O JUIZ E A VIÚVA – UMA PARÁBOLA SOBRE FÉ E ORAÇÃO (TEATRO-SERMÃO A PARTIR DE LUCAS 18.1-8)10/20/2019 O JUIZ E A VIÚVA – UMA PARÁBOLA SOBRE FÉ E ORAÇÃO
(TEATRO-SERMÃO A PARTIR DE LUCAS 18.1-8) Cesar Motta Rios Para culto em linguagem infantil na Comunidade Concórdia de São Leopoldo em 20/10/2019 [Voz de um narrador que não se mostra ao público]: Jesus lhes contou uma parábola para mostrar que deviam orar sempre e nunca desanimar. Jesus [em um canto, com discípulos sentados perto dele]: Em certa cidade havia um juiz que não temia a Deus e não respeitava ninguém. Nessa cidade morava uma viúva que sempre o procurava para pedir justiça. [Terminando a fala, Jesus estende o braço em direção ao lugar em que se passa a encenação da parábola.] [O juiz está sentado junto a uma pequena mesa, com cara de tédio. A viúva se aproxima com aspecto cansado.] Viúva: Oi, seu juiz, sou eu aqui de novo. Por favor! Julgue meu caso. É muita injustiça que aquele homem fez contra mim! Juiz: Tô ocupado, dona! Tô muito ocupado! [ele se levanta e se afasta, mexendo em papeis.] [A viúva volta para um canto. Deita-se como se fosse dormir. Depois de 10 segundos, espreguiça como se acordasse. Arruma o cabelo como se olhasse num espelho. E começa a andar em direção à mesa. No caminho, tropeça numa criança que está brincando no chão:] Criança: Ai!!! Viúva: Desculpa! Tá brincando aí, Tonica? Criança: Tô. E você vai aonde, tia? Viúva: Lá no juiz. Criança: De novo? Viúva: Ah... [Chegando ao juiz.] Viúva: Oi, seu juiz, sou eu aqui de novo. Por favor! Julgue meu caso. É muita injustiça que aquele homem fez contra mim! Juiz: Ah, mulher... de novo!? Já falei que tenho trabalho demais! [Levanta e vai mexer nos papeis.] [A viúva volta para um canto. Deita-se como se fosse dormir. Depois de 10 segundos, espreguiça como se acordasse. Arruma o cabelo como se olhasse num espelho. E começa a andar em direção à mesa. No caminho, encontra uma amiga que está por ali:] Amiga da viúva: Oi vizinha! Vai aonde hoje? Viúva: Vou lá no juiz falar com ele! Amiga da viúva: De novo? Já foi lá umas dez vezes só este mês! Viúva: Pois é! Mas a gente não pode desistir, né? [Chegando ao juiz.] Viúva: Oi, seu juiz, sou eu aqui de novo. Por favor! Julgue meu caso. É muita injustiça que aquele homem fez contra mim! Juiz: Ah, mulher... de novo!? Já falei que tenho trabalho demais! [Levanta e vai mexer nos papeis.] [A viúva se deita perto da mesa, como se dormisse ali.] [Quando o juiz volta e se senta, ela levanta rápido e diz:] Viúva: Oi, seu juiz!!!! [O juiz se assusta. Levanta e faz gesto/expressão de pensamento. Diz olhando para o público.] Juiz: Eu não temo a Deus nem respeito ninguém não. Mas, bah!!!, essa viúva não vai parar de me incomodar enquanto eu não der a sentença do caso dela. Bom, então vou resolver o caso dela logo. [Volta. Senta. Escreve num papel e entrega para a mulher, sem dizer nada. Ela pega o papel e lê. Faz gesto de comemoração e vai embora.] [Jesus se levanta e retoma a palavra] Jesus: Prestem atenção naquilo que aquele juiz desonesto disse. Será, então, que Deus não vai fazer justiça a favor do seu próprio povo, que grita por socorro dia e noite? Será que ele vai demorar para ajudá-lo? Eu afirmo a vocês que ele julgará a favor do seu povo e fará isso bem depressa. Mas, quando o Filho do Homem vier, será que vai encontrar fé na terra? [Três discípulos se levantam e vão caminhando para o centro do “palco”] Marta: Pedro! João! Que parábola bacana que o Mestre contou hoje, não é? Pedro: Bem legal. Mas não entendi bem o que que ele queria dizer. É para a gente... É para a gente... ser juiz? Conversar com as viúvas? O que que é a moral da história mesmo? Marta: Bah, Pedrão! Ô João, me ajuda! Explica para ele! João: Pedro, Marta, a gente tem que entender primeiro o objetivo principal. Ele contou sobre a viúva insistente e o juiz mau para dizer que a gente deve orar muito. Se o juiz acabou atendendo o pedido, mesmo sendo mau, Deus, que é Deus, vai atender o seu povo que clama sempre! É para a gente continuar orando e clamando que ele contou. Não é falar de juiz e de viúvas! É uma parábola, lembra, Pedro? Pedro: Ah tá! Tá bom... Mas ele falou ainda que Deus não vai demorar pra socorrer seu povo, né? João: É. Mas aí a gente tem que lembrar de duas coisas: Uma é que Deus já vem ajudando a gente ao longo da vida, livrando a gente de um monte de problema, sem que nós percebamos, muitas vezes. Outra coisa é que, mesmo que pareça demorar a vir aquela ajuda definitiva, quando tudo que é ruim vai acabar, nós temos que fazer como a viúva e não desanimar. Às vezes, parece que está demorando demais, mas não. Não é para a gente desistir de orar. Marta: Mas a pergunta final dele me deixou meio sem entender também. Como é que era mesmo? Eu até anotei aqui no meu telefone [pega o telefone do bolso para ler]: “Quando o Filho do Homem vier, será que ele vai encontrar fé na terra?” Parece que não tem nada a ver com o assunto! João: Então, tem a ver sim. Ele estava ensinando justamente que a gente não pode desanimar, que temos que continuar a orar. Quem ora ora porque tem fé, porque confia em Deus. Ele estava fazendo um alerta: O Filho do Homem vai vir, gente. Parece demorar, mas vai vir. Se vocês deixarem a fé em Deus de lado, e pararem de orar, ele vai vir de qualquer forma. Mas ele quer encontrar vocês com fé e orando, não sem fé e sem ligar mais para fazer oração. E, olhem só, Deus tinha prometido enviar o Cristo. Ele está aí. Vamos continuar confiando nas promessas dele, então! Marta e Pedro: É isso! É isso mesmo! Vamos sim! João: Já que estamos falando que precisamos continuar na fé, vamos todos, apóstolos e fieis do século XXI, confessar a nossa fé cristã segundo as palavras do Credo Apostólico, lembrando que, ao fazer isso, nós nos unimos a todos os cristãos de todos os lugares da terra e de todos os tempos! Vamos fazer isso de pé e de mãos dadas!
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19º Domingo após Pentecostes – 2019
Comunidade Luterana Concórdia – São Leopoldo, RS PEREGRINOS E CONFIANTES, PORQUE VALE A PENA Salmo 121 Cesar Motta Rios “O meu socorro vem do Senhor, que fez o céu e a terra” (Sl 121.2). Essas palavras são tão conhecidas, mas nós pouquíssimo sabemos sobre o contexto em que foram escritas. O Salmo 121 é cheio de mistérios. Quem só gosta de respostas claras e definitivas a respeito de cada detalhe deve preferir outros textos. Uma parte considerável dos estudiosos entende que se trata de um cântico de peregrinação, que seria entoado por grupos que se achegavam a Jerusalém, vindos de outras cidades e vilas. É um canto de caminhantes. Mas não de caminhantes sem rumo, não de andarilhos que vagueiam para onde quer que a oportunidade os leve. É um cântico daqueles que sabem aonde vão, porque vão procurar o Nome do Senhor. Essas são as pessoas peregrinas que, no Antigo Israel, iam a Jerusalém para se achegarem ao Templo. No início, temos as montanhas. Há quem suponha que seja já uma referência aos montes de Jerusalém, avistados na chegada. Mas podem ser quaisquer montes vistos pelo caminho, já que passariam por uma região montanhosa. Mas, por que ele olha para esses montes? Uns entendem que haveria uma lembrança de que os montes eram usados como lugares para altares dedicados a falsos deuses. Então, quando o poeta diz que olha para os montes, mas pergunta: “De onde me virá o socorro?”, ele estaria indicando que não aceitava que desses falsos deuses que viria o socorro. Perguntaria de onde para afirmar a verdade firmemente: “O meu socorro vem do Senhor, que fez o céu e a terra.”. Que essa finalidade cultual dos montes esteja em vista na composição não é seguro. Pode ser o caso de olhar para os montes na incerteza do que vem detrás deles. Quando você anda em meio a colinas e montanhas, sempre há a expectativa de saber se o que há detrás da próxima crista, principalmente se você está em viagem e relativamente desprotegido. O que vem atrás da próxima montanha eu não posso saber. Só tenho expectativa. Vem algo perigoso? [Em Minas, a gente vive isso com mais frequência, talvez. Quando criança, já me aconteceu. A gente vai andando num pasto e fica pensando se, depois da linha do próximo morro, tem gado bravo ou não.] Vem alguma ajuda quando preciso? [No caso da ajuda, lembro-me de uma cena de O Senhor dos Anéis – as duas torres, quando Gandalf chega para o socorro em uma batalha praticamente perdida.] Não importa tanto a função desses montes, o fato é que tudo - sejam deuses ou sejam as vicissitudes da vida, as incertezas do que vem – eles não têm a força de tirar o poeta da sua firme confissão: “o meu socorro vem do Senhor”, afirmação que está de acordo com o primeiro dos Dez Mandamentos. Assim como caminha com rumo bem definido, o peregrino tem uma concepção bem definida sobre sua realidade. Sua ação de caminhar para o Templo reflete seu entendimento. Seu entendimento é de que ele é cuidado pelo Senhor, “que fez o céu e a terra”. Após essa afirmação pontual, aparecem as consequências. Se meu socorro vem do Senhor, e se esse Senhor é aquele que fez céu e terra, isto é, a totalidade das coisas, ele vai cuidar de mim em todas as situações. Agora, observe que há uma curiosa mudança de pessoa nos versos. Os versículos 1 e 2 tem um “eu” que pergunta e responde. Os versículos seguintes são dirigidos a um “tu”. Há quem pense que se trata de um diálogo interior. Mar podemos entender isso assim: Para esse “eu” que pergunta e faz a afirmação categórica sobre Deus, outra pessoa ou outras pessoas afirmam ama série de desdobramentos dessa verdade: 3 e 4: “Ele não permitirá que os seus pés vacilem; não dormitará aquele que guarda você. É certo que não dormita, nem dorme o guarda de Israel.” Esse que te socorre te socorre bem e não tem limite de tempo ou de capacidade. Ele pode cuidar de você o tempo todo e sem falhas. 5: “O SENHOR é quem guarda você; o SENHOR é a sombra à sua direita.” Se vem do Senhor o teu socorro, isso significa que o guarda de Israel (v.4) é o teu guarda. Não é só do povo como um todo, mas de cada voz que clama, e está próximo de cada um. 6-7: “De dia não lhe fará mal o sol, nem de noite, a lua. O SENHOR guardará você de todo mal; guardará a sua alma.” Lembra do cuidado do Senhor com o povo no Êxodo, na travessia pelo deserto. É esse mesmo Deus, que já cuidou de seu povo e o levou ao destino naquela ocasião, que continua cuidando de você também. 8: “O SENHOR guardará a sua saída e a sua entrada, desde agora e para sempre.” Esse cuidado não é dado num lugar somente, mas em cada momento, ocasião e ação, na totalidade de sua vida e para sempre. Querida família de fé, não é sem motivo que, no livro de Atos, a fé cristã é referida como Caminho. Cada pessoa cristã sabe que está a Caminho. Não tem um desejo louco por permanecer, mas quer prosseguir até o alvo. Cada pessoa cristã é peregrina nesse sentido. É cuidada pelo Senhor na sua caminhada, tanto com o pão de cada dia, quanto com o pão espiritual, sendo nutrida com Palavra e Sacramento. Cada pessoa cristã quer olhar para os que caminham ao lado e dizer o que o Salmo 121 diz. Gosto mesmo de pensar que essas palavras (v. 3 a 8) são para serem ditas por todos a cada um, por toda a Igreja para cada um de seus integrantes. E podemos fazer isso confiantemente, porque Cristo é o Socorro que nos veio do Senhor, e, por sua morte, fez com que o Senhor nos cercasse com seu cuidado todo amoroso nesta vida e para além dela. Você sabe que, especialmente na Antiguidade, os cânticos tinham uma importante função de gravar no coração, de fazer lembrar daquilo que precisava ser lembrado. No caminho do peregrino, no nosso caminho, não é raro que encontremos montes atrativos (que atraem à idolatria, a nos esquecermos de Cristo como razão da vida) ou montes assustadores (pela incerteza do que vem pela frente ou pela espera demorada). Não é raro que sejamos tentados a desistir ou desanimar, principalmente, quando nossos próprios esforços se mostram ineficazes, quando achamos que tudo está errado e indo de mal a pior, quando há injustiça, quando há só pedras no caminho. Quando isso acontecer, que o Salmo 121 possa ecoar entre nós e nos fazer lembrar: não estamos parados aqui; não estamos aqui para ficar; estamos a caminho; Jesus Cristo é o nosso socorro e o nosso destino; e que isso faça cada passo valer a pena. Amém. 17º Domingo após Pentecostes – 2019
Comunidade Luterana Concórdia – São Leopoldo, RS FRÁGEIS, PERDOADAS E PERDOADORAS: PESSOAS Lucas 17.1-10 Cesar Motta Rios Pessoas são frágeis. Podem parecer grandes, intocáveis e fortes às vezes. Mas são frágeis. Mesmo aquele sujeito gaúcho que sabe carnear uma ovelha com uma só mão é frágil. Parece que não. Mas, olhando de perto, ele é profundamente afetado por muita coisa da vida. Só reage de modo diferente. É fato: O que outras pessoas fazem para nós nos afeta, deixa marcas, porque somos frágeis. Quando alguém age sobre nós, isso não fica sem efeito. Lembra-nos isso das leis de Newton. A relação mecânica entre corpos. Mas somos mais do que corpos, e nossas relações são mais que simples mecânica, que possa ser previsível e padronizada por leis da física. Pessoas reagem de modo completamente diferente ao que fazem a elas. Isso fica evidente no casamento, por exemplo. Às vezes, uma pessoa diz algo que lhe parece tranquilo e sem qualquer consequência. E a outra pessoa perde seu dia por aquela frase. Não se trata só de diferença entre homens e mulheres. Há isso também. Mas há uma diferença entre pessoa e pessoa. Cada um tem sua história, sua forma de ver o mundo, suas feridas antigas. Por isso, não é o caso de julgar a reação de outras pessoas às ofensas que sofrem e acrescentar a essa ofensa mais uma condenação. Claro, porque até o nosso julgamento sobre o outro exerce uma influência sobre ele. Somos seres relacionais. O que fazemos não fica só conosco. O que dizemos não fica só conosco. Algumas vezes, em casos extremos, o que fazemos pode ter a pior das consequências: o afastamento de pessoas do caminho da fé. Essa consequência é tão terrível, que, para quem é o agente causador dela, segundo Jesus, seria melhor ter o fim trágico de uma morte por afogamento com uma pedra atada ao pescoço. A vida de fé é o que há de mais precioso, porque é a fé que leva o ser humano a uma vida eterna com Deus, além dos limites da história. Se nós formos obstáculo para que as pessoas ouçam a Palavra que dá fé, melhor seria que repensássemos nossos erros e voltássemos, porque fazemos o pior que se pode fazer. E, algumas vezes, podemos fazer isso pensando que não fazemos nada errado contra ninguém. Só estamos vivendo nossas vidas, no nosso espaço, no nosso direito. Mas, na verdade, é muito frequente que façamos algo contra o próximo. E, errando contra o próximo, não desfazemos nossa relação com ele. Não há indiferença. Na verdade, nós nos colocamos numa relação de dano com ele, numa relação de dívida e ofensa. Para refazermos nossa relação, restaurando-a à condição correta, o caminho é bem sabido: o perdão. Quantas vezes? Se vierem dizer sete vezes “estou arrependido”, perdoamos sete vezes no mesmo dia até. É o que escutamos de Jesus. O interessante é que Jesus não solicita uma averiguação da sinceridade da pessoa. Se ela disser “estou arrependido”, você perdoa. Isso, é claro, nos lembra que é Deus que vê os corações das pessoas. Nós não somos aptos a sondá-los. Agora, certamente, não é tão comum também que digamos “estou arrependido”, simplesmente. O mais comum entre nós é que digamos algo assim: “Eu errei também nisso, mas é porque... mas tal pessoa...”. Não gostamos de reconhecer a culpa como nossa somente. Queremos dividi-la. Curiosamente, nós, que temos muita dificuldade para compartilhar outras coisas nossas, compartilhamos nossa culpa com uma liberalidade incrível! Mas o ponto é que o caminho para refazer nossas relações corrompidas por ações imperfeitas é o arrependimento e o perdão, o pedido de desculpas e as desculpas dadas. Isso é difícil. É muito difícil. É muito interessante que, em sua organização desses ditos de Jesus, Lucas coloca imediatamente após essa orientação para que dessem o perdão sem grandes exigências ou limites um pedido dos discípulos: “Aumenta-nos a fé!”. Não é que necessariamente disseram tudo isso numa conversa só. Mas é significativa a organização feita por Lucas. E é verdade que, diante dessa difícil tarefa do perdão, nossa vontade sincera seja simplesmente fazer o mesmo pedido, porque precisamos de fé. Nossa tarefa parece enorme sim. Nossa necessidade do auxílio de Deus é real e urgente. Precisamos ter fé. Precisamos ser cheios do Espírito. Não vamos transplantar árvores com nossas palavras. Não vamos mover montanhas. Não vamos fazer alardes. Nem vamos ser conhecidos como heróis da fé. Mas, com fé, cheios do Espírito, vamos ver crescer em nós o fruto do Espírito. Vamos ver aumentar em nós o cumprimento dos mandamentos do Senhor. Vamos continuar na caminhada de fé, e querer outros caminhando conosco. E, no fim de nosso percurso, vamos dizer: “Somos servos inúteis. Fizemos somente o que devíamos fazer.” Por que estão aí essas palavras de Jesus que fecham o trecho do Evangelho que nós lemos hoje? Porque elas nos lembram que somos salvos e perdoados não por mérito nosso, mas pela misericórdia de Deus. Elas nos lembram da perspectiva correta; que até aquilo que fazemos de bom, nós o fazemos pela misericórdia de Deus que opera em nós. E, nessa perspectiva correta, nós podemos ver, sim, o perdão como um caminho razoável, porque sabemos que o que somos é gente perdoada. Podemos perdoar a maldade praticada pelos outros, porque reconhecemos que nós temos em nós também essa capacidade de fazer o mal, de ferir e de prejudicar. Na verdade, irmãos e irmãs, nós não somos grande coisa. Somos gente pecadora. Somos gente frágil, perdoada e perdoadora, porque Jesus quis morrer por nós e nos salvar. Amém. 17º Domingo após Pentecostes – 2019 (Sábado: Culto da Juventude)
Comunidade Luterana Concórdia – São Leopoldo, RS NOSSAS LÁGRIMAS E O EVANGELHO: O MOTIVO DE CONTINUAR EXISTINDO IGREJA Habacuque 1.1-4;2.1-4 e 2 Timóteo 2.1-14 Cesar Motta Rios Nós vamos conversar sobre dois momentos históricos completamente diferentes, distanciados por mais de 600 anos um do outro. No primeiro, o profeta Habacuque conversa com Deus sobre uma situação insuportável. Um povo sofre. No segundo, o apóstolo Paulo conversa com Timóteo sobre uma situação incômoda. Uma pessoa sofre. Em ambos os diálogos, o Evangelho surge como a melhor resposta. E é isso que vai me possibilitar conectar os dois textos. Habacuque O profeta Habacuque reclama com Deus sobre a violência que o povo vem sofrendo. Isso no trecho que lemos no capítulo 1. A resposta de Deus prenuncia mais violência, mais pavor. E Deus mesmo se coloca como o agente por trás da história. Ainda no capítulo 1, Habacuque argumenta. Reconhece que Deus levanta o inimigo de modo a exercer disciplina, mas pergunta até quando. Questiona sobre um limite e clama: “Por que tratas as pessoas como se fossem peixes do mar, como se fossem animais que rastejam, que não têm quem os governe?” Ele tem urgência. Pessoas estão morrendo! Depois de expor sua consternação, o profeta diz que ficaria ali postado, vigiando para esperar a resposta de Deus, para ver o que Deus diria. Isso já no trecho lido do capítulo 2. Há algo muito importante a ser considerado aqui. Em meio à revolta e ao desespero diante das maiores dores da vida, algumas vezes, nós podemos deixar de atentar para a resposta de Deus, quando é exatamente isso que precisamos fazer. E qual é a resposta. Deus sabe que a situação é mesmo extrema. Mas anuncia salvação em meio à angústia. E reluz para nós a frase por todos conhecida: “Mas o justo viverá pela sua fé”. Viverá! Aqui, podíamos pensar que se trataria simplesmente de sobreviver aos conflitos daquele tempo, mas o apóstolo Paulo nos fará ver que se trata de muito mais. “O justo viverá pela sua fé” trata de um viver além de todo conflito, de toda precariedade. É a vida verdadeira e sem fim que está em vista, mesmo no meio de um mar de aflições, mesmo num contexto histórico bem específico e sofrido. Paulo Tendo mencionado Paulo, convém falar sobre sua carta ao jovem Timóteo. Essa segunda carta revela um Paulo assombrado pelo abandono. Preso, ele fora já deixado de lado por vários colaboradores. Por isso, de modo insistente e quase repetitivo, ele exorta Timóteo a não se desanimar e a não se envergonhar. Esse jovem não vive uma vida sem rumo, desconectada de tudo que realmente importa, anestesiado por ilusões. É um jovem que enfrenta a realidade com lágrimas, mas que tem uma fé não-fingida. Ele conhecera Paulo em atividade, livre. Escreveu cartas junto de Paulo. Agora, essa referência, esse homem incansável, está algemado. Mas, Timóteo, não se envergonhe. Esse sofrimento não é motivo para alguém se afastar envergonhado. Pelo contrário, diz Paulo, “participe comigo dos sofrimentos”. Que convite! Ele só é possível de ser feito e bem ouvido por quem sabe que Deus sofreu na cruz, que Deus se revela não somente nas coisas belas, boas e agradáveis da vida, mas no seu contrário, na carência, na desolação, no abandono. Mas isso é algo de uma maturidade que não tem tamanho. O jovem Timóteo tem essa maturidade, não por capacidade própria, mas pelo Espírito. Paulo sabe disso. E é preciso que Paulo continue, que Timóteo continue, que nós continuemos e não nos envergonhemos. Por quê? Porque o Evangelho não é mensagem que se possa deixar de lado. É, antes, aquela mensagem que resolve o motivo de nossas lágrimas. Em um mundo em que tudo depende de condições, de permissões, de capacidades pessoais, a notícia que Deus dá é: “Eu aceito vocês como vocês são. Não precisam fazer pequenos sacrifícios, porque meu Filho já fez o sacrifício perfeito e suficiente por vocês. E, agora, vocês vão ter vida sem morte e sem lágrimas, simplesmente, pela fé”. “Ele não só destruiu a morte, como trouxe à luz a vida e a imortalidade, mediante o evangelho”. Habacuque reclamava das muitas mortes. O ser humano reclama da morte desde sempre. Deus diz que o justo viverá por fé. E isso fica às claras, iluminado e esclarecido pela vinda de Cristo e o claro anúncio do Evangelho. O ponto importante aqui é que a morte não é diminuída em seu poder de perturbação, de promoção do sofrimento. Não se trata de, por meio de argumentos filosóficos, existenciais, chegar a uma resignação e aceitação da finitude. A repulsa contra a finitude está no coração humano, que se estende com sua vontade para o infinito. Nós queremos viver sem fim. Então, a morte é dura e cruel. E pode ser encarada assim. Ter fim não é algo a ser aceito tranquilamente. Ter nossas relações rompidas de repente não é algo a ser tratado como normal. Somos seres para comunhão. Então, é para desesperar? É para não passar com calma e sobriedade pela experiência da morte perto de nós? É para vermos a morte com todo seu terror, e, assim, reconhecermos o valor do que Cristo fez por nós, reconhecer o valor do que Cristo faz por nós ao nos dar perdão, vida e salvação. Reconhecer a dádiva da vida e da imortalidade em toda sua grandeza. Nós Essa esperança foi anunciada pelos profetas, foi proclamada por Paulo e é para ser transmitida e vivida por nós. E, hoje, quando olhamos para nós mesmos e olhamos para o desânimo com relação à Igreja, e olhamos para os jovens, pensamos: o que será da Igreja nas próximas décadas? Eu acho necessário um pequeno acréscimo em nossa conversa, então. É preciso observar o que Paulo quer que mantenha Timóteo em movimento. Não é costume. Continue, porque é um bom costume. Se pensamos que a Igreja continuará por transmitirmos o costume de participar da Igreja aos nossos jovens, estamos enganados. Vir a uma Comunidade Cristã por costume ou tradição é algo que a geração que vem aí não vai fazer. Se alguém se ilude pensando que vai funcionar assim, desculpe-me por contar a verdade. Também, se pensamos que faremos as pessoas vierem para a Comunidade por termos oferta de entretenimento, estamos enganadíssimos. Isso podia funcionar há algumas décadas. Agora, o entretenimento é tão diversificado e acessível nas próprias casas e escolas, que não há essa vantagem na Igreja. Eles não permanecerão ou virão por ser legal. Por que é que as pessoas continuarão sendo Igreja e se reunindo em Comunidades? Porque há lágrimas. Porque há morte. Porque há uma Palavra contra a morte, e essa Palavra é Jesus Cristo. A Igreja continua simplesmente por sua Mensagem. E o que podemos fazer? Deixar essa Mensagem mostrar sua importância. Um detalhe: Paulo, que, no versículo 8, diz “não se envergonhe”, no versículo 12, diz “não me envergonho”. Voltamos à velha, mas sempre necessária questão do exemplo. O que os jovens veem em nós? Que valorização da Palavra, da Mensagem de salvação eles veem em nós? Eles veem só um costume ou um interesse na Igreja para entretenimento? Ou veem um amor por essa Verdade que liberta? Eles veem um apêndice em nossas vidas, algo do fim de semana? Ou veem a Palavra como aquilo que nos move de segunda a segunda? É algo que precisamos urgentemente avaliar em nós. Você pode dizer: “Para você é fácil dizer. Trabalhando com a Bíblia o tempo todo, suas filhas e os outros jovens vão ver...” Mas eu também preciso avaliar isso em mim e me preocupo. Será que, na intimidade do lar, elas vão ver um profissional da Bíblia ou alguém que ama até as últimas consequências a Mensagem de Cristo? Vão ver um hipócrita ou um servo? Vale para todos. Para os jovens, inclusive, porque são observados pelos pré-adolescentes, que são observados pelas crianças. Ser comunicadores do valor do Evangelho ou motivo de escândalo. Por fim Eu sei que o sermão pode parecer meio pesado para um dia leve como este. Mas, sinceramente, eu entendo que é urgentíssimo para todos nós, dos mais jovens aos mais velhos, revermos a importância que reconhecemos nessa mensagem ímpar, que é o Evangelho de Jesus. Essa mensagem é para ser o que há de mais especial para nós e retumbante em nós. É para lembrar a cada momento feliz ou absurdamente triste que nossa vida toda, com todas as suas fases e cores, se sustenta na cruz de Cristo e para ela se direciona. Definitivamente. Amém. |
O autorCesar Motta Rios é teólogo. Tem Doutorado na área de Literaturas Clássicas e Medievais, com pós-doutorado na área de Filosofia Antiga. Exerce ministério pastoral junto à Igreja Luterana em Miguel Pereira - RJ. Para acessar seu currículo e encontrá-lo em outras plataformas, clique AQUI. Histórico
April 2023
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