Cesar M. Rios
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CRISTIANISMO&ANTIGUIDADE

LEI E EVANGELHO NO CASO MALAFAIA E DANIEL NUNES

5/17/2022

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Há casos que, vistos de fora, parecem coisa de pura fofoca desnecessária, mas que, vistos de perto, acabam sendo uma fofoca produtiva.

Pelo que entendi, Malafaia (o homem que grita com todo mundo e, no final, diz "Deus te abençoe!") divulgou com duras críticas o vídeo de um pastor idoso da Assembleia de Deus em Campina Grande. No tal vídeo, o pastor chama de "lixo" pessoas que abandonaram sua igreja ou igrejas de vertente semelhante. Sabendo disso, estranhei. O homem que xinga todo mundo achou errado o outro xingar? Será que foi ciúme por não ter usado antes esse xingamento? Não. Nada disso!
Eu vi o vídeo do tal pastor idoso. Ele xinga justamente os que foram para igrejas sem os tais usos e costumes rigorosos de sua vertente, aquelas em que mulheres usam até brincos, e homens também!

Ah, agora, faz sentido, já que Malafaia é desses assembleianos dados ao ouro (Em qualquer sentido que se queira entender, parece que haverá verdade. Mas o contexto convida a entender que estou falando de assembleianos que não mais impõem regramentos rígidos sobre vestes e afins.) Ele foi diretamente ofendido pelo ancião.


Mas não para por aí! Há mais aspectos interessantes na querela. O vídeo do pastor ancião revela uma característica muito sabida de seu meio: a performance do pregador é frequentemente avaliada conforme a rigidez de seu legalismo! Quanto mais enfático na reprimenda, na severidade para com os "outros", mais aplausos angaria. E ele surfou essa onda. Nas suas peripécias, fez manobras impensáveis, como transformar um texto claramente pleno de Evangelho em lei, com l minúsculo mesmo. Leu no Apocalipse que aqueles que lavaram suas vestes no sangue do Cordeiro receberiam direito de comerem da árvore da vida. Que texto é mais evangélico - no sentido próprio de comunicar o perdão pela obra de Cristo - que esse? E ele desfez o Evangelho comentando: "Quem é que está lavado no sangue e fica com mancha!?" O texto que mostra Cristo como redentor de gente imperfeita e suja vira pretexto para exigir uma impecabilidade inalcançável! Assim ele fez em sua performance. Assim ele fez quando o assunto eram os outros!

Sabe quando a conversa muda? Quando nosso surfista deu com a pedras na enseada (ou quando sentiu do Silas as pedradas, como queira). Para pedir desculpas após o alarde que se deu, ele cita Tiago, que ensina que, se alguém não tropeça no falar, esse é perfeito. Texto claramente de Lei. Não há Evangelho aqui. E Tiago está dizendo, conforme a aplicação, que esse ancião está em erro. Como ele lê? De forma inversa à da leitura anterior. Agora, esse texto de Lei que está diante de si e que o acusa é suplementado por uma lembrança que beira o Evangelho (ainda que não o apresente), que vem no seguinte comentário: "Você vai concordar comigo que o único varão perfeito, que nunca tropeçou em palavras, que viveu como homem nesta terra, foi o Nosso Senhor Jesus Cristo. Eu creio que todos concordam comigo."

Concordamos, sim, pastor. Mas veja como é interessante lembrar disso somente quando o assunto é o próprio pregador. Quando o assunto são os demais, a ausência de qualquer mancha é necessidade imperativa e medida pelo comportamento. Curiosamente, aliás, por um comportamento que se fundamenta em doutrinas de homens, também chamadas, no presente caso, de usos e costumes (não espontâneos, mas exigidos por norma social).

Fica parecendo que a lei dos homens, se descumprida, gera mancha que exclui da salvação, enquanto a Lei de Deus, se descumprida, convida a olhar para o fato de que todos a descumprem em alguma medida, para que ninguém seja tachado como manchado na conversa.

Mas o ponto nem é esse. O ponto é como a confusão entre Lei e Evangelho é exemplificada de forma gritante nesse episódio lamentável. Conforme quem está implicado, a Lei pode ser amenizada, e o Evangelho pode ser subvertido. Parece que temos aí um problema duplo: Existe o dilema institucional, esse duelo entre vertentes que procuram seu espaço e sua pertinência, com a dificuldade de fazerem isso sem diminuírem o direito da outra à existência. E existe, também, o que é mais grave: a precariedade teológica, a hermenêutica desajustada. É patético. É teologicamente patológico. É triste, mas esse caso pode servir de exemplo para conversas importantes sobre Lei e Evangelho daqui para frente. Fique registrado. E isso que eu nem me atentei para as palavras do outro pastor envolvido, que chamou o ancião de fariseu, sendo ele mesmo um perfume de lavanda, ao que parece (ou não).
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ABORTO É QUESTÃO DE SAÚDE PÚBLICA? SIM. PONTO FINAL?

5/15/2022

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     “Aborto é uma questão de saúde pública?”
     É. É, sim. O próprio aborto pode ser causado por um problema de saúde. Além disso, o aborto, espontâneo ou causado, não é algo sempre simples e livre de repercussões. Atendimento hospitalar pode ser necessário em ambos os casos. E esse atendimento posterior não é livre de dor e sofrimento.

O ABORTO DEVE SER TRATADO COMO QUESTÃO DE SAÚDE

     Em alguns discursos, os números aparecem misturados: “foram xxx mil atendimentos hospitalares decorrentes de abortos, espontâneos e causados...”. Às vezes, o objetivo é focar somente nos causados. O número dos demais vem no pacote, sem distinção, sem atenção. Uma pena, pois um grande problema de saúde pública está ali também. O atendimento às mães que perderam seus filhos e filhas em gestação nem sempre é humano como deveria, nem sempre é acompanhado de sensibilidade e cuidado integral. Falo de casos de aborto espontâneo por conhecer alguns de perto. Certamente, não é muito diferente, e talvez seja pior nos outros casos.
     Por tudo isso, aborto é mesmo questão de saúde pública, e precisa ser discutido por essa perspectiva. Agora, convém questionar: O fato de ser questão de saúde pública torna o aborto uma questão exclusivamente de saúde pública? O fato de ser questão de saúde pública implica em que não há sentido ou necessidade de se falar do assunto a partir de outra perspectiva?


ABORTO E SAÚDE PÚBLICA, DESMATAMENTO E ECONOMIA

     Imaginemos que, numa discussão recém iniciada sobre desmatamento na Amazônia, alguém erga a voz e diga: “Desmatamento é uma questão de economia regional.” Seria um mentiroso a dizê-lo? Não! Desmatamento é uma questão econômica. Diz respeito a renda, lucro, trabalho, necessidades materiais de uma porção de pessoas de carne e osso, para as quais desmatamento é imediatamente uma questão econômica. O ponto é: O fato de ser uma questão de economia regional encerra toda discussão sobre desmatamento enquanto questão ambiental? Faria sentido isso? Não. Claro que não. No fim das contas, uma discussão sobre desmatamento que se propõe efetiva e útil além da salinha de discussão e das vaidades dos divergentes deveria considerar a questão como ambiental e econômica.
     De forma semelhante, o fato de ser questão de saúde pública não isenta o tema do aborto de ser uma questão ética ou, especificamente, bioética. E, também de forma semelhante, uma discussão sobre aborto que queira ser humana e responsável deveria abranger bioética e saúde pública.

POR QUE NÃO SERMOS PRAGMÁTICOS QUANTO AO ABORTO?

    Alguém poderá dizer: Mas por que insistir em tornar complexo algo que pode ser resolvido com um procedimento médico sem muita reflexão? Aqui está um ponto incômodo aos extremos: Por que, em geral, as pessoas não entendem o assunto como complexo em si? Por que se negam a considerar a profundidade da questão e necessidade de discussão a partir da seriedade do que está em questão? Por que parece acertado ser pragmático em uma questão que envolve vida humana?
    Não é estranho que, em um tempo de valorização da defesa de minorias, dos sem voz, aqueles seres humanos completamente desprovidos de voz sejam desconsiderados como necessitados de proteção? Aqueles sem fala, que não podem exigir que se respeite seu lugar de fala, ficam à mercê da decisão alheia, e sem que se possa por eles falar com direito. Por quê? Porque, como bebês de 1 mês de idade, não conseguem sustentar a si mesmos. Como bebês de 1 mês de idade, não falam. Como bebês de 1 mês de idade, dependem inteiramente de outro ser humano, que pode não o querer.
     E, de fato, querer um bebê não é obrigação. Há, contudo, uma responsabilidade, que vai além do desejo. No caso dos bebês, existe, por exemplo, a “entrega legal” como opção. Ninguém poderá julgar mãe e pai sem condições (de qualquer tipo), que decidam entregar filho ou filha para adoção.  Há no gesto um cuidado, uma responsabilidade com a vida, ainda que não haja uma vivência da maternidade ou paternidade conforme o mais usualmente esperado.

POR QUE ESPECIALMENTE PESSOAS CRISTÃS SE OCUPAM COM ISSO?

     Pois bem, para concluir, observo que me perturba ver, atualmente, quase a totalidade dos que se detém na reflexão sobre o aborto enquanto problema bioético seja de religiosos! Infelizmente, parece que Nietzsche estava certo n’O Anticristo: Foram os cristãos que semearam a ideia (para ele criticável) de defesa dos mais fracos! “O veneno da doutrina ‘direitos iguais para todos’ – o cristianismo semeou-o por princípio” – diz. Uma parte do princípio cristão conseguiu imiscuir-se no pensamento secular de nosso tempo, ainda que com alguma adaptação. O próprio Nietzsche o nota:

“Conceder a «imortalidade» a cada Pedro e Paulo foi até agora o maior e o mais pérfido ataque à humanidade nobre. E não subestimemos a fatalidade que do Cristianismo deslizou para a política! Hoje, ninguém mais tem a coragem dos privilégios, dos direitos de dominação, do sentimento de reverência por si e pelos seus pares – de um pathos da distância... A nossa política enferma desta falta de coragem!”
 
     Sim, a fé cristã é subversiva na apresentação dessa igualdade incômoda! Iguais são negros, índios, caucasianos e latinos, pobres, ricos, miseráveis e abastados! E não paramos aqui. Iguais em valor, cada Pedro, Paulo, bebê de 1 mês ou de meses antes do nascimento. Que escândalo para a aristocracia dos dotados de voz!
     Mas o ethos cristão não pode existir sem tensões num mundo hedonista e egoísta em sua integridade. Permanece escandaloso, incômodo e desagradável, quase intragável, quando não coincide com uma ou outra agenda pragmatista.
     O aborto é uma questão de saúde pública. O aborto é uma questão bioética. E, infelizmente, o aborto só será uma questão tratada com a seriedade que requer exclusivamente por religiosos, muito em breve. Para os muitos, permanecerá como coisa sem sentido defender esse amontoado de células que mal pode se mover, mal pode rastejar. Nós continuaremos nossa conversa com pequena voz, por mais um tempo. Por mais um tempo, pessoas sublimes, donas da decisão e do curso do mundo, bradam suas palavras de ordem, sem perceberem que se alinham com interesses dos poderosos. E Nietzsche venceu em suas consciências:

“O Cristianismo é uma insurreição de tudo o que rasteja pelo chão contra o que tem sublimidade: o Evangelho dos «pequenos» empequenece...”

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RECOMEÇO - NARRATIVA PARA ABERTURA DO 47º CONGRESSO NACIONAL DA JUVENTUDE EVANGÉLICA LUTERANA DO BRASIL

1/8/2022

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RECOMEÇO (NARRATIVA PARA 47º CONGRESSO NACIONAL DA JELB)
Cesar Motta Rios
 
PRÓLOGO
Desde os tempos antigos, muito antigos e já quase esquecidos, uma escuridão cobriu a humanidade. Até aquele trágico dia, podia-se dizer que tudo era bom. De repente, ouvia-se falar de morte, guerra, dor... O mal, o perverso. Ele permeava nossas vidas, nos surpreendia pelos caminhos.
Havia esperança? Sim, uma esperança pouco entendida, por uma mensagem que se ouviu também desde aqueles outros tempos. Havia luz? Um feixe de luz. Mas as trevas nos cegavam de tal forma, que a esperança e a luz eram já insuficientes para todo mundo ver.
O bom parecia tão distante, tão escasso! E nós vagávamos como peregrinos sem destino e sem rumo. Parecia um pesadelo, do qual precisávamos acordar. Era disso que precisávamos! Vivíamos num império de ilusões, e, na ilusão da sucessão de impérios, cada geração pensando por um tempo que seria para sempre, que fazia mais sentido que as outras todas. Mas o tempo se esvaía, e a desilusão sempre de novo reinava.
Mas aí que começa nossa história. Como devem perceber, de fato, não nego: sou mais um nesse aparente sem fim de sucessões infrutuosas de gente correndo atrás do vento, gente cheia de aflição de espírito. Mais um no meio da minha geração, mais uma geração entre tantas outras gerações. E é claro que isso não basta. Não basta uma “geração”. Importa a regeneração. É a única saída. Por isso, estamos de pé. Por isso, continuamos.
Eu estive em silêncio – você sabe. Agora, é hora de recomeçar. E eu tenho uma história pra contar.
 
CAPÍTULO 1
No meio da guerra, escuridão total. Ninguém enxergava nada. Mas a batalha continuava. Feridos ainda gritavam. Cheiro de sangue e pólvora. Gemidos. Alguns se calavam, e sabíamos que já não estavam de pé. Uns e outros atiravam em direção ao nada, na esperança de atingir o oponente. “Atirar no quê?” – Perguntava sem ver sentido. “No outro lado. Escolhe uma direção e atira, soldado! É guerra!” Continuava não fazendo sentido. Se eu tivesse uma lanterna... Se tivesse uma instrução sensata... Balas continuavam cruzando perto. Um zumbido assustador. Vinham do adversário, que, parece, se deslocava no breu. Não dava mais nem para atirar “no outro lado”. Não se sabia mais de dois lados. A verdade é que qualquer tiro seria um risco para o próprio batalhão, se não se perdesse, o mais provável, num sem alvo da escuridão. “Atira! Atira!” Ainda gritavam.
Queria não estar ali. Queria, simplesmente, não estar nessa guerra. Mas não havia porta para sair. Não havia estrada ou direção. Tudo o que havia era guerra. Dei três passos e tropecei em alguém no chão. Cheguei perto. Devia ser cadáver. Não era. Ainda não. Cantarolava música festiva. Eu quis entender:
- Você está bem?
- Sim, está tudo bem! Muito feliz!
- Mas e a guerra?
- Que guerra? É um dia maravilhoso hoje! Não me venha com esses assuntos!
Toquei o chão para me levantar. Havia sangue, muito sangue. Sangue quente. Tateei e notei a calça ensopada e pegajosa. Assustado, me levantei. Uma artéria lacerada, talvez. Não tinha jeito. Era questão de tempo. E a pessoa que sangrava continuava na sua melodia de dia feliz.
Eu só queria gritar, gritar alto. Mas não parecia bom negócio chamar a atenção. Poderia sentar-me e cantar também? Fingir que não era assim? Só esperar o fim? Não organizava bem meus pensamentos. No desespero, tudo o que eu queria era que houvesse luz, uma vela, uma lanterna, um sinal sutil que fosse indicando os inimigos.
Ser humano, solto na escuridão, vive preso à própria ignorância; não via nada.
 
CAPÍTULO 2
E houve luz. Já havia, na verdade, mas, agora, a luz estava no mundo. Quero dizer, naquele nosso mundo escuro. Era possível identificar um pouco melhor, pelo menos, de onde vinham os tiros. Havia mesmo inimigos por toda parte. Havia mesmo muito mais gente do que eu pensava. E, com tanta gente, muito mais dor, e muitas cantigas fora de lugar, para dançar ou para ninar.
O risco era constante. Agora, eu o via muito mais próximo, muitíssimo mais ameaçador e variado. Não era um só o inimigo, como parecia na escuridão. Eram três. E agiam estranhamente separados, mas estranhamente em colaboração. Um era discreto, tão discreto, que quase se poderia dizer não existir. Mas era potente e astuto. Acho que igual não há na terra. Outro estava por todos os lados, escorrendo líquido por todos os cantos e todas as esquinas da vida. E havia ainda um muito mais perto, arraigado. Se eu fugisse, se eu corresse, se eu dançasse e sacudisse, ele continuava perto, bem junto. Coisa de filme, alienígena, ficção. Mas o sangue não era de simulação, nem os gritos, nem a dor. Vendo, percebi que era tudo tão pior, que quase desejei de novo todo aquele breu. Na ignorância que me oprimia, não sabia que só saber também não resolveria.
Não tinha forças contra os adversários. Não tinha como traçar uma estratégia que desse conta. Via-os fortes e ousados. Via-me perplexo e incapaz. “Vou me render!” Acho que pensei em voz alta essas palavras. Mas é fato: ia mesmo desistir.
Passa alguém correndo e me deixa uma mensagem, num pequeno papel sujo de sangue, um telegrama. Quem manda telegrama hoje em dia? Incomodamente desatualizado... Mas – que importa? - eu li: “Mantenha a posição. Não vacile. Aguente. A guerra já está resolvida. A vitória é nossa.”
Eram só palavras. Era coisa fora do tempo. Era um tanto difícil de entender, considerando o cenário. Não sei explicar. Só sei que eu confiei.
 
CAPÍTULO 3
O telegrama foi só o começo. Vieram mais. Telegramas, cartas, tratados... O medo ainda permanecia, mas eu já não estava tão desorientado. Também não estava tão sozinho. “A vitória é nossa” – dizia aquele primeiro telegrama. Foi aí que vim a saber quem éramos “nós”.
Deram-me uma noção bem mais clara sobre que guerra era aquela em que eu estava colocado desde o princípio. Também me deram armas muito mais adequadas para a situação. Não, eu não precisava atirar para todo lado. Não precisava voltar para aquela loucura que tinha vivido na escuridão, com alguém dizendo “atira!” a todo tempo, sem mais qualquer orientação. Aquilo era devaneio inútil.
Fui feito parte de um batalhão, uma tropa, pelotão... Não sei bem como expressar. O fato é que, agora, estávamos reunidos, nos protegíamos e nos alertávamos quando um ataque era iminente. E sempre era. Mesmo assim, tínhamos disposição e coragem. Em certas incursões, nos separávamos. Em nossas andanças, sempre cuidadosas, não era raro encontrar gente sem noção alguma da guerra, mas com ferida de morte, com sangue escorrendo. Tentávamos ajudar, estancar o sangue, e levar para o nosso lugar. Nem sempre acontecia de a pessoa concordar. Era de chorar essa cena. Como é que não percebiam?! Como é que não enxergavam ainda...?
Nós percebíamos os riscos, e sempre nos reagrupávamos. Reunidos, partilhávamos nossa refeição, nosso sustento; éramos fortalecidos e nos consolávamos, chorávamos e cantávamos, não uma canção de ilusão, uma outra, uma nova, que falava de uma esperança segura, garantida. Nesse ajuntamento, parecia que árvores verdes vicejavam em meio a tanta aridez, luz prevalecia contra sombras ameaçadoras, e a paz era mais forte e real do que os ruídos, gritos ameaçadores, rugidos e tiros. Um batalhão, uma tropa, pelotão... Um organismo, um corpo. Era isso!
Assim, eu sabia que poderia prosseguir. Eu tinha uma meta. Tinha companhia, orientação, amizade, vida e sentido. Nem pensava mais em desistir. Cansava? Sim. E muito! Mas sabia onde descansar. E descansava!
 
CAPÍTULO 4
Guerra é guerra. Não é por estar vencida que deixa de ser guerra. É batalha todo dia. E é violenta. Foi um baque quando soube que um de nosso grupo não havia voltado após dias. Escutei palavras de apreensão. Vi olhares preocupados. Ainda sem entender, perguntei: “Acontece isso?” Acontecia, sim. E era sempre muito traumático.
Então, me contaram que havia algo mais preocupante. Havia um caso recente de outro pelotão, bem parecido com o nosso, que havia abandonado o posto. Parece que o inimigo tinha feito um estrago irreparável. Em vez de se apoiarem e caminharem juntos, eles se desentenderam e se dispersaram. Trocaram o amor e aquela boa cumplicidade, por disputas sem fim, vaidades e interesses próprios.
Sabendo disso, eu me entristeci; Profundamente. Mas não deu tempo de me afundar nesse sentimento. Veio uma palavra de comando. Duas palavras, na verdade. Primeiro, um alerta “Quem pensa estar de pé fique esperto para não cair!” Saber que soldados podiam se perder era motivo de atenção redobrada. A segunda palavra exigia ação: “Leave no man behind!” Meu inglês não é lá essas coisas. Mas me contaram a história de um tal soldado Ryan. Resgataram o rapaz. Eu não tinha assistido isso. Não é do meu tempo, eu acho. Mas fez sentido: Não abandonamos ninguém pelo caminho! Se preciso carregamos os feridos, acompanhamos os vagarosos, apoiamos os que andam mancando. Se estão longe, viajamos. Se estão perdidos, procuramos. Se estão confusos, tentamos orientá-los. Nem sempre voltamos dessas missões cheios de alegria. Gostaria de dizer o contrário, mas a verdade é que podemos ficar longe do êxito, tem vez. Mas não perdemos a esperança, não vacilamos... Temos muito trabalho. Guerra é guerra. É batalha todo dia.
 
EPÍLOGO
Então, essa é minha história. E é a sua também. Estamos todos na mesma narrativa. Mas não estamos sozinhos. E não vamos vacilar, porque é batalha todo dia. Não temos medo. Temos recomeço.
 
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No vídeo abaixo, que é da abertura do Congresso, a narrativa aparece intercalada com uma apresentação musical. A edição e a interpretação me impressionaram muito positivamente!
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PONTE ENGENHEIRO PAULO DE FRONTIN, EM MIGUEL PEREIRA (DIA DE FOLGA)

1/3/2022

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A Ponte Paulo de Frontin vista de baixo.
NOSSA IDA

A ponte Engenheiro Paulo de Frontin é, segundo dizem, coisa rara. Seria o único (ou quase isso) viaduto férreo em curva do mundo. Datando de fins do século XIX, hoje é um ponto turístico de Miguel Pereira, mas por ali não passa mais trem algum. Uma pena.

No meio de uma manhã de folga, decidimos conferir de perto. Fomos com nossas crianças (4 e 8 anos). O caminho não é muito fácil. Embora seja bem perto do centro de Miguel Pereira, a estrada está em condições deploráveis. Algumas partes asfaltadas exigem um tráfego com velocidade de estacionamento cheio. São buracos bem profundos e amplos em alguns trechos.

Chegamos à ponte e cometemos um erro. Aviso para que você não o repita. Subimos a ladeira em curva ao lado da ponte de carro, para estacionarmos lá em cima. Foram dois problemas. Nosso carro não se saiu tão bem na subida de terra seca e solta. Conseguimos, de qualquer forma. Mas não é bom de estacionar por ali. Compensa muito mais estacionar junto à base da ponte e subir a pé.

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A Ponte Paulo de Frontin vista de cima.
A PONTE

Lá em cima, temos o acesso à ponte. Impossível soltar as mãos das crianças. É realmente possível uma queda fatal (ou quase fatal). A vista é interessante. Mas não há muito além disso. Há quem goste de caminhar pela ponte. É possível fazer isso com relativa segurança por um dos lados. Mas, com crianças, eu não recomendaria.
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Pequenina trilha que dá acesso ao Rio Santana sob a ponte Paulo de Frontin.
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A Ponte Paulo de Frontin no acesso ao Rio Santana.
O RIO

Lá de cima, se percebe um rio que passa por baixo da ponte, ao lado da estrada. Resolvemos ver de perto. Descemos a pé pela rampa lateral. Encontramos uma passagem quase debaixo da ponte. Um caminho simpático por um pequeno bosque conduz à margem do rio, que vim a saber ser o Rio Santana. Por ali, muitas oferendas de alguma religião que não consigo discernir. Isso trazia moscas, porque havia frutas e outros alimentos. Fora isso, o lugar é sombreado e bonito. Não há acesso ao rio tão fácil de achar. Mas há. Basta procurar. A água parece limpa e é bem gelada. Foi dessa parte do passeio que as meninas gostaram. Não nos aventuramos muito, mas molhar os pés já é alguma coisa. Outras pessoas chegaram e foram literalmente nadar no rio.
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Rio Santana sob a Ponte Paulo de Frontin.
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Águas aparentemente limpas do Rio Santana, bem debaixo da Ponte Eng. Paulo de Frontin.
CONSIDERAÇÕES E DICAS

Vale a pena? Olha, se é para ir até lá sem ter nenhum interesse em ferrovias antigas, acho que não. Se o caminho estiver mais cuidado no futuro, talvez valha a pena sim, porque não é longe. A quem for, sugiro repelente e cuidado na estrada. Cuidado também para atravessar a estrada, já que há uma curva bem perto da travessia, o que tira a visibilidade do condutor.

Eu soube posteriormente que há um balneário chamado Cachoeira do Poção um pouco adiante, pelo mesmo caminho. Talvez seja bom combinar uma visita aos dois lugares, para valer mais a pena o esforço.

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PARQUE ESTADUAL DA SERRA DA CONCÓRDIA COM CRIANÇAS (DIA DE FOLGA #1)

1/1/2022

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LOCALIZAÇÃO

O Parque Estadual da Serra da Concórdia tem sua sede no distrito de Barão de Juparanã, município de Valença – RJ. Está bem perto de Vassouras, cidade com boa estrutura turística e atrativos também muito interessantes. Há dois pequenos trechos da estrada que requerem especial atenção, pois só passa um veículo por vez. Um deles, sob uma ponte férrea, é curtíssimo. O outro, uma ponte rodoviária e férrea ao mesmo tempo (haverá nome para isso!), é mais longo e em curva. Mas há visibilidade suficiente para se saber, antes de entrar, se outro veículo já vem pelo sentido oposto.

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ACESSO POR ASFALTO ATÉ A ENTRADA DO PARQUE, VINDO DE VASSOURAS - RJ.
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O EMBLEMA DO PARQUE ESTADUAL DA SERRA DA CONCÓRDIA EM UMA DAS PLACAS INDICATIVAS.
O PLANO

Encontrei informações suficientes para me deixarem interessado e, como minha esposa tinha uns dias de férias, pudemos ir juntos no dia da minha folga, que é usualmente às segundas. De onde estamos, Miguel Pereira, levamos pouco menos de uma hora de carro. Gastamos mais tempo preparando as mochilas que indo propriamente. Temos duas crianças, 4 e 8 anos. Isso deixa a arrumação mais lenta.

A ideia era ir cedo, chegando perto do horário de abertura (9h), fazer uma trilha, e voltar por volta do início da tarde. Para a alimentação, preparamos um piquenique.

A CHEGADA


Atenção à linha do trem. O pare-olhe-escute deve ser respeitado, pois a linha está em uso. Como, de fato, vinha trem, tivemos que esperar seus incontáveis vagões passarem. Feito isso, seguimos pela pequena estradinha de terra que dá acesso à sede do parque. Essa estrada parece vir se desgastando pelas beiradas por erosão. Já não passa mais que um carro, e é preciso atenção. Mas é curta!

Na sede, um funcionário (guarda-parque) que estava trabalhando na manutenção veio ao nosso encontro. Colocou sua máscara, inclusive. Orientou onde poderíamos estacionar. Comentou que o parque é mais adequado para visitação nos finais de semana e feriados, porque há manutenção nos outros dias. Mas deixou claro que estava aberto, que não seria problema. Que bom, porque não tenho folga nos finais de semana!

Esse mesmo rapaz nos mostrou uma sala de exposição com informações sobre flora e fauna locais, assim como o trabalho de preservação desenvolvido. Há itens interessantes, como armadilhas de caçadores apreendidas. O Parque é muitíssimo importante. Não há dúvidas disso.
Ele nos orientou sobre as trilhas, que eu já havia consultado pelo site, é claro. Mochila nas costas, seguimos rumo. Optamos pela Trilha do Gavião, por ser breve. Havia outra menor, a do mirante, que sai de frente da sede. Mas essa é pequena por demais. Não teria emoção. Ah, sim, um de nossos objetivos era treinas as meninas e ver como reagiriam, porque pretendemos visitar outros parques maiores. O do Ibitipoca é nossa meta.
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TRILHA DO GAVIÃO NO PARQUE ESTADUAL DA SERRA DA CONCÓRDIA. UM TRECHO DE SOMBRA NESSA TRILHA QUE TEM A MAIOR PARTE AO SOL. UM ALENTO! QUE O REFLORESTAMENTO AVANCE!
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INDICAÇÃO DAS TRILHAS COM DISTÂNCIAS, APÓS UMA CAMINHADA EM COMUM PARA TODAS. LEMBRANDO QUE HÁ OUTRAS TRILHAS NO OUTRO LADO DO PARQUE.
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A TRILHA

A Trilha do Gavião é fácil. Nossa filha de quatro anos a percorreu andando o tempo todo. Fica estreita em alguns momentos, e é preciso segurar a mão da criança quase sempre. Fora isso, há aclive e declive, mas nada muito acentuado. Claro, pode-se escorregar pela terra solta, pedras... Mas nada que atenção redobrada não resolva. Pelo caminho, há trechos de sombra, por causa da mata. Mas há mais trechos com sol. É bom pensar em chapéus. Repelente nem se fala!

A trilha tem boas indicações. A distância está indicada a cada 100 metros. Há uma ou outra bifurcação que poderia ter uma sinalização para os mais desastrados. No nosso caso, não houve problemas. Graças a Deus!

Quando chegamos à base de cima da tirolesa do parque, temos uma vista encantadora. Avista-se o destino: Uma área com parquinho infantil, ducha, e estrutura para churrasco e camping.
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VISTA DESDE A PARTE ALTA DA TRILHA DO GAVIÃO. PARQUE ESTADUAL DA SERRA DA CONCÓRDIA.
O PARQUINHO

Basta uma descida cuidadosa por uma estradinha para chegarmos até ali. As crianças correram e brincaram felizes. Há também um pequeno açude, que apenas compõe o cenário, ao que parece. Não sei se tem outra finalidade, mas é possível que sim.
O sol é forte. Há sombra na área de churrasqueira. Mas só a utilizamos por estar completamente vazio o parque. Nesse tempo todo, só vimos um pequeno grupo de quatro jovens andando por ali.
Fizemos nosso piquenique sob a sombra da estrutura de chegada da tirolesa, um benefício de estarmos a sós no parque, claro.
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PARQUINHO E ÁREA PARA CHURRASCO. PARQUE ESTADUAL DA SERRA DA CONCÓRDIA.
A CAMINHADA DE VOLTA

Quando nos aprontamos para o retorno, outro funcionário veio conversar. Fez questão de mostrar, com certo orgulho, a estrutura para camping, que é realmente muito boa. Pergunto o custo para os viajantes. É de graça! Achei ótimo. Há, inclusive, um lugar bem bacana para fogueira, com toda a segurança, afinal, o objetivo do parque é a preservação ambiental.
Voltamos pela estrada de baixo, andando. Seria possível eu ir sozinho e buscar a família de carro. Mas, lembrando, estamos fazendo um teste para o Ibitipoca. Nessa parte, o teste mostrou sua utilidade. As crianças se cansaram bastante. O sol estava forte. Houve alguma reclamação. Incentivamos que bebessem mais água. Com incentivo e bom humor, chegamos. As aventureiras ficaram frescas de repente. Não queriam mais saber de andar. (Observação: O Ibitipoca deve ficar para depois. Pensávamos em fevereiro, pois temos férias por ali. Mas, agora, com a experiência, parece melhor que fique para quando essas perninhas estejam mais fortes.)
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A ESTRADINHA DE VOLTA. NÓS, ENSOLARADOS, ESBAFORIDOS, MAS SORRIDENTES.
A PARTIDA

Na sede, ainda um terceiro funcionário trocou palavras conosco. Destaco enfaticamente: os três funcionários com que conversamos foram muito solícitos e educados. Notável!
Todos no carro, partimos de volta. A pequena logo pegou no sono. Quem viaja com criança sabe como isso facilita as coisas.

COMENTÁRIO FINAL SOBRE O PARQUE

É um Parque grande, muito útil, e adequado para crianças. Pretendemos voltar para outras trilhas no futuro. No mesmo trecho do parque em que estávamos, há uma trilha maior (Trilha da Capivara) que leva às margens do Rio Paraíba do Sul. Do outro lado da estrada que dá acesso à sede, o parque continua e é muito maior. Ali, há trilhas que levam a cachoeiras.

Não vimos muito da fauna local. Alguns poucos pássaros e insetos somente. Um grupo de borboletas amarelas e brancas fez uma revoada pela estradinha na volta. Acho que foi o mais emocionante para as crianças.

Para elas, foi também divertido o primeiro contato com essa plantinha que fecha ao ser tocada. Para nós, adultos, foi uma boa lembrança da infância. Valeu muito a pena.
Reforço que o parque é gratuito. Nosso custo foi basicamente o combustível. Apenas faço algumas sugestões:

- Não se esqueça do repelente!
- Protetor solar pode ser útil!
- Chapéu e roupas confortáveis.
- Leve o que for comer! E leve água!
- Vá em sintonia com o propósito do parque. Preservação é a palavra.
- Pelo caminho, desperte o espírito aventureiro nas crianças! Elas acham o máximo a sensação de serem exploradoras.
- Curta cada detalhe.
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CHEGANDO DE VOLTA À SEDE DO PARQUE ESTADUAL DA SERRA DA CONCÓRDIA.
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A plantinha que se fecha ao ser tocada. MIMOSA PUDICA, conhecida como DORMIDEIRA. No Parque Estadual da Serra da Concórdia.
NOSSA ORAÇÃO

Agradecemos a Deus pela beleza da criação, pelas pessoas que exercem honestamente suas vocações benéficas para a preservação dessa beleza, e pela oportunidade de caminharmos, sentirmos o vento, o sol, a vida em meio à natureza. Cansados, mas renovados e com história para contar, voltamos para casa pedindo por mais dias assim.

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IMPOSSÍVEL INTERPRETAR AS ESCRITURAS (COM RIGOR) SEM AS LÍNGUAS BÍBLICAS

12/13/2021

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     É tão óbvio que acessar os textos bíblicos em sua língua original é fundamental para uma interpretação mais segura! Mas o óbvio costuma ser esquecido. Por isso, voltamos a ele.
É ruim que se esqueça de algo tão notório. Mas trágico mesmo é quando, além de não acessar o texto na língua original, a pessoa trabalha com uma tradução com a certeza de ter absoluta precisão em sua leitura.
     Trago dois exemplos tensos, mas completamente reais.
    O primeiro, vem de alguém ligado à Igreja Católica Apostólica Romana. Querendo defender o dogma da virgindade perpétua de Maria, isto é, a afirmação de que, após o nascimento de Jesus, Maria não teve uma vida matrimonial convencional com José, a pessoa cita Isaías assim:
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“A Santa Mãe de Deus, sempre Virgem. Este é o sinal profetizado pelo profeta Isaías: ‘A Virgem dará a luz UM filho que será chamado Emanuel (Deus conosco).” (Isaías 7,14)”

     O destaque do UM em caixa alta é dessa pessoa, e sugere que ela menciona o versículo com o propósito de mostrar que, segundo a profecia, Maria teria 1 só filho.
     Qual o problema disso? Qualquer bom leitor de português sabe que “um” (e “uma”) pode ser tanto um numeral (1) quanto um artigo indefinido. Como saber de que se trata nessa frase de Isaías? Bom, o melhor mesmo é olhar o texto em hebraico. Sem muito esforço, até um iniciante poderá dizer: “Não há numeral ali. O texto em português está usando um artigo indefinido.” Um estudante um pouco mais sabido ou disposto a mostrar saber completaria: “Não há artigo indefinido em hebraico. A ausência do artigo definido já pode indicar a indefinição. Então, como não há artigo definido, é natural que, na tradução, apareça um indefinido”. Se não sabe hebraico, nada de hebraico, o que a pessoa poderia fazer? Bom, nesse caso, poderia olhar uma tradução em inglês, por exemplo, já que, nesse idioma, embora haja artigo indefinido, “a”, ele não se confunde com o número “one”. Mas esse movimento só pode acontecer se a pessoa tiver o bom senso de suspeitar do óbvio: Tradução é tradução! Posso me destrambelhar nas conclusões confiando nela como se fosse o texto original.
     Detalhe até aqui: Não estou discutindo a doutrina em questão. O ponto é o argumento inábil. Quer ver isso do outro lado. Vamos a uma clássica no meio evangélico. Perdi as contas de quantas vezes, quando o assunto eram as parêneses de Paulo sobre vivência familiar, ouvi gente explicar o texto a partir da seguinte afirmação: “Submissão é estar sob (a mesma) missão (do marido)”. Há variações, é claro. Mas a base é uma só.
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Exemplo em um jornal de grande circulação.
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Exemplo de um blog aleatório.
     Percebe como uma suposta etimologia do termo em português é apresentada como forma de iluminar o sentido do texto? Qual o problema? Os problemas, na verdade, são dois basicamente: 1) O termo submissão é um termo em português. Será mesmo que uma observação etimológica dele ajudará a compreender um texto escrito em grego? A resposta seria “sim”, somente se, em grego, o termo usado partilhasse de uma formação semelhante. Não. Não é o caso. 2) A etimologia de “submissão” apresentada não corresponde à realidade linguística. É uma invenção popular.
     Nesse caso, então, o malabarismo é equivocado por supor que se pode analisar detalhes de uma tradução para acessar o “verdadeiro sentido” de um texto escrito em outro idioma. E é equivocado por nem acessar a própria tradução com rigor. (E veja bem: Nesses casos, não é culpa do tradutor. A tradução está boa. Mesmo assim, é o que tem que ser: uma tradução.)
     Mas não é elitismo isso de exigir uma abordagem dos textos em grego, hebraico e aramaico? Tão pouca gente tem acesso aos textos nesses idiomas! Sim, eu sei. Não estou dizendo que ninguém deva ler as escrituras nas traduções. Traduções são uma bênção de Deus para a Igreja nos mais variados lugares. O ponto é o que se faz com as traduções. Que sejam lidas para a edificação diariamente é algo excelente. Mas não sejam utilizadas para criar explicações intrincadas sobre os textos ou para desenvolver ou sustentar doutrinas. Não. Isso é muito inadequado.
     A Reforma enfatizou com todas as forças a necessidade do estudo das Escrituras em suas línguas originais. Os reformadores se dedicaram arduamente a esse acesso às fontes, e incentivaram que outros o fizessem. Lutero, que queria boas escolas para toda a gente, não queria só o alemão sendo dominado pela geração de estudantes que se formava naquele tempo:

“Por isso é algo bem diferente o caso de um simples pregador da fé e de um intérprete da Escritura ou, como diz S. Paulo, de um profeta. Um simples pregador dispõe (é verdade), com base em traduções, de suficientes enunciados e textos claros para entender e ensinar a Cristo, viver uma vida piedosa e pregar a outros. No entanto, para interpretar a Escritura e tratá-la autonomamente e para combater aqueles que citam a Escritura erroneamente [...] sem línguas isso não é possível.” (Obras Selecionadas, v. 5, p. 314)
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QUANDO O DEUS DA VIDA E DA COMUNHÃO TOCA A SUA CRIAÇÃO (Mensagem a partir de Marcos 7.31-37)

9/5/2021

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15º Domingo após Pentecostes – 2021
Missão Luterana em Miguel Pereira, RJ
 
QUANDO O DEUS DA VIDA E DA COMUNHÃO TOCA A SUA CRIAÇÃO
Marcos 7.31-37
Cesar Motta Rios
 
Você já se imaginou surdo? Não ouvir nada do mundo ao redor, barulhos e vozes. Mais que isso: Você já se imaginou ser surdo e não conseguir falar direito, de modo inteligível? Como você se expressaria? Como as pessoas te veriam? Antes que você se lembre de língua de sinais, de legenda com descrição de áudio nos filmes e séries, em leis que facilitam o acesso ao mercado de trabalho etc., eu especifico: Imagine que você é cego e praticamente mudo no século I d.C..

E eu preciso contar que quem não escutava e falava não recebia educação. Na verdade, não era assim só no século I d.C.. Demoraria muito até que essa situação mudasse. Só no século XVI d.C., surge a iniciativa de alfabetizar surdos. Isso acontece primeiro na Espanha, por obra de um monge beneditino chamado Pedro Ponce de León, que educa um filho de nobres. Demoraria muito ainda até que escolas para pessoas com necessidades especiais surgissem na Europa.

Então, você não ouviria, não conseguiria se comunicar com fala, não teria uma língua de sinais para que te entendessem, não poderia ler e escrever. Como você saberia das coisas? A visão ajuda a saber um pouco. Mas tem muita limitação. Se olho para o jardim, sei pelos olhos que está ventando. Isso sei. Mas como vou saber o que uma pessoa específica acha desse vento? Se ele estiver com feição de insatisfação, posso pensar que não gosta do vento. Mas e se for por outro motivo? Como vou saber? E, por outro lado, como a pessoa se expressaria? Fatalmente, não faria isso minimamente bem. Não é à toa que o mesmo termo usado em grego antigo (ἐνεός) para “mudo” é usado também para “estúpido”, “desmiolado”; tal era o “apreço” das pessoas nessa condição entre os antigos.

Percebe que não é só o não ouvir e o não falar? É estar à parte do mundo das pessoas “normais”. É estar desconectado. É tentar entender tudo somente pelo que vê. Mas muita coisa não se entende somente assim. É pensar e pensar, estar preso em seus pensamentos sem a possibilidade de se expressar, de fazer entendida sua perspectiva, sua visão sobre cada assunto, sobre nada. É ser visto como um caso perdido, um ser sem grande valor.

É uma pessoa assim que levam a Jesus. Ele não resolve tudo na frente da multidão. O homem em questão não seria objeto de um espetáculo. Jesus o retira dali. Então, por sua palavra, faz que esteja são. O homem, agora, ouve e pode falar direito.

Jesus diz que as pessoas que presenciaram o ocorrido não deveriam espalhar por aí a notícia. Mas elas fazem isso. E é compreensível. O acontecimento é marcante demais para passar sem ser contado por todos os lados: “Ele já fez tudo muito bem! Até os surdos faz ouvir e os sem fala faz falar!”

Essa é a presença daquele por meio de quem tudo que foi feito se fez. Daquele que estava no princípio, quando, sobre a criação, nós escutamos: “E viu Deus que era bom!” E era mesmo. O que perturbou a criação e sua qualidade de boa foi o pecado. Por isso, há sofrimento, pesar, dificuldades sem fim. Mas Jesus diante do homem sofrido pode fazer conforme foi feito no princípio. E o ser humano ouve e fala, como Adão e Eva antes dele.

Assim, Jesus devolve a criação à sua condição devida. Faz isso na vida de um, anunciando que o fará na vida de todos para todo sempre. Aquele que estava na primeira criação, vem para instaurar a Nova Criação, em que não haverá mais limitações como surdez, cegueira, pressão alta, diabetes o que quer que seja! Ele vem e faz tudo novo.

Mas há mais do que saúde em jogo aqui. O sujeito que não ouve e não fala, naquele tempo, como já bem imaginamos, está isolado, não tem essa comunhão tão simples e fundamental que nós temos ao podermos falar e ouvir, expressar pensamentos e ter informações sobre o que vem acontecendo e o que outros estão pensando. Não. Ele é um ser enclausurado. Então, a presença de Jesus não só o coloca são, mas o coloca em comunhão. Vínculos, agora, podem ser tecidos, e já começam na própria proclamação do ocorrido. O homem que aparece mudo. Agora, pode expressar o que viveu, o que sabe, o que experimentou. Ele pode falar e ser ouvido. Pode ouvir e entender. Ele é mais um vivo para a comunhão.

Deus gosta de sua criação. Deus gosta de comunhão. Ele quer reconciliar as pessoas com ele mesmo. E quer reconciliar nossos laços. “Para que sejam um” – diz Jesus. Você pode pensar: “Mas quem sou eu para ele querer isso para mim? Eu não sou nada.” Então, nós nos lembramos: Deus criou o universo a partir do nada. Isso não é problema para ele.

Podemos confiar. Não haverá mais desconexão. Não haverá mais choro incompreendido. Não haverá mais solidão e desentendimento sem fim. Porque Jesus chegou. Porque Jesus tocou de novo a criação, e derramou seu sangue.

Nós temos ouvidos para ouvir? Ouçamos o que ele diz. Nós temos voz para falar? Falemos do amor desse que fez e faz tudo bem. E viveremos o verdadeiro banquete de Deus. Banquete de vida e comunhão!

Amém.

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Um só guia! (Mensagem a partir de Marcos 7.1-13)

8/22/2021

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13º Domingo após Pentecostes – 2021
Missão Luterana em Miguel Pereira, RJ
 
UM SÓ GUIA!
Marcos 7.1-13
Cesar Motta Rios
 
Precisamos inicialmente entender o caso. Os discípulos de Jesus simplesmente comiam pão. Mas fariseus e escribas vindos de Jerusalém estavam ali para encontrar algum problema com Jesus, esse novo mestre que chamava a atenção do povo. Eles averiguam os procedimentos e encontram motivo de acusação: mãos impuras! O que seria isso? Sabemos que o povo de Deus tinha recebido uma dieta especial pela Lei de Deus. Isso é fato. Mas “mãos impuras”? A ideia era que a impureza ritual das coisas poderia se comunicar pelo toque de mãos e objetos. Não estamos falando de germes, de vírus, nada disso. O assunto é religioso. Eu eventualmente poderia ter tocado algum objeto que tivesse encostado em algo impuro. Essa impureza, que teria passado ao objeto, se grudaria à minha mão e, no momento de comer, entraria em mim pelo alimento que toquei. Por isso, aqueles judeus lavavam de tudo e lavavam especialmente as mãos de forma bem peculiar, colocando-as em forma de punho semicerrado, e despejando água cuidadosamente. E queriam que todos os judeus fizessem assim. Convenciam a muitos. Estar impuro impedia o culto. Isso ninguém queria. Qual o problema com isso? O problema é que Deus não tinha ensinado tudo isso! O problema é que as pessoas tinham desenvolvido essas ideias complicadas e as impunham a outras pessoas. Estavam justamente ali cobrando dos discípulos de Jesus uma submissão a uma tradição humana, a tradição dos anciãos.

“Por que os seus discípulos não vivem conforme a tradição dos anciãos?” É a pergunta. Jesus cita Isaías: “Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. E em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos humanos” (Is 29.13). Dura palavra, que Jesus diz ser contra aquelas pessoas. É de uma seriedade impressionante essa mensagem. As pessoas podem ser fieis a Deus externamente, com discurso, sem que estejam perto dele realmente, de coração. Podem ser religiosas, mas isoladas de Deus. Falar de Deus, mas não ensinar o que Deus mandou, mas tradições meramente humanas. Vale para aqueles fariseus. Vale para hoje também o alerta.

Mas alguém poderia dizer: Mas essas tradições, embora não sejam dadas por Deus nas Escrituras, são bonitas e ajudam a preservar a devoção etc. Jesus, por isso mesmo, mostra claramente que a tradição deles fazia com que negassem o ensino de Deus. Deus manda honrar pai e mãe. Eles encontravam um subterfúgio na tradição, uma regra a mais, para driblar o mandamento de Deus sem parecerem menos piedosos. Se eu fizer uma oferta ao Senhor, fico isento de dar essa atenção material aos meus pais idosos. Como é ato piedoso, fica tudo bem. Ainda pareço religioso exemplar. Não! – Diz Jesus. Deus não ensinou isso!

Na caminhada do povo de Deus, isso sempre aconteceu e sempre vai acontecer. Pessoas bem-intencionadas acrescentam regras, alteram ensinamentos, entram em conflito com a Palavra. Bem-intencionadas? Sim. Frequentemente, sim. Mas equivocadas. Principalmente, equivocadas quando querem impor sobre outras pessoas algo que não vem de Deus.

Na caminhada cristã. Eu gosto dessa expressão “caminhada” para falar da vida. E não sou eu somente. Os judeus tinham dois tipos de assuntos: a halakhá e a agadá. A agadá é a conversa sobre as histórias, as narrativas. A halakhá é a conversa sobre como viver, sobre normas e conduta. Halakhá vem do verbo halakh, que significa justamente caminhar. Então, havia todo um campo de conhecimento dos judeus sobre como levar a caminhada da vida.

O que Jesus está dizendo claramente aqui é simples: Para essa caminhada de vida, não construam um sistema a partir das vontades humanas, nem se forem vontades piedosas. Não inventem uma halakhá, uma instrução como se fosse de Deus, não sendo de Deus. Para caminharem pela vida, simplesmente, ouçam o que Deus diz atentamente, de modo submisso e reverente.

É isso que precisamos fazer. Sem invenções. Sem imposições a mais. Sem onerar consciências com regras religiosas humanas. Deus disse? Está dito. Nós ouvimos. É coisa bem-intencionada inventada por pessoas? É preciso dizer: Não é Palavra de Deus, então.

Infelizmente, o ser humano não gosta dessa diferenciação. Quer ter o direito de dizer o que Deus não diz como se fosse Deus. A tradição dos anciãos logo se torna supostamente “inspirada”, dada por Deus também. Afirmam que Deus entregou essa tradição oral, assim como as Escrituras. Mas a conversa de Jesus já resolveu isso também: Se essa tradição é de Deus, por que conflita com as Escrituras dadas por Deus?

Estamos no caminho, desde o Batismo, sem invencionices. Estamos no caminho, mas sempre haverá atalhos propostos, imposições humanas, insistência de vozes que querem nos “ajudar” na caminhada. Palpites e mais palpites, alguns mais sofisticados, outros mais simplórios. Mas a Igreja o que é? Cordeirinhos que ouvem a voz do seu bom pastor, Jesus. Então, a voz que nos interessa é a dele, que pagou alto preço na cruz para nos perdoar todos os pecados e nos dar a vida eterna de graça. Ele é o nosso guia. A voz de Deus diz no monte da transfiguração: “Este é o meu Filho amado. Ouçam a ele.” É o que queremos fazer.

Amém.

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No Filho, o fim de toda orfandade (Mensagem a partir de João 6.35-51)

8/8/2021

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11º Domingo após Pentecostes – 2021
Missão Luterana em Miguel Pereira, RJ
 
NO FILHO, O FIM DE TODA ORFANDADE
João 6.35-51
Cesar Motta Rios
 
Mircea Eliade foi um dos maiores historiadores das religiões do século XX. Em seu mais conhecido livro, Tratado de História das Religiões, lembro de ter lido com atenção e surpresa um trecho em que conta o seguinte: Em certos povos africanos, aparentemente, havia um mero politeísmo sem uma divindade única se destacando como superior. Mas, se você conversava com os detentores da tradição mais antiga desses povos, aquelas pessoas que ocupavam lugar tido como sacerdotal ou coisa parecida, ficava sabendo de algo mais: Eles sabiam de um deus do céu, que teria criado tudo, mas que, após a criação, teria dado as costas para os seres humanos. Não queria mais saber deles e os teria deixado sós.

Eu vejo nessa ideia sobre Deus um sentimento de solidão ou, mais que isso, de orfandade – que é o termo para a condição de órfão. Mas, além de ser triste essa noção religiosa, ela carrega um traço de verdade. Após a expulsão do Éden, o ser humano está afastado de Deus. E esse afastamento vai se ampliando cada vez mais.

O que não sabiam esses líderes religiosos africanos é que o Deus verdadeiro não tinha aberto mão do ser humano definitivamente, mas trabalhava para que o distanciamento se desfizesse. Não foi com exultação que disse: “O meu Espírito não permanecerá para sempre no ser humano, visto que é carne” (Gn 6.3). Havia um motivo.

Ler esse texto no dia dos pais faz com que se ressaltem alguns detalhes; e ajudam a pensar essa questão do Deus afastado. A noção de paternidade está ali de forma muito significativa. Jesus diz claramente que é o Filho. Diz claramente que não está só em sua missão, mas que faz a vontade do Pai. E a vontade do Pai é que essa família cresça. Os que vierem a Jesus serão acolhidos. Não serão jogados fora. Não serão tratados com indiferença. Nem a morte será permitida como ponto de separação. Jesus insiste e torna a insistir nesse pequeno trecho que ressuscitará quem a ele se apegar, e que essas pessoas terão vida eterna. Não haverá um ponto final para essa nova família.

Os religiosos se perturbam. Não entendem. Não podem concordar. Esse Jesus fala de um Pai diferente. Fala de ter descido do céu. Mas é filho de José – diziam eles. Seu pai é carpinteiro e não o Criador de tudo. Esse erro de compreensão nos faz lembrar de algo verdadeiro. Enquanto Jesus fala de seu Pai, do Pai celeste, somos lembrados (curiosamente, pelos que não o entendem) de que ele também sabe o que é a figura paterna humana. Ele experimentou ter um pai humano que o criava junto com Maria, e, ao que parece, experimentou também perder esse pai enquanto ainda era relativamente jovem, pelo menos. Nada sabemos dessa despedida de José, que morre antes do ministério de Jesus começar. Mas ela aconteceu.

Jesus sabe do desentendimento desse grupo de judeus, e torna a falar de seu Pai verdadeiro. E, justamente, as pessoas permaneceriam no desentendimento até que fossem trazidas, atraídas por esse Pai do Céu até ele mesmo, até o Cristo. Ele revela, assim, que o Deus Criador realmente não virou as costas. Pelo contrário, Ele se importa com as pessoas e as atrai para aquele que é o Caminho, para aquele que as reúne como seus filhos e filhas, pela adoção.

Ainda na parte final do nosso trecho, temos uma contraposição muito preciosa: “Os vossos pais comeram no deserto o maná e morreram” – diz Jesus. Obviamente, são “pais” num sentido mais amplo, são os ascendentes daquelas pessoas. Mas isso lembra que, no âmbito meramente humano, há uma verdadeira e inevitável precariedade, que torna as relações quebradiças. O tempo a tudo desgasta. Vínculos são desfeitos. Nossos pais perecem e, vendo isso, sabemos que nós também somos perecíveis. E nos vemos como órfãos neste planeta. Mas, diferente do que acontecera com os antigos pais, e diferente do que os pais segundo a carne puderam e podem oferecer, o que está disponível agora - diz Jesus - não é simplesmente um maná ou pão comum para nutrição temporal do corpo, mas o verdadeiro Pão do Céu, o verdadeiro Pão da vida, dádiva incomparável.

“E o pão que darei é a minha carne em favor da vida do mundo” – Jesus deixa claro. E fica muito claro para quem tem ouvidos, e para quem é trazido pelo Pai para essa comunhão: o Filho foi enviado pelo Pai para colocar um ponto final em toda orfandade. A partir do que ele realiza na cruz do Calvário, não precisamos mais ver a Deus como lembrança fugidia. Não precisamos somente lamentar o fim de nossos relacionamentos desfeitos pela morte em um mundo que somente sobrevive a duras penas. Não precisamos ver a Deus de costas viradas para um mundo desolado. Muito pelo contrário, por causa de Cristo, o Todo-poderoso e justo Deus se torna para nós um Pai querido e amoroso, nosso pai, que nos recebe de braços abertos, nos acolhe e nos concede vida abundante em sua casa para todo o sempre.

Não somos filhos exemplares. Na verdade, estávamos fugidos de casa. Mas, imperfeitos como somos, fomos feitos filhos amados pelo Deus de Amor, pelo amor de Deus.

É um dia de muita satisfação, porque a notícia é boa: Não somos órfãos. Nós temos um Pai. E que Pai!

Amém.

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A VIDA DE FÉ E OS PERCALÇOS (MARCOS 6.45-56)

7/25/2021

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9º Domingo após Pentecostes – 2021
Missão Luterana em Miguel Pereira, RJ
 
A VIDA DE FÉ E OS PERCALÇOS
Marcos 6.45-56
Cesar Motta Rios
 
Vocês já tiveram dúvidas sobre Deus? Já passaram por momentos em que não conseguiram perceber Deus presente na vida de vocês, no mundo? Já lhes visitou um questionamento do tipo: será que Jesus realmente...? Todos nós gostaríamos de responder taxativamente: “Não! De forma alguma!” Gostaríamos de ser gigantes da fé, pessoas de fé inabalável, exemplos notáveis a serem seguidos.

Mas, curiosamente, momentos de incerteza costumam fazer parte da vida das pessoas de fé, inclusive daquelas que admiramos. Os cristãos simples como nós e também os cristãos mais conhecidos ao longo da história ouvem a Palavra, se voltam a Deus em oração, e, de repente, se veem em uma aflição que gera questionamentos, inquietações. Mais do que algo incidental, o fato é que isso parece fazer parte de nossa formação, de nosso amadurecimento na caminhada com Jesus. Pensaremos nisso ao final.

Agora, por falar em caminhada, convém irmos ao texto do dia, em que Jesus caminha sobre as águas. Jesus tinha ficado um pouco mais junto da multidão alimentada com pães e peixes multiplicados por ele, e, em seguida, vai orar sozinho. Os discípulos haviam sido despachados para cruzarem o mar da Galileia sozinhos. A travessia estava difícil. Porém, o mais inesperado não era o vento em sentido contrário, mas a aparição que surge do nada, longe da margem. Uma pessoa pode até nadar muito bem, mas andar sobre as águas não. Os discípulos deduzem que se trata de uma aparição e não de gente de carne e osso! Estão apavorados e, diz o texto, eles gritam! Não têm para onde correr no meio do mar. Então, esses homens crescidos gritam assustados, como crianças. Jesus vai até eles e diz para terem coragem. Revela que é ele mesmo que está ali.

Desse acontecido, Marcos faz questão de registrar algo importante sobre os discípulos: Quando Jesus entrou no barco e os ventos se aquietaram, os discípulos estavam aturdidos, completamente confusos, porque não haviam compreendido aquilo dos pães (ou seja, aquele milagre da multiplicação recém acontecido), mas o coração deles estava endurecido.

É interessante esse detalhe. Os discípulos já tinham presenciado outros milagres. Os discípulos, conforme o capítulo anterior, já tinham até mesmo curado pessoas e expulsado demônios eles mesmos por ordem de Jesus. Por que Marcos diz que esse aturdimento que experimentam com a cena de Jesus andando sobre o mar tem a ver com não terem entendido especificamente o milagre da multiplicação dos pães e peixes? É daqueles detalhes um tanto estranhos. Pode ser que isso se deva ao fato de que a multiplicação de pães e peixes revela – assim como o caminhar sobre as águas – que o que entendemos sobre o funcionamento das coisas na natureza criada não vale necessariamente para Jesus. Uma coisa não vira duas simplesmente? Ser humano não fica de pé sobre água? No mundo observado diariamente não é assim. Ordinariamente, não é assim. Mas eles precisavam entender que Jesus estava além desses limites naturais. Jesus é o extraordinário.

“O coração deles estava endurecido”. É sempre necessário lembrar: coração, na cultura hebraica, não é sede dos sentimentos e afetos simplesmente, como entre nós, mas também de pensamentos e ideias. O coração é lugar do entendimento. Eles estavam escassos em seu entendimento por causa de uma limitação mental, diríamos hoje. Para vencer essa limitação, eles precisariam do Espírito Santo, que ainda haveria de ser enviado à Igreja.

Graças ao Espírito Santo, ainda hoje, nosso coração pode crer. Mas esse nosso coração continua marcado pelo pecado, pela falibilidade, e sujeito a engano. Somos nova criatura, mas, ao mesmo tempo, continuamos tendo uma velha natureza em nós. Por isso, não somos sempre tão certos do poder do Evangelho para salvação das pessoas. Por isso, não somos sempre tão confiantes no amor perene de Deus. Por isso, em algum momento da vida, podemos questionar a presença de Deus conosco, ou podemos querer algum convencimento a mais sobre a presença real de Cristo na Santa Ceia. Nosso entendimento ainda um tanto endurecido quer que os parâmetros naturais sejam seguidos, que as coisas sejam explicadas e bem definidas, conforme nossas observações. Queremos que a lógica humana valha para os assuntos divinos. Carregamos um pouco disso, pelo menos, como tendência.

Já que é assim, a vida cristã não consiste num ideal de ascendência constante – sempre firme, sempre melhorando, sempre mais fiel. Não é assim.

Há dificuldades externas. Há escândalos aqui e ali. Há palavras erradas que nos dirigem. Há indiferença quando esperávamos amparo. E há dificuldades internas. Há vontade de chorar, às vezes, e de perguntar: Mas por que isso acontece assim? Há uma luta interior quando começamos a suspeitar, mais do que confiar. Há momentos em que parece que estamos sós e atados às nossas dúvidas.

Sendo bem realista, digo que precisamos estar preparados para diversas crises. Nós não estamos isentos delas. Mas sabemos do que precisamos: ouvir a Palavra de Deus falando mais alto que nossas inquietações. E ouvimos, então, aquilo que vocês repetiram diversas vezes hoje: “A misericórdia do Senhor dura para sempre.” Porque essa misericórdia é verdadeira, Cristo, que morreu na cruz em nosso favor, nos visita em nossa agitação, e diz “Não temas!”, “Não temas!”. Não precisamos nem sempre entender muita coisa. Mas precisamos ouvir o “Não temas!” e saber que Cristo nos acode.

Assim, saímos fortalecidos do mar agitado; mais convictos do amor de Deus, mais desejosos de nos apegarmos à Palavra que dá vida e que nos sustenta na fé. Ficamos certos da incerteza que é nossa por natureza. E abraçamos a única verdadeira certeza que recebemos como dádiva. Que certeza é essa? O crucificado e ressuscitado – Jesus Cristo, nosso Senhor. Então, dizemos como Paulo aos filipenses: “uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que ficam para trás e avançando para as que estão diante de mim, prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus.” (Filipenses 3.13,14). Mesmo que venham crises, nós prosseguimos!
Amém.

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    O autor

    Cesar Motta Rios é teólogo. Tem Doutorado na área de Literaturas Clássicas e Medievais, com pós-doutorado na área de Filosofia Antiga. Exerce ministério pastoral junto à Igreja Luterana em Miguel Pereira - RJ. Para acessar seu currículo e encontrá-lo em outras plataformas, clique AQUI.

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