, convida a olhar para o fato de que todos a descumprem em alguma medida, para que ninguém seja tachado como manchado na conversa. Mas o ponto nem é esse. O ponto é como a confusão entre Lei e Evangelho é exemplificada de forma gritante nesse episódio lamentável. Conforme quem está implicado, a Lei pode ser amenizada, e o Evangelho pode ser subvertido. Parece que temos aí um problema duplo: Existe o dilema institucional, esse duelo entre vertentes que procuram seu espaço e sua pertinência, com a dificuldade de fazerem isso sem diminuírem o direito da outra à existência. E existe, também, o que é mais grave: a precariedade teológica, a hermenêutica desajustada. É patético. É teologicamente patológico. É triste, mas esse caso pode servir de exemplo para conversas importantes sobre Lei e Evangelho daqui para frente. Fique registrado. E isso que eu nem me atentei para as palavras do outro pastor envolvido, que chamou o ancião de fariseu, sendo ele mesmo um perfume de lavanda, ao que parece (ou não). “Aborto é uma questão de saúde pública?” É. É, sim. O próprio aborto pode ser causado por um problema de saúde. Além disso, o aborto, espontâneo ou causado, não é algo sempre simples e livre de repercussões. Atendimento hospitalar pode ser necessário em ambos os casos. E esse atendimento posterior não é livre de dor e sofrimento. O ABORTO DEVE SER TRATADO COMO QUESTÃO DE SAÚDE Em alguns discursos, os números aparecem misturados: “foram xxx mil atendimentos hospitalares decorrentes de abortos, espontâneos e causados...”. Às vezes, o objetivo é focar somente nos causados. O número dos demais vem no pacote, sem distinção, sem atenção. Uma pena, pois um grande problema de saúde pública está ali também. O atendimento às mães que perderam seus filhos e filhas em gestação nem sempre é humano como deveria, nem sempre é acompanhado de sensibilidade e cuidado integral. Falo de casos de aborto espontâneo por conhecer alguns de perto. Certamente, não é muito diferente, e talvez seja pior nos outros casos. Por tudo isso, aborto é mesmo questão de saúde pública, e precisa ser discutido por essa perspectiva. Agora, convém questionar: O fato de ser questão de saúde pública torna o aborto uma questão exclusivamente de saúde pública? O fato de ser questão de saúde pública implica em que não há sentido ou necessidade de se falar do assunto a partir de outra perspectiva? ABORTO E SAÚDE PÚBLICA, DESMATAMENTO E ECONOMIA Imaginemos que, numa discussão recém iniciada sobre desmatamento na Amazônia, alguém erga a voz e diga: “Desmatamento é uma questão de economia regional.” Seria um mentiroso a dizê-lo? Não! Desmatamento é uma questão econômica. Diz respeito a renda, lucro, trabalho, necessidades materiais de uma porção de pessoas de carne e osso, para as quais desmatamento é imediatamente uma questão econômica. O ponto é: O fato de ser uma questão de economia regional encerra toda discussão sobre desmatamento enquanto questão ambiental? Faria sentido isso? Não. Claro que não. No fim das contas, uma discussão sobre desmatamento que se propõe efetiva e útil além da salinha de discussão e das vaidades dos divergentes deveria considerar a questão como ambiental e econômica. De forma semelhante, o fato de ser questão de saúde pública não isenta o tema do aborto de ser uma questão ética ou, especificamente, bioética. E, também de forma semelhante, uma discussão sobre aborto que queira ser humana e responsável deveria abranger bioética e saúde pública. POR QUE NÃO SERMOS PRAGMÁTICOS QUANTO AO ABORTO? Alguém poderá dizer: Mas por que insistir em tornar complexo algo que pode ser resolvido com um procedimento médico sem muita reflexão? Aqui está um ponto incômodo aos extremos: Por que, em geral, as pessoas não entendem o assunto como complexo em si? Por que se negam a considerar a profundidade da questão e necessidade de discussão a partir da seriedade do que está em questão? Por que parece acertado ser pragmático em uma questão que envolve vida humana? Não é estranho que, em um tempo de valorização da defesa de minorias, dos sem voz, aqueles seres humanos completamente desprovidos de voz sejam desconsiderados como necessitados de proteção? Aqueles sem fala, que não podem exigir que se respeite seu lugar de fala, ficam à mercê da decisão alheia, e sem que se possa por eles falar com direito. Por quê? Porque, como bebês de 1 mês de idade, não conseguem sustentar a si mesmos. Como bebês de 1 mês de idade, não falam. Como bebês de 1 mês de idade, dependem inteiramente de outro ser humano, que pode não o querer. E, de fato, querer um bebê não é obrigação. Há, contudo, uma responsabilidade, que vai além do desejo. No caso dos bebês, existe, por exemplo, a “entrega legal” como opção. Ninguém poderá julgar mãe e pai sem condições (de qualquer tipo), que decidam entregar filho ou filha para adoção. Há no gesto um cuidado, uma responsabilidade com a vida, ainda que não haja uma vivência da maternidade ou paternidade conforme o mais usualmente esperado. POR QUE ESPECIALMENTE PESSOAS CRISTÃS SE OCUPAM COM ISSO? Pois bem, para concluir, observo que me perturba ver, atualmente, quase a totalidade dos que se detém na reflexão sobre o aborto enquanto problema bioético seja de religiosos! Infelizmente, parece que Nietzsche estava certo n’O Anticristo: Foram os cristãos que semearam a ideia (para ele criticável) de defesa dos mais fracos! “O veneno da doutrina ‘direitos iguais para todos’ – o cristianismo semeou-o por princípio” – diz. Uma parte do princípio cristão conseguiu imiscuir-se no pensamento secular de nosso tempo, ainda que com alguma adaptação. O próprio Nietzsche o nota: “Conceder a «imortalidade» a cada Pedro e Paulo foi até agora o maior e o mais pérfido ataque à humanidade nobre. E não subestimemos a fatalidade que do Cristianismo deslizou para a política! Hoje, ninguém mais tem a coragem dos privilégios, dos direitos de dominação, do sentimento de reverência por si e pelos seus pares – de um pathos da distância... A nossa política enferma desta falta de coragem!” Sim, a fé cristã é subversiva na apresentação dessa igualdade incômoda! Iguais são negros, índios, caucasianos e latinos, pobres, ricos, miseráveis e abastados! E não paramos aqui. Iguais em valor, cada Pedro, Paulo, bebê de 1 mês ou de meses antes do nascimento. Que escândalo para a aristocracia dos dotados de voz! Mas o ethos cristão não pode existir sem tensões num mundo hedonista e egoísta em sua integridade. Permanece escandaloso, incômodo e desagradável, quase intragável, quando não coincide com uma ou outra agenda pragmatista. O aborto é uma questão de saúde pública. O aborto é uma questão bioética. E, infelizmente, o aborto só será uma questão tratada com a seriedade que requer exclusivamente por religiosos, muito em breve. Para os muitos, permanecerá como coisa sem sentido defender esse amontoado de células que mal pode se mover, mal pode rastejar. Nós continuaremos nossa conversa com pequena voz, por mais um tempo. Por mais um tempo, pessoas sublimes, donas da decisão e do curso do mundo, bradam suas palavras de ordem, sem perceberem que se alinham com interesses dos poderosos. E Nietzsche venceu em suas consciências: “O Cristianismo é uma insurreição de tudo o que rasteja pelo chão contra o que tem sublimidade: o Evangelho dos «pequenos» empequenece...” RECOMEÇO (NARRATIVA PARA 47º CONGRESSO NACIONAL DA JELB) Cesar Motta Rios PRÓLOGO Desde os tempos antigos, muito antigos e já quase esquecidos, uma escuridão cobriu a humanidade. Até aquele trágico dia, podia-se dizer que tudo era bom. De repente, ouvia-se falar de morte, guerra, dor... O mal, o perverso. Ele permeava nossas vidas, nos surpreendia pelos caminhos. Havia esperança? Sim, uma esperança pouco entendida, por uma mensagem que se ouviu também desde aqueles outros tempos. Havia luz? Um feixe de luz. Mas as trevas nos cegavam de tal forma, que a esperança e a luz eram já insuficientes para todo mundo ver. O bom parecia tão distante, tão escasso! E nós vagávamos como peregrinos sem destino e sem rumo. Parecia um pesadelo, do qual precisávamos acordar. Era disso que precisávamos! Vivíamos num império de ilusões, e, na ilusão da sucessão de impérios, cada geração pensando por um tempo que seria para sempre, que fazia mais sentido que as outras todas. Mas o tempo se esvaía, e a desilusão sempre de novo reinava. Mas aí que começa nossa história. Como devem perceber, de fato, não nego: sou mais um nesse aparente sem fim de sucessões infrutuosas de gente correndo atrás do vento, gente cheia de aflição de espírito. Mais um no meio da minha geração, mais uma geração entre tantas outras gerações. E é claro que isso não basta. Não basta uma “geração”. Importa a regeneração. É a única saída. Por isso, estamos de pé. Por isso, continuamos. Eu estive em silêncio – você sabe. Agora, é hora de recomeçar. E eu tenho uma história pra contar. CAPÍTULO 1 No meio da guerra, escuridão total. Ninguém enxergava nada. Mas a batalha continuava. Feridos ainda gritavam. Cheiro de sangue e pólvora. Gemidos. Alguns se calavam, e sabíamos que já não estavam de pé. Uns e outros atiravam em direção ao nada, na esperança de atingir o oponente. “Atirar no quê?” – Perguntava sem ver sentido. “No outro lado. Escolhe uma direção e atira, soldado! É guerra!” Continuava não fazendo sentido. Se eu tivesse uma lanterna... Se tivesse uma instrução sensata... Balas continuavam cruzando perto. Um zumbido assustador. Vinham do adversário, que, parece, se deslocava no breu. Não dava mais nem para atirar “no outro lado”. Não se sabia mais de dois lados. A verdade é que qualquer tiro seria um risco para o próprio batalhão, se não se perdesse, o mais provável, num sem alvo da escuridão. “Atira! Atira!” Ainda gritavam. Queria não estar ali. Queria, simplesmente, não estar nessa guerra. Mas não havia porta para sair. Não havia estrada ou direção. Tudo o que havia era guerra. Dei três passos e tropecei em alguém no chão. Cheguei perto. Devia ser cadáver. Não era. Ainda não. Cantarolava música festiva. Eu quis entender: - Você está bem? - Sim, está tudo bem! Muito feliz! - Mas e a guerra? - Que guerra? É um dia maravilhoso hoje! Não me venha com esses assuntos! Toquei o chão para me levantar. Havia sangue, muito sangue. Sangue quente. Tateei e notei a calça ensopada e pegajosa. Assustado, me levantei. Uma artéria lacerada, talvez. Não tinha jeito. Era questão de tempo. E a pessoa que sangrava continuava na sua melodia de dia feliz. Eu só queria gritar, gritar alto. Mas não parecia bom negócio chamar a atenção. Poderia sentar-me e cantar também? Fingir que não era assim? Só esperar o fim? Não organizava bem meus pensamentos. No desespero, tudo o que eu queria era que houvesse luz, uma vela, uma lanterna, um sinal sutil que fosse indicando os inimigos. Ser humano, solto na escuridão, vive preso à própria ignorância; não via nada. CAPÍTULO 2 E houve luz. Já havia, na verdade, mas, agora, a luz estava no mundo. Quero dizer, naquele nosso mundo escuro. Era possível identificar um pouco melhor, pelo menos, de onde vinham os tiros. Havia mesmo inimigos por toda parte. Havia mesmo muito mais gente do que eu pensava. E, com tanta gente, muito mais dor, e muitas cantigas fora de lugar, para dançar ou para ninar. O risco era constante. Agora, eu o via muito mais próximo, muitíssimo mais ameaçador e variado. Não era um só o inimigo, como parecia na escuridão. Eram três. E agiam estranhamente separados, mas estranhamente em colaboração. Um era discreto, tão discreto, que quase se poderia dizer não existir. Mas era potente e astuto. Acho que igual não há na terra. Outro estava por todos os lados, escorrendo líquido por todos os cantos e todas as esquinas da vida. E havia ainda um muito mais perto, arraigado. Se eu fugisse, se eu corresse, se eu dançasse e sacudisse, ele continuava perto, bem junto. Coisa de filme, alienígena, ficção. Mas o sangue não era de simulação, nem os gritos, nem a dor. Vendo, percebi que era tudo tão pior, que quase desejei de novo todo aquele breu. Na ignorância que me oprimia, não sabia que só saber também não resolveria. Não tinha forças contra os adversários. Não tinha como traçar uma estratégia que desse conta. Via-os fortes e ousados. Via-me perplexo e incapaz. “Vou me render!” Acho que pensei em voz alta essas palavras. Mas é fato: ia mesmo desistir. Passa alguém correndo e me deixa uma mensagem, num pequeno papel sujo de sangue, um telegrama. Quem manda telegrama hoje em dia? Incomodamente desatualizado... Mas – que importa? - eu li: “Mantenha a posição. Não vacile. Aguente. A guerra já está resolvida. A vitória é nossa.” Eram só palavras. Era coisa fora do tempo. Era um tanto difícil de entender, considerando o cenário. Não sei explicar. Só sei que eu confiei. CAPÍTULO 3 O telegrama foi só o começo. Vieram mais. Telegramas, cartas, tratados... O medo ainda permanecia, mas eu já não estava tão desorientado. Também não estava tão sozinho. “A vitória é nossa” – dizia aquele primeiro telegrama. Foi aí que vim a saber quem éramos “nós”. Deram-me uma noção bem mais clara sobre que guerra era aquela em que eu estava colocado desde o princípio. Também me deram armas muito mais adequadas para a situação. Não, eu não precisava atirar para todo lado. Não precisava voltar para aquela loucura que tinha vivido na escuridão, com alguém dizendo “atira!” a todo tempo, sem mais qualquer orientação. Aquilo era devaneio inútil. Fui feito parte de um batalhão, uma tropa, pelotão... Não sei bem como expressar. O fato é que, agora, estávamos reunidos, nos protegíamos e nos alertávamos quando um ataque era iminente. E sempre era. Mesmo assim, tínhamos disposição e coragem. Em certas incursões, nos separávamos. Em nossas andanças, sempre cuidadosas, não era raro encontrar gente sem noção alguma da guerra, mas com ferida de morte, com sangue escorrendo. Tentávamos ajudar, estancar o sangue, e levar para o nosso lugar. Nem sempre acontecia de a pessoa concordar. Era de chorar essa cena. Como é que não percebiam?! Como é que não enxergavam ainda...? Nós percebíamos os riscos, e sempre nos reagrupávamos. Reunidos, partilhávamos nossa refeição, nosso sustento; éramos fortalecidos e nos consolávamos, chorávamos e cantávamos, não uma canção de ilusão, uma outra, uma nova, que falava de uma esperança segura, garantida. Nesse ajuntamento, parecia que árvores verdes vicejavam em meio a tanta aridez, luz prevalecia contra sombras ameaçadoras, e a paz era mais forte e real do que os ruídos, gritos ameaçadores, rugidos e tiros. Um batalhão, uma tropa, pelotão... Um organismo, um corpo. Era isso! Assim, eu sabia que poderia prosseguir. Eu tinha uma meta. Tinha companhia, orientação, amizade, vida e sentido. Nem pensava mais em desistir. Cansava? Sim. E muito! Mas sabia onde descansar. E descansava! CAPÍTULO 4 Guerra é guerra. Não é por estar vencida que deixa de ser guerra. É batalha todo dia. E é violenta. Foi um baque quando soube que um de nosso grupo não havia voltado após dias. Escutei palavras de apreensão. Vi olhares preocupados. Ainda sem entender, perguntei: “Acontece isso?” Acontecia, sim. E era sempre muito traumático. Então, me contaram que havia algo mais preocupante. Havia um caso recente de outro pelotão, bem parecido com o nosso, que havia abandonado o posto. Parece que o inimigo tinha feito um estrago irreparável. Em vez de se apoiarem e caminharem juntos, eles se desentenderam e se dispersaram. Trocaram o amor e aquela boa cumplicidade, por disputas sem fim, vaidades e interesses próprios. Sabendo disso, eu me entristeci; Profundamente. Mas não deu tempo de me afundar nesse sentimento. Veio uma palavra de comando. Duas palavras, na verdade. Primeiro, um alerta “Quem pensa estar de pé fique esperto para não cair!” Saber que soldados podiam se perder era motivo de atenção redobrada. A segunda palavra exigia ação: “Leave no man behind!” Meu inglês não é lá essas coisas. Mas me contaram a história de um tal soldado Ryan. Resgataram o rapaz. Eu não tinha assistido isso. Não é do meu tempo, eu acho. Mas fez sentido: Não abandonamos ninguém pelo caminho! Se preciso carregamos os feridos, acompanhamos os vagarosos, apoiamos os que andam mancando. Se estão longe, viajamos. Se estão perdidos, procuramos. Se estão confusos, tentamos orientá-los. Nem sempre voltamos dessas missões cheios de alegria. Gostaria de dizer o contrário, mas a verdade é que podemos ficar longe do êxito, tem vez. Mas não perdemos a esperança, não vacilamos... Temos muito trabalho. Guerra é guerra. É batalha todo dia. EPÍLOGO Então, essa é minha história. E é a sua também. Estamos todos na mesma narrativa. Mas não estamos sozinhos. E não vamos vacilar, porque é batalha todo dia. Não temos medo. Temos recomeço. ------------------ No vídeo abaixo, que é da abertura do Congresso, a narrativa aparece intercalada com uma apresentação musical. A edição e a interpretação me impressionaram muito positivamente! NOSSA IDA A ponte Engenheiro Paulo de Frontin é, segundo dizem, coisa rara. Seria o único (ou quase isso) viaduto férreo em curva do mundo. Datando de fins do século XIX, hoje é um ponto turístico de Miguel Pereira, mas por ali não passa mais trem algum. Uma pena. No meio de uma manhã de folga, decidimos conferir de perto. Fomos com nossas crianças (4 e 8 anos). O caminho não é muito fácil. Embora seja bem perto do centro de Miguel Pereira, a estrada está em condições deploráveis. Algumas partes asfaltadas exigem um tráfego com velocidade de estacionamento cheio. São buracos bem profundos e amplos em alguns trechos. Chegamos à ponte e cometemos um erro. Aviso para que você não o repita. Subimos a ladeira em curva ao lado da ponte de carro, para estacionarmos lá em cima. Foram dois problemas. Nosso carro não se saiu tão bem na subida de terra seca e solta. Conseguimos, de qualquer forma. Mas não é bom de estacionar por ali. Compensa muito mais estacionar junto à base da ponte e subir a pé. A PONTE Lá em cima, temos o acesso à ponte. Impossível soltar as mãos das crianças. É realmente possível uma queda fatal (ou quase fatal). A vista é interessante. Mas não há muito além disso. Há quem goste de caminhar pela ponte. É possível fazer isso com relativa segurança por um dos lados. Mas, com crianças, eu não recomendaria. O RIO Lá de cima, se percebe um rio que passa por baixo da ponte, ao lado da estrada. Resolvemos ver de perto. Descemos a pé pela rampa lateral. Encontramos uma passagem quase debaixo da ponte. Um caminho simpático por um pequeno bosque conduz à margem do rio, que vim a saber ser o Rio Santana. Por ali, muitas oferendas de alguma religião que não consigo discernir. Isso trazia moscas, porque havia frutas e outros alimentos. Fora isso, o lugar é sombreado e bonito. Não há acesso ao rio tão fácil de achar. Mas há. Basta procurar. A água parece limpa e é bem gelada. Foi dessa parte do passeio que as meninas gostaram. Não nos aventuramos muito, mas molhar os pés já é alguma coisa. Outras pessoas chegaram e foram literalmente nadar no rio. CONSIDERAÇÕES E DICAS Vale a pena? Olha, se é para ir até lá sem ter nenhum interesse em ferrovias antigas, acho que não. Se o caminho estiver mais cuidado no futuro, talvez valha a pena sim, porque não é longe. A quem for, sugiro repelente e cuidado na estrada. Cuidado também para atravessar a estrada, já que há uma curva bem perto da travessia, o que tira a visibilidade do condutor. Eu soube posteriormente que há um balneário chamado Cachoeira do Poção um pouco adiante, pelo mesmo caminho. Talvez seja bom combinar uma visita aos dois lugares, para valer mais a pena o esforço. LOCALIZAÇÃO O Parque Estadual da Serra da Concórdia tem sua sede no distrito de Barão de Juparanã, município de Valença – RJ. Está bem perto de Vassouras, cidade com boa estrutura turística e atrativos também muito interessantes. Há dois pequenos trechos da estrada que requerem especial atenção, pois só passa um veículo por vez. Um deles, sob uma ponte férrea, é curtíssimo. O outro, uma ponte rodoviária e férrea ao mesmo tempo (haverá nome para isso!), é mais longo e em curva. Mas há visibilidade suficiente para se saber, antes de entrar, se outro veículo já vem pelo sentido oposto. O PLANO Encontrei informações suficientes para me deixarem interessado e, como minha esposa tinha uns dias de férias, pudemos ir juntos no dia da minha folga, que é usualmente às segundas. De onde estamos, Miguel Pereira, levamos pouco menos de uma hora de carro. Gastamos mais tempo preparando as mochilas que indo propriamente. Temos duas crianças, 4 e 8 anos. Isso deixa a arrumação mais lenta. A ideia era ir cedo, chegando perto do horário de abertura (9h), fazer uma trilha, e voltar por volta do início da tarde. Para a alimentação, preparamos um piquenique. A CHEGADA Atenção à linha do trem. O pare-olhe-escute deve ser respeitado, pois a linha está em uso. Como, de fato, vinha trem, tivemos que esperar seus incontáveis vagões passarem. Feito isso, seguimos pela pequena estradinha de terra que dá acesso à sede do parque. Essa estrada parece vir se desgastando pelas beiradas por erosão. Já não passa mais que um carro, e é preciso atenção. Mas é curta! Na sede, um funcionário (guarda-parque) que estava trabalhando na manutenção veio ao nosso encontro. Colocou sua máscara, inclusive. Orientou onde poderíamos estacionar. Comentou que o parque é mais adequado para visitação nos finais de semana e feriados, porque há manutenção nos outros dias. Mas deixou claro que estava aberto, que não seria problema. Que bom, porque não tenho folga nos finais de semana! Esse mesmo rapaz nos mostrou uma sala de exposição com informações sobre flora e fauna locais, assim como o trabalho de preservação desenvolvido. Há itens interessantes, como armadilhas de caçadores apreendidas. O Parque é muitíssimo importante. Não há dúvidas disso. Ele nos orientou sobre as trilhas, que eu já havia consultado pelo site, é claro. Mochila nas costas, seguimos rumo. Optamos pela Trilha do Gavião, por ser breve. Havia outra menor, a do mirante, que sai de frente da sede. Mas essa é pequena por demais. Não teria emoção. Ah, sim, um de nossos objetivos era treinas as meninas e ver como reagiriam, porque pretendemos visitar outros parques maiores. O do Ibitipoca é nossa meta. A TRILHA A Trilha do Gavião é fácil. Nossa filha de quatro anos a percorreu andando o tempo todo. Fica estreita em alguns momentos, e é preciso segurar a mão da criança quase sempre. Fora isso, há aclive e declive, mas nada muito acentuado. Claro, pode-se escorregar pela terra solta, pedras... Mas nada que atenção redobrada não resolva. Pelo caminho, há trechos de sombra, por causa da mata. Mas há mais trechos com sol. É bom pensar em chapéus. Repelente nem se fala! A trilha tem boas indicações. A distância está indicada a cada 100 metros. Há uma ou outra bifurcação que poderia ter uma sinalização para os mais desastrados. No nosso caso, não houve problemas. Graças a Deus! Quando chegamos à base de cima da tirolesa do parque, temos uma vista encantadora. Avista-se o destino: Uma área com parquinho infantil, ducha, e estrutura para churrasco e camping. O PARQUINHO Basta uma descida cuidadosa por uma estradinha para chegarmos até ali. As crianças correram e brincaram felizes. Há também um pequeno açude, que apenas compõe o cenário, ao que parece. Não sei se tem outra finalidade, mas é possível que sim. O sol é forte. Há sombra na área de churrasqueira. Mas só a utilizamos por estar completamente vazio o parque. Nesse tempo todo, só vimos um pequeno grupo de quatro jovens andando por ali. Fizemos nosso piquenique sob a sombra da estrutura de chegada da tirolesa, um benefício de estarmos a sós no parque, claro. A CAMINHADA DE VOLTA Quando nos aprontamos para o retorno, outro funcionário veio conversar. Fez questão de mostrar, com certo orgulho, a estrutura para camping, que é realmente muito boa. Pergunto o custo para os viajantes. É de graça! Achei ótimo. Há, inclusive, um lugar bem bacana para fogueira, com toda a segurança, afinal, o objetivo do parque é a preservação ambiental. Voltamos pela estrada de baixo, andando. Seria possível eu ir sozinho e buscar a família de carro. Mas, lembrando, estamos fazendo um teste para o Ibitipoca. Nessa parte, o teste mostrou sua utilidade. As crianças se cansaram bastante. O sol estava forte. Houve alguma reclamação. Incentivamos que bebessem mais água. Com incentivo e bom humor, chegamos. As aventureiras ficaram frescas de repente. Não queriam mais saber de andar. (Observação: O Ibitipoca deve ficar para depois. Pensávamos em fevereiro, pois temos férias por ali. Mas, agora, com a experiência, parece melhor que fique para quando essas perninhas estejam mais fortes.) A PARTIDA Na sede, ainda um terceiro funcionário trocou palavras conosco. Destaco enfaticamente: os três funcionários com que conversamos foram muito solícitos e educados. Notável! Todos no carro, partimos de volta. A pequena logo pegou no sono. Quem viaja com criança sabe como isso facilita as coisas. COMENTÁRIO FINAL SOBRE O PARQUE É um Parque grande, muito útil, e adequado para crianças. Pretendemos voltar para outras trilhas no futuro. No mesmo trecho do parque em que estávamos, há uma trilha maior (Trilha da Capivara) que leva às margens do Rio Paraíba do Sul. Do outro lado da estrada que dá acesso à sede, o parque continua e é muito maior. Ali, há trilhas que levam a cachoeiras. Não vimos muito da fauna local. Alguns poucos pássaros e insetos somente. Um grupo de borboletas amarelas e brancas fez uma revoada pela estradinha na volta. Acho que foi o mais emocionante para as crianças. Para elas, foi também divertido o primeiro contato com essa plantinha que fecha ao ser tocada. Para nós, adultos, foi uma boa lembrança da infância. Valeu muito a pena. Reforço que o parque é gratuito. Nosso custo foi basicamente o combustível. Apenas faço algumas sugestões: - Não se esqueça do repelente! - Protetor solar pode ser útil! - Chapéu e roupas confortáveis. - Leve o que for comer! E leve água! - Vá em sintonia com o propósito do parque. Preservação é a palavra. - Pelo caminho, desperte o espírito aventureiro nas crianças! Elas acham o máximo a sensação de serem exploradoras. - Curta cada detalhe. NOSSA ORAÇÃO
Agradecemos a Deus pela beleza da criação, pelas pessoas que exercem honestamente suas vocações benéficas para a preservação dessa beleza, e pela oportunidade de caminharmos, sentirmos o vento, o sol, a vida em meio à natureza. Cansados, mas renovados e com história para contar, voltamos para casa pedindo por mais dias assim. É tão óbvio que acessar os textos bíblicos em sua língua original é fundamental para uma interpretação mais segura! Mas o óbvio costuma ser esquecido. Por isso, voltamos a ele. É ruim que se esqueça de algo tão notório. Mas trágico mesmo é quando, além de não acessar o texto na língua original, a pessoa trabalha com uma tradução com a certeza de ter absoluta precisão em sua leitura. Trago dois exemplos tensos, mas completamente reais. O primeiro, vem de alguém ligado à Igreja Católica Apostólica Romana. Querendo defender o dogma da virgindade perpétua de Maria, isto é, a afirmação de que, após o nascimento de Jesus, Maria não teve uma vida matrimonial convencional com José, a pessoa cita Isaías assim: “A Santa Mãe de Deus, sempre Virgem. Este é o sinal profetizado pelo profeta Isaías: ‘A Virgem dará a luz UM filho que será chamado Emanuel (Deus conosco).” (Isaías 7,14)” O destaque do UM em caixa alta é dessa pessoa, e sugere que ela menciona o versículo com o propósito de mostrar que, segundo a profecia, Maria teria 1 só filho. Qual o problema disso? Qualquer bom leitor de português sabe que “um” (e “uma”) pode ser tanto um numeral (1) quanto um artigo indefinido. Como saber de que se trata nessa frase de Isaías? Bom, o melhor mesmo é olhar o texto em hebraico. Sem muito esforço, até um iniciante poderá dizer: “Não há numeral ali. O texto em português está usando um artigo indefinido.” Um estudante um pouco mais sabido ou disposto a mostrar saber completaria: “Não há artigo indefinido em hebraico. A ausência do artigo definido já pode indicar a indefinição. Então, como não há artigo definido, é natural que, na tradução, apareça um indefinido”. Se não sabe hebraico, nada de hebraico, o que a pessoa poderia fazer? Bom, nesse caso, poderia olhar uma tradução em inglês, por exemplo, já que, nesse idioma, embora haja artigo indefinido, “a”, ele não se confunde com o número “one”. Mas esse movimento só pode acontecer se a pessoa tiver o bom senso de suspeitar do óbvio: Tradução é tradução! Posso me destrambelhar nas conclusões confiando nela como se fosse o texto original. Detalhe até aqui: Não estou discutindo a doutrina em questão. O ponto é o argumento inábil. Quer ver isso do outro lado. Vamos a uma clássica no meio evangélico. Perdi as contas de quantas vezes, quando o assunto eram as parêneses de Paulo sobre vivência familiar, ouvi gente explicar o texto a partir da seguinte afirmação: “Submissão é estar sob (a mesma) missão (do marido)”. Há variações, é claro. Mas a base é uma só. Percebe como uma suposta etimologia do termo em português é apresentada como forma de iluminar o sentido do texto? Qual o problema? Os problemas, na verdade, são dois basicamente: 1) O termo submissão é um termo em português. Será mesmo que uma observação etimológica dele ajudará a compreender um texto escrito em grego? A resposta seria “sim”, somente se, em grego, o termo usado partilhasse de uma formação semelhante. Não. Não é o caso. 2) A etimologia de “submissão” apresentada não corresponde à realidade linguística. É uma invenção popular. Nesse caso, então, o malabarismo é equivocado por supor que se pode analisar detalhes de uma tradução para acessar o “verdadeiro sentido” de um texto escrito em outro idioma. E é equivocado por nem acessar a própria tradução com rigor. (E veja bem: Nesses casos, não é culpa do tradutor. A tradução está boa. Mesmo assim, é o que tem que ser: uma tradução.) Mas não é elitismo isso de exigir uma abordagem dos textos em grego, hebraico e aramaico? Tão pouca gente tem acesso aos textos nesses idiomas! Sim, eu sei. Não estou dizendo que ninguém deva ler as escrituras nas traduções. Traduções são uma bênção de Deus para a Igreja nos mais variados lugares. O ponto é o que se faz com as traduções. Que sejam lidas para a edificação diariamente é algo excelente. Mas não sejam utilizadas para criar explicações intrincadas sobre os textos ou para desenvolver ou sustentar doutrinas. Não. Isso é muito inadequado. A Reforma enfatizou com todas as forças a necessidade do estudo das Escrituras em suas línguas originais. Os reformadores se dedicaram arduamente a esse acesso às fontes, e incentivaram que outros o fizessem. Lutero, que queria boas escolas para toda a gente, não queria só o alemão sendo dominado pela geração de estudantes que se formava naquele tempo: “Por isso é algo bem diferente o caso de um simples pregador da fé e de um intérprete da Escritura ou, como diz S. Paulo, de um profeta. Um simples pregador dispõe (é verdade), com base em traduções, de suficientes enunciados e textos claros para entender e ensinar a Cristo, viver uma vida piedosa e pregar a outros. No entanto, para interpretar a Escritura e tratá-la autonomamente e para combater aqueles que citam a Escritura erroneamente [...] sem línguas isso não é possível.” (Obras Selecionadas, v. 5, p. 314) QUANDO O DEUS DA VIDA E DA COMUNHÃO TOCA A SUA CRIAÇÃO (Mensagem a partir de Marcos 7.31-37)9/5/2021 15º Domingo após Pentecostes – 2021
Missão Luterana em Miguel Pereira, RJ QUANDO O DEUS DA VIDA E DA COMUNHÃO TOCA A SUA CRIAÇÃO Marcos 7.31-37 Cesar Motta Rios Você já se imaginou surdo? Não ouvir nada do mundo ao redor, barulhos e vozes. Mais que isso: Você já se imaginou ser surdo e não conseguir falar direito, de modo inteligível? Como você se expressaria? Como as pessoas te veriam? Antes que você se lembre de língua de sinais, de legenda com descrição de áudio nos filmes e séries, em leis que facilitam o acesso ao mercado de trabalho etc., eu especifico: Imagine que você é cego e praticamente mudo no século I d.C.. E eu preciso contar que quem não escutava e falava não recebia educação. Na verdade, não era assim só no século I d.C.. Demoraria muito até que essa situação mudasse. Só no século XVI d.C., surge a iniciativa de alfabetizar surdos. Isso acontece primeiro na Espanha, por obra de um monge beneditino chamado Pedro Ponce de León, que educa um filho de nobres. Demoraria muito ainda até que escolas para pessoas com necessidades especiais surgissem na Europa. Então, você não ouviria, não conseguiria se comunicar com fala, não teria uma língua de sinais para que te entendessem, não poderia ler e escrever. Como você saberia das coisas? A visão ajuda a saber um pouco. Mas tem muita limitação. Se olho para o jardim, sei pelos olhos que está ventando. Isso sei. Mas como vou saber o que uma pessoa específica acha desse vento? Se ele estiver com feição de insatisfação, posso pensar que não gosta do vento. Mas e se for por outro motivo? Como vou saber? E, por outro lado, como a pessoa se expressaria? Fatalmente, não faria isso minimamente bem. Não é à toa que o mesmo termo usado em grego antigo (ἐνεός) para “mudo” é usado também para “estúpido”, “desmiolado”; tal era o “apreço” das pessoas nessa condição entre os antigos. Percebe que não é só o não ouvir e o não falar? É estar à parte do mundo das pessoas “normais”. É estar desconectado. É tentar entender tudo somente pelo que vê. Mas muita coisa não se entende somente assim. É pensar e pensar, estar preso em seus pensamentos sem a possibilidade de se expressar, de fazer entendida sua perspectiva, sua visão sobre cada assunto, sobre nada. É ser visto como um caso perdido, um ser sem grande valor. É uma pessoa assim que levam a Jesus. Ele não resolve tudo na frente da multidão. O homem em questão não seria objeto de um espetáculo. Jesus o retira dali. Então, por sua palavra, faz que esteja são. O homem, agora, ouve e pode falar direito. Jesus diz que as pessoas que presenciaram o ocorrido não deveriam espalhar por aí a notícia. Mas elas fazem isso. E é compreensível. O acontecimento é marcante demais para passar sem ser contado por todos os lados: “Ele já fez tudo muito bem! Até os surdos faz ouvir e os sem fala faz falar!” Essa é a presença daquele por meio de quem tudo que foi feito se fez. Daquele que estava no princípio, quando, sobre a criação, nós escutamos: “E viu Deus que era bom!” E era mesmo. O que perturbou a criação e sua qualidade de boa foi o pecado. Por isso, há sofrimento, pesar, dificuldades sem fim. Mas Jesus diante do homem sofrido pode fazer conforme foi feito no princípio. E o ser humano ouve e fala, como Adão e Eva antes dele. Assim, Jesus devolve a criação à sua condição devida. Faz isso na vida de um, anunciando que o fará na vida de todos para todo sempre. Aquele que estava na primeira criação, vem para instaurar a Nova Criação, em que não haverá mais limitações como surdez, cegueira, pressão alta, diabetes o que quer que seja! Ele vem e faz tudo novo. Mas há mais do que saúde em jogo aqui. O sujeito que não ouve e não fala, naquele tempo, como já bem imaginamos, está isolado, não tem essa comunhão tão simples e fundamental que nós temos ao podermos falar e ouvir, expressar pensamentos e ter informações sobre o que vem acontecendo e o que outros estão pensando. Não. Ele é um ser enclausurado. Então, a presença de Jesus não só o coloca são, mas o coloca em comunhão. Vínculos, agora, podem ser tecidos, e já começam na própria proclamação do ocorrido. O homem que aparece mudo. Agora, pode expressar o que viveu, o que sabe, o que experimentou. Ele pode falar e ser ouvido. Pode ouvir e entender. Ele é mais um vivo para a comunhão. Deus gosta de sua criação. Deus gosta de comunhão. Ele quer reconciliar as pessoas com ele mesmo. E quer reconciliar nossos laços. “Para que sejam um” – diz Jesus. Você pode pensar: “Mas quem sou eu para ele querer isso para mim? Eu não sou nada.” Então, nós nos lembramos: Deus criou o universo a partir do nada. Isso não é problema para ele. Podemos confiar. Não haverá mais desconexão. Não haverá mais choro incompreendido. Não haverá mais solidão e desentendimento sem fim. Porque Jesus chegou. Porque Jesus tocou de novo a criação, e derramou seu sangue. Nós temos ouvidos para ouvir? Ouçamos o que ele diz. Nós temos voz para falar? Falemos do amor desse que fez e faz tudo bem. E viveremos o verdadeiro banquete de Deus. Banquete de vida e comunhão! Amém. 13º Domingo após Pentecostes – 2021
Missão Luterana em Miguel Pereira, RJ UM SÓ GUIA! Marcos 7.1-13 Cesar Motta Rios Precisamos inicialmente entender o caso. Os discípulos de Jesus simplesmente comiam pão. Mas fariseus e escribas vindos de Jerusalém estavam ali para encontrar algum problema com Jesus, esse novo mestre que chamava a atenção do povo. Eles averiguam os procedimentos e encontram motivo de acusação: mãos impuras! O que seria isso? Sabemos que o povo de Deus tinha recebido uma dieta especial pela Lei de Deus. Isso é fato. Mas “mãos impuras”? A ideia era que a impureza ritual das coisas poderia se comunicar pelo toque de mãos e objetos. Não estamos falando de germes, de vírus, nada disso. O assunto é religioso. Eu eventualmente poderia ter tocado algum objeto que tivesse encostado em algo impuro. Essa impureza, que teria passado ao objeto, se grudaria à minha mão e, no momento de comer, entraria em mim pelo alimento que toquei. Por isso, aqueles judeus lavavam de tudo e lavavam especialmente as mãos de forma bem peculiar, colocando-as em forma de punho semicerrado, e despejando água cuidadosamente. E queriam que todos os judeus fizessem assim. Convenciam a muitos. Estar impuro impedia o culto. Isso ninguém queria. Qual o problema com isso? O problema é que Deus não tinha ensinado tudo isso! O problema é que as pessoas tinham desenvolvido essas ideias complicadas e as impunham a outras pessoas. Estavam justamente ali cobrando dos discípulos de Jesus uma submissão a uma tradição humana, a tradição dos anciãos. “Por que os seus discípulos não vivem conforme a tradição dos anciãos?” É a pergunta. Jesus cita Isaías: “Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. E em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos humanos” (Is 29.13). Dura palavra, que Jesus diz ser contra aquelas pessoas. É de uma seriedade impressionante essa mensagem. As pessoas podem ser fieis a Deus externamente, com discurso, sem que estejam perto dele realmente, de coração. Podem ser religiosas, mas isoladas de Deus. Falar de Deus, mas não ensinar o que Deus mandou, mas tradições meramente humanas. Vale para aqueles fariseus. Vale para hoje também o alerta. Mas alguém poderia dizer: Mas essas tradições, embora não sejam dadas por Deus nas Escrituras, são bonitas e ajudam a preservar a devoção etc. Jesus, por isso mesmo, mostra claramente que a tradição deles fazia com que negassem o ensino de Deus. Deus manda honrar pai e mãe. Eles encontravam um subterfúgio na tradição, uma regra a mais, para driblar o mandamento de Deus sem parecerem menos piedosos. Se eu fizer uma oferta ao Senhor, fico isento de dar essa atenção material aos meus pais idosos. Como é ato piedoso, fica tudo bem. Ainda pareço religioso exemplar. Não! – Diz Jesus. Deus não ensinou isso! Na caminhada do povo de Deus, isso sempre aconteceu e sempre vai acontecer. Pessoas bem-intencionadas acrescentam regras, alteram ensinamentos, entram em conflito com a Palavra. Bem-intencionadas? Sim. Frequentemente, sim. Mas equivocadas. Principalmente, equivocadas quando querem impor sobre outras pessoas algo que não vem de Deus. Na caminhada cristã. Eu gosto dessa expressão “caminhada” para falar da vida. E não sou eu somente. Os judeus tinham dois tipos de assuntos: a halakhá e a agadá. A agadá é a conversa sobre as histórias, as narrativas. A halakhá é a conversa sobre como viver, sobre normas e conduta. Halakhá vem do verbo halakh, que significa justamente caminhar. Então, havia todo um campo de conhecimento dos judeus sobre como levar a caminhada da vida. O que Jesus está dizendo claramente aqui é simples: Para essa caminhada de vida, não construam um sistema a partir das vontades humanas, nem se forem vontades piedosas. Não inventem uma halakhá, uma instrução como se fosse de Deus, não sendo de Deus. Para caminharem pela vida, simplesmente, ouçam o que Deus diz atentamente, de modo submisso e reverente. É isso que precisamos fazer. Sem invenções. Sem imposições a mais. Sem onerar consciências com regras religiosas humanas. Deus disse? Está dito. Nós ouvimos. É coisa bem-intencionada inventada por pessoas? É preciso dizer: Não é Palavra de Deus, então. Infelizmente, o ser humano não gosta dessa diferenciação. Quer ter o direito de dizer o que Deus não diz como se fosse Deus. A tradição dos anciãos logo se torna supostamente “inspirada”, dada por Deus também. Afirmam que Deus entregou essa tradição oral, assim como as Escrituras. Mas a conversa de Jesus já resolveu isso também: Se essa tradição é de Deus, por que conflita com as Escrituras dadas por Deus? Estamos no caminho, desde o Batismo, sem invencionices. Estamos no caminho, mas sempre haverá atalhos propostos, imposições humanas, insistência de vozes que querem nos “ajudar” na caminhada. Palpites e mais palpites, alguns mais sofisticados, outros mais simplórios. Mas a Igreja o que é? Cordeirinhos que ouvem a voz do seu bom pastor, Jesus. Então, a voz que nos interessa é a dele, que pagou alto preço na cruz para nos perdoar todos os pecados e nos dar a vida eterna de graça. Ele é o nosso guia. A voz de Deus diz no monte da transfiguração: “Este é o meu Filho amado. Ouçam a ele.” É o que queremos fazer. Amém. |
O autorCesar Motta Rios é teólogo. Tem Doutorado na área de Literaturas Clássicas e Medievais, com pós-doutorado na área de Filosofia Antiga. Exerce ministério pastoral junto à Igreja Luterana em Miguel Pereira - RJ. Para acessar seu currículo e encontrá-lo em outras plataformas, clique AQUI. Histórico
April 2023
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