Quarto Domingo após Epifania – 2020
Comunidade Luterana Concórdia – São Leopoldo, RS INDIFERENTE PARA HEDONISTAS IRREFLETIDOS, UM DELÍRIO PARA INTELECTUAIS ILUMINADOS E UM ABSURDO PARA MORALISTAS FERRENHOS – FALAMOS DO CRISTO CRUCIFICADO QUE CAMINHA ENTRE NÓS 1 Coríntios 1.18-31 Cesar Motta Rios [Nas semanas anteriores, vimos, primeiro, como a Carta aos Coríntios começa com uma visão positiva da Igreja apesar das decepções; positiva somente porque o olhar é feito em comunhão com Jesus Cristo. No domingo seguinte, vimos o problema das divisões na Igreja em Corinto por causa de preferências por pessoas específicas, por ensinadores específicos (Paulo, Pedro, Apolo...). Então, entendemos que Cristo é maior que qualquer ensinador, e que ele faz esse jogo de preferências desnecessário e insignificante. Hoje, nós fechamos a leitura do Capítulo 1 da Carta vendo Paulo dar um passo mais radical: Ele mostra que a própria noção de sabedoria é completamente alterada com Cristo. Mas, comecemos nosso percurso com calma. Chegaremos ao ponto principal em seguida.] “A Palavra de Deus não é mais ouvida. Ninguém mais quer saber de Deus hoje em dia.” Essa reclamação não é rara entre cristãos sinceros. Há uma verdade nisso. Mas é preciso ter bem claro que o problema não é somente nosso tempo, como se, no passado, fosse algo natural dar ouvidos à palavra de Deus. Esse texto bonito e forte de Paulo sobre a pregação no seu tempo deixa claro que a Palavra de Deus nunca foi naturalmente bem recebida. Os judeus pedem sinais. Os gregos procuram sabedoria. É claro que, ao dizer, “gregos”, Paulo não se refere aos nascidos na Grécia, mas a todo o povo envolvido na cultura greco-romana. Ele está falando de todo mundo que habitava por ali, judeus e os demais. E ele reconhece que não oferece a esses judeus que pedem sinais e gregos que buscam por sabedoria exatamente ou suficientemente o que eles querem tanto. Não tem a iniciativa de elencar sinais à exaustão ou demonstrar sabedoria bem articulada e razoável em cada ponto. Ele diz claramente que a mensagem que traz não fecha com as expectativas do pensamento humano: anunciamos a Cristo crucificado. Esse é um escândalo para judeus e uma loucura para gregos. Eu quero ressaltar dois detalhes que podem não ser bem notados numa leitura ligeira. Leiamos o versículo 24: “Mas, para os que foram chamados, tanto judeus como gregos, Cristo é o poder de Deus e a sabedoria de Deus.” Primeiro, observe que, para os eleitos, esse mesmo Cristo crucificado já não é escândalo ou loucura, mas poder de Deus e sabedoria de Deus. Agora, note bem, esses eleitos, diz o texto, são tanto judeus quanto gregos (v. 24). Isso é importantíssimo, porque mostra que não é uma gente completamente diferente. Eles são do mesmo tipo de gente que via essa mensagem como escândalo ou loucura. Judeus e gregos. Assim também hoje, nós, os que cremos, somos gente como o resto da população, envolvidos pelos mesmos dilemas e, em nós mesmos, temos tanta força de incredulidade quanto os demais. Isso lembra o discurso de Efésios 2, que enfatiza que somos salvos pela graça, mediante a fé, e destaca que até essa fé é algo que não vem de nós mesmos, mas que é recebida como presente de Deus. Ou seja, o motivo de sermos salvos vem de fora de nós. E, se não viesse, estaríamos como os demais, porque somos, como os demais, judeus e gregos. Agora, sobre a mensagem, quero observar que pregar a Cristo crucificado não é ficar eternamente num sermão de sexta-feira da paixão. Não é anunciar a Cristo na cruz. Sendo claro, “Cristo crucificado” não é o mesmo que “Cristo na cruz”. Anunciar a Cristo crucificado é anunciar aquele que passou pela crucificação. Isso fica claro se você lê o relato de Mateus sobre as mulheres que vão procurar o corpo de Jesus na tumba. O anjo aparece e diz: “Sei que vocês estão procurando Jesus, o crucificado” (Mt 28.5). A mesma forma verbal. Mas o anjo certamente não diz que estão procurando um homem ainda preso a uma cruz. O “crucificado” é alguém que morreu dessa forma. O crucificado, no caso do texto de 1 Coríntios, é o crucificado que vive para todo sempre. É o que, voluntariamente e por incompreensível amor, foi crucificado por nossos pecados. É aquele que tem as marcas desse amor em seu corpo e que caminha conosco ainda hoje. Não é uma cena antiga. Não é um último suspiro. É poder de Deus e sabedoria de Deus conosco, por amor. Por isso, anunciar a Cristo crucificado não é falar de um assunto, de um gesto no passado, nem falar de uma história somente. Agora, olhamos para nosso mundo. De fato, pode parecer também hoje desanimador falar desse Cristo vivo e crucificado, crucificado e vivo. Uns – que eu chamo de hedonistas irrefletidos - simplesmente não querem saber de nada que envolva escutar, refletir – seja assunto religioso, filosófico, político. Querem só viver a vida buscando prazeres e emoções a todo custo. Outros – os intelectuais iluminados - se entendem como sábios demais para qualquer coisa com cheiro de religião. A mente contemporânea e bem informada, segundo muitos, é a mente de um ateu e cético. Ainda há outros, que gostam de religião, mas que, em seu moralismo ferrenho, só querem saber de restrições e punições para todos os erros. O amor que vai para a cruz pagar pelos erros sórdidos dos outros é escandaloso demais para eles e precisa ser contornado, esquecido ou, no mínimo, diminuído, domesticado. Estamos aqui, sim, pregando a Cristo crucificado, o Cordeiro que esteve morto, mas está vivo, e pagou com sangue pelos nossos pecados. Quando digo “estamos aqui, pregando”, não me refiro a aqui, no púlpito ou no templo somente. Quando você ensina seus filhos a orar, anuncia o Cristo crucificado. Quando um amigo em sofrimento é consolado por suas palavras, e você o faz lembrar do amor de Cristo, Cristo crucificado é anunciado. Quando você vem para a igreja como fez hoje, anuncia com seu gesto que Cristo crucificado é importante, que o sucesso econômico não é tudo que importa, nem o lazer somente. E em todas essas situações, Cristo crucificado não é assunto, discurso somente, é Deus vivo e presente, que caminha com a Igreja e a conhece bem. É Cristo vivo no quarto dos filhos, na conversa com o amigo, na sua vinda para a Comunidade. Sei bem que, em alguns momentos, podemos ainda ter aquela preocupação: “Esse meu testemunho vai ter efeito num mundo surdo para a Palavra de Deus? Não vai continuar sendo ouvido como absurdo, escândalo, loucura ou bobagem?” Eu gostaria, então, de compartilhar umas palavras que sempre acompanharam minha reflexão e prece cada vez que caminhava para este púlpito ao longo do último ano: “ubi et quando visum est Deo”, “onde e quando a Deus aprouver”. Essa expressão está na Confissão de Augsburgo justamente para dizer que o efeito da pregação do Evangelho depende da ação do Espírito Santo, e não de quem o anuncia. Então, viva com o Cristo crucificado e ressurreto. Tenha-o como dádiva de Deus, que te perdoa e acolhe, e como exemplo, que te ensina a amar radicalmente. Seja sua vida um testemunho vivo. E descanse. Deixe a questão dos efeitos com Deus. Uma nota final: O Cristianismo viveu mudanças desde o tempo de Paulo. Houve até um tempo em que os sábios deste mundo estavam ligados à fé cristã no Ocidente. As universidades na Europa nasceram na Igreja, por assim dizer. Os tempos mudaram muito, claro. Temos gente do conhecimento na Igreja ainda? Sim. Até nos orgulhamos um pouco de alguns nomes. Mas não são tantos, proporcionalmente. E não é neles que temos que nos orgulhar. Devemos, isso sim, nos gloriar em Cristo, porque é Ele que tem as cicatrizes da crucificação em nosso favor; cicatrizes que contam que ele nos ama eternamente e que faz de nós verdadeiramente bem-aventurados. Amém.
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O autorCesar Motta Rios é teólogo. Tem Doutorado na área de Literaturas Clássicas e Medievais, com pós-doutorado na área de Filosofia Antiga. Exerce ministério pastoral junto à Igreja Luterana em Miguel Pereira - RJ. Para acessar seu currículo e encontrá-lo em outras plataformas, clique AQUI. Histórico
April 2023
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