μακάριοι οἱ πραεῖς,
ὅτι αὐτοὶ κληρονομήσουσιν τὴν γῆν. Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra. Essa bem-aventurança guarda um paradoxo difícil de assimilar. Não são os Zelotes que ganharão a terra? Afinal, eles defendem coisas que fazem sentido. Ou, por outro lado, não são os herodianos ou os que a eles se associam com arrogância? Não são os que confiam no poder político estabelecido e lançam mão dele de modo astuto? Não são uns e outros, que se digladiam numa perpétua luta de argumentos afiados, procurando a humilhação alheia? O mansos? Gente tranquila? Gente amável? Como conquistarão alguma coisa? Ah, mas não conquistarão mesmo. Herdarão! Entender isso era suficiente para que os discípulos de Jesus reconsiderassem suas ações. Mas ainda haveriam de entender outras diferenças importantes sobre o Reino de Deus. Bom, nesse meio tempo, enquanto nós também não entendemos tudo de modo pleno, o que faremos, então? Não participaremos de nada? Não comunicaremos nada? As palavras ditas com avidez e rancor talvez não sejam o caminho para se comunicar o que se espera que comuniquemos, inclusive porque comunicar e impor são coisas bastante diferentes. Parece-me significativo que, pouco adiante, Jesus instrui: οὕτως λαμψάτω τὸ φῶς ὑμῶν ἔμπροσθεν τῶν ἀνθρώπων, ὅπως ἴδωσιν ὑμῶν τὰ καλὰ ἔργα καὶ δοξάσωσιν τὸν πατέρα ὑμῶν τὸν ἐν τοῖς οὐρανοῖς. Assim, brilhe a vossa luz diante das pessoas, de modo que vejam vossas boas obras e glorifiquem ao vosso Pai que está nos céus. Há algo a fazer, mas certamente não é trocar cabeçadas por aí.
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...καὶ εἰσῆλθεν εἰς γῆν Ἰσραήλ.
...e foi para a terra de Israel. É o que nos conta Mateus 2.21 sobre o retorno de José (com Jesus e Maria) desde o Egito. Hoje, uma parte considerável dos estudiosos da Bíblia falariam sobre a volta dos três para a Palestina. Até se pode perceber uma nota de satisfação por usarem o termo "Palestina" como se fosse mais preciso ou acadêmico. No entanto, é interessante que os evangelistas desconhecem essa forma de se referir àquela região. E não são eles somente. Fílon de Alexandria (que olha de longe, mas que visitou a região pelo menos uma vez) e Flávio Josefo (que viveu por ali até ser capturado pelos romanos) também não dizem "Palestina". Isso porque todos eles escrevem no século I d.C.. O termo "Palestina" só passa a ser usado no século II d.C., por imposição romana, ao que parece, de Adriano, como castigo aos judeus pela revolta de Bar Kokhba. Os JUDEUS, povo de ISRAEL, não teriam uma terra com nome etimologicamente associado a eles. Pelo contrário, o nome da terra que julgavam ser deles passaria a ter um nome que remetesse aos grandes inimigos que figuravam em sua história mais antiga. É assim que os FiLiSTeus, sem se esforçarem para tanto, têm parte no nome PaLeSTina Quanto à primeira letra, lembremo-nos que F e P são letras muito aparentadas, tanto que, em hebraico, há uma só letra para ambos os sons - distinguindo-se por um daguesh - e, em grego, o phi é como um pi pronunciado com sopro, o que fez com que nossas farmácias tivessem seus nomes grafados como pharmácia por muito tempo. Então, se não digo "Palestina" para me referir àquela região que compreendia Judeia, Samaria e Galileia nos tempos do século I d.C., não é para ser diferente ou por aderência ao sionismo. É para evitar anacronismo desnecessário. A expressão "OS POBRES DE ESPÍRITO" (οἱ πτωχοὶ τῷ πνεύματι) já me tirou noites de sono. Sim, há uma solução muito conhecida e utilizada em textos e púlpitos: Pobres seriam, na verdade, mendigos. Isto é, pobres que reconhecem sua carência, e que, portanto, pedem. "DE ESPÍRITO" indicaria que se trata de uma condição espiritual, não material. A imagem final é de alguém que sabe que não tem recursos em si mesma, mas que depende completamente de outro (do Outro) no que diz respeito a assuntos espirituais. Quem enfatiza a Sola Gratia quase grita "bingo!" e dá por encerrada a discussão. Eu já fiz isso. O problema é que me vinha como um espectro assombroso o texto de Lc 6.20, que repete a bem-aventurança, mas sem o "DE ESPÍRITO": Bem-aventurados os pobres, porque... (Μακάριοι οἱ πτωχοί, ὅτι...). Lucas queria falar também sobre gente "espiritualmente" pobre? Mas como o leitor saberia disso sem ter lido o Evangelho de Mateus? Há quem diga que Lucas fala de gente economicamente pobre, enquanto Mateus fala de gente espiritualmente pobre. Não me satisfaz essa saída. Ambos comunicam uma mesma fala de Jesus. Em princípio, prefiro entender que essa fala comunique coisa semelhante em ambos os registros. Mas, também, não posso obrigar Lucas a ter escrito o que não escreveu!
Meu problema estava estacionado por aí há anos quando uma amiga me perguntou: O que você acha que é POBRE DE ESPÍRITO? Eu reproduzi minimamente o que está no parágrafo acima, e disse que tinha encontrado um artigo que parecia interessante. Quanto o lesse, transmitiria alguma informação nova. Demorei meses para encontrar tempo para a tal leitura. Mas, enfim, chegou o dia. Primeiro, a parte técnica da coisa: Que artigo é? FLUSSER, D. Blessed are the poor in Spirit... In: Israel Exploration Journal, v. 10, n. 1. 1960. p. 1-13. Flusser basicamente encontra, nos Manuscritos do Mar Morto (especificamente, Thanksgiving Scroll, XVIII 14-15), um paralelo bastante significativo para as bem-aventuranças de Mt 5.3-5. As conclusões a que chega a partir da comparação e posterior reflexão são instigantes. Aponto somente os pontos essenciais que me parecem mais interessantes: 1) Deve-se perceber que essas bem-aventuranças se constroem a partir de Is 61.1-2 e Is 66.2. Leia e confira. 2) A formulação de um texto com a junção dessas duas passagens isoladas de Isaías, tanto nos Manuscritos do Mar Morto quanto por Jesus, se justifica por um procedimento midráshico possível somente a partir do texto hebraico, no qual as palavras que são traduzidas por "contrito", עָנִי (Is 66.2), e por "pobres", עֲנָוִים (Is 61.1) são gráfica e etimologicamente semelhantes. Bem plausível! 3) A partir do que se constrói no texto dos Manuscritos do Mar Morto e dos textos da Bíblia Hebraica que são evocados na construção, Flusser conclui que pobres diz respeito à humildade, mas também à pobreza econômica. Nesse caso, Lucas concordaria com Mateus integralmente. A expressão "DE ESPÍRITO", que, em grego, está no dativo (o que requer certa ginástica para explicação sintática), seria, conforme se nota no texto em hebraico do MMM, reprodução de uma construção do tipo construto-absoluto no idioma semítico. Não se trataria de um atributo próprio dos tais pobres, nem de uma caracterização do tipo de pobreza ("espiritual", "de espírito"), mas sim de uma referência ao Espírito (Santo) em si. Os pobres do Espírito Santo são bem-aventurados; isto é, os pobres sobre os quais está o Espírito Santo são bem-aventurados. Flusser supõe que Jesus via a pobreza em si como caminho para salvação. Discordo nesse ponto. Mas, ainda assim, parece-me possível entender que Jesus falasse dos pobres que recebe(ria)m o Espírito Santo. Não é que ricos não o recebe(ria)m, mas que os pobres, que, em si, são tidos como "desgraçados", na realidade última descortinada pelo Lógos, podem ser ditos bem-aventurados. Lucas diz a mesma coisa. Mas Mateus comunica o detalhe que faz com que tais pobres sejam bem-aventurados: o Espírito Santo. Sem o Espírito? Não é bem-aventurado, mesmo que rico. Com o Espírito? Bem-aventurado, mesmo que o mais pobre dos pobres. A vantagem dessa interpretação me parece a maior clareza na relação entre Lucas e Mateus. O leitor de Lucas teria contato com a mesma verdade, ainda que com menos detalhes. No caso da interpretação mais corrente, que eu apresentei no primeiro parágrafo, o leitor de Lucas tenderia a ler "pobres" com um sentido bem diferente daquele comunicado em Mateus. P.S. Não sei se fui claro, mas foi o melhor que pude com o tempo disponível. Clemente tem me ocupado bastante por estes dias. Conversamos. Disponibilizo arquivo com uma breve exegese que fiz do Salmo 100. O pequeno cântico parece simplesmente um convite ou exortação ao louvor, mas pode ter condensada em si uma parte considerável dos ensinamentos bíblicos. Aproveite o que julgar pertinente. ![]()
Alguém me convenceu de que devo ler as genealogias com atenção. Confesso que as saltei alguma vez. Outras, fiz leituras bastante descuidadas. Mas, de fato, dedicar atenção aos nomes dessas listas que parecem intermináveis é, no mínimo, conceder respeito às pessoas que portaram tais nomes e perceber com humildade que não começamos a carreira ontem. Há toda uma história antes de nós. Há uma multidão que fez a história chegar ao ponto em que está.
Li, então, desta vez, com mais atenção a genealogia no início do Evangelho segundo Mateus. Sem interesse pelas controvérsias sobre a harmonização com Lucas, sem interesse em repensar a já muito discutida relevância do começo em Abraão e dos marcos históricos em Mt 1.17, fui assaltado pela primeira vez por uma percepção que me faltara nas outras leituras. Josias! Sim, Josias cobrou minha atenção com uma força notável. E por quê? Bom, simplesmente porque depois de uma lista bastante ágil (com variações mínimas para a menção de Tamar - o que se repetirá com Rute - e para a caracterização de Davi como rei), lê-se: Ἰωσίας δὲ ἐγέννησεν τὸν Ἰεχονίαν καὶ τοὺς ἀδελφοὺς αὐτοῦ E Josias gerou Jeconias e os irmãos dele... Ora, se Jeconias é que vai dar continuidade à linhagem que chegará até José, por que mencionar que Josias gerou também os irmãos dele? Mesmo no caso de Jessé, que todo mundo se lembra de ter tido outros tantos filhos além de Davi, não há menção de irmãos (Mt 1.6)! Mas não foi só a aparição dessa expressão que me saltou aos olhos. Teria me chamado a atenção, mas nem tanto, se fosse a primeira vez que aparecesse. O que choca realmente é o fato de que aparecera antes em um caso muito especial. No versículo 2, lê-se: Ἰακὼβ δὲ ἐγέννησεν τὸν Ἰούδαν καὶ τοὺς ἀδελφοὺς αὐτοῦ E Jacó gerou Judá e os irmãos dele... Abraão gerou Isaque e Ismael. Mas quem interessa é Isaque somente. Ismael ficou de fora em um primeiro momento. O mesmo para Esaú, gerado por Isaque juntinho com Jacó. É a partir de Jacó somente que todos os filhos permanecem no povo de Deus. Por isso mesmo, é Jacó que será chamado Israel, nome que acompanhará todos os seus filhos. Faz sentido a menção dos irmãos de Judá por causa disso. Jacó gerou Judá e os irmãos dele, isto é, gerou todo o povo de Israel. Pois bem, tendo passado por "Jacó gerou Judá e os irmãos dele" com tranquilidade, e não vendo nada parecido até o versículo 11, ali, eu sou lembrado pelo texto de que há outro tratado como Josias, e não é ninguém menos que Jacó! Josias, então, recebe um destaque que não passa despercebido (não quando se segue o conselho de se ler as genealogias com atenção!). Um novo dado, então, soma-se na minha mente a respeito da genealogia de Mateus. Não é só o começo por Abraão que tem relevância, nem a ênfase nos marcos históricos da monarquia davídica e do exílio babilônico. Josias recebe um realce paralelo ao de Jacó. Josias se assenta ao lado de Jacó! A partir daí, vem a necessidade da especulação. Não vou acompanhar você por muito tempo nesse percurso. Apenas indico como possível caminho pensar sobre a possibilidade de que, assim como Jacó é muito importante para Mateus por ser o inaugurador de uma família inteiramente pertencente ao povo de Israel, Josias é muito importante para Mateus pela reforma narrada no segundo livro de Reis. Se é isso, poderíamos perguntar mais uma vez: por quê? Faz sentido? Talvez. Pelo menos, a especulação levanta alguma possibilidade digna de uma xícara de café, eu acho. No final, você pode (e eu também posso) preferir pensar que essas palavras aparecem ali e aqui por coincidência. Não sei. Não costumo me render tão facilmente a essa falta de graça chamada coincidência. A respeito de "HÁ UM SIGNIFICADO NESTE TEXTO?" de Kevin Vanhoozer: Recomendação e ressalvas pontuais1/13/2017 Escrevo minha recomendação sobre o livro HÁ UM SIGNIFICADO NESTE TEXTO? de Kevin Vanhoozer. Primeiro, explico de que se trata o livro e o motivo de minha recomendação. Em seguida, teço algumas ressalvas, especialmente para quem pretender mesmo ler o livro.
Pois bem, o livro é basicamente uma reflexão cristã atual a respeito da interpretação bíblica e da interpretação em geral. É atual no sentido de que não foge do confronto com teorias mais recentes a respeito da hermenêutica. É atual no sentido de que propõe soluções novas para problemas antigos. Vanhoozer não ignora o desafio proposto pela desconstrução (Derrida é sua referência primordial) ou pelo pragmatismo (Stanley Fish, nesse caso). Enfrenta também propostas menos radicais, como de Paul Ricoeur. Um ponto positivo do livro: apesar de se opor a essas propostas, o autor não o faz de modo obtuso ou surdo. Ele ouve e entende seus opositores antes de apresentar o contraponto, que não deixa de aproveitar algum elemento levantado pelos interlocutores. Essa dinâmica pode fazer como que a reflexão seja um pouco difícil de ser acompanhada por alguém estritamente ligado à teologia. (Quem leu Derrida numa graduação em teologia no Brasil?) É leitura para se fazer sentado, com caneta na mão para anotações. Na segunda parte, o livro constrói uma proposta que relaciona diretamente uma teoria da interpretação (de qualquer interpretação!) com a teologia trinitária. Pessoalmente, entendo que esse relacionamento deveria ser visto como ilustração somente, mas Vanhoozer recusa explicitamente essa perspectiva. Há, também, uma proposta quase pastoral a respeito da interpretação bíblica. A percepção da importância da humildade e da convicção (e do equilíbrio entre as duas) para o intérprete é muito pertinente e proveitosa! A reflexão é eficaz no sentido de fazer tanto os liberais quando os fundamentalistas (leia-se, no caso brasileiro, conservadores dogmáticos) repensarem um pouco suas posturas. O autor parece teologicamente conservador, mas tece críticas duras tanto ao liberalismo teológico quanto ao dogmatismo. No fim das contas, imagino que os teólogos conservadores brasileiros, se lerem o livro com atenção, dirão que Vanhoozer ultrapassa alguns limites. No geral, apreciei bastante as propostas especificamente dirigidas à leitura da Bíblia. Antes de enumerar fraquezas pontuais que percebo, anoto que minha grande insatisfação diz respeito não ao trabalho do autor, mas da Editora Vida. A tradução apresenta erros bastante grosseiros. A revisão não foi devidamente realizada. Para dar um exemplo claro, dentre os muitos possíveis, sugiro observar a seguinte frase citada na página 471: "Buscai o significado original, e todas essas relevantes aplicações serão adicionadas a você". Precisa explicar que temos "vós" e "você" (nem "vocês" é!) alternadamente? Além desses problemas, o mais grave é a substituição do subtítulo do livro. Em inglês, a obra é "Is There a Meaning in this Text?: The Bible, the Reader, and the Morality of Literary Knowledge". Esse título faz jus ao conteúdo filosófico/teológico do texto. Algum brasileiro, contudo, pensando obviamente no nosso mercado mais imediatista, quis dar uma cara de manual para a obra, que passou a se chamar "Há um significado neste texto?: Interpretação Bíblica: Os Enfoques Contemporâneos". As mais de 500 páginas do livro NÃO expõem um estudo sobre os enfoques contemporâneos. O trabalho se coloca em um momento anterior. Ele discute a própria noção de interpretação. Enfoques contemporâneos aparecem aqui e ali a título de exemplo, como elementos para a discussão. Se alguém compra o livro pensando em aprender sobre as abordagens que atualmente são utilizadas para a leitura da Bíblia, certamente vai se frustrar. Imagino que haja muitos exemplares enfeitando estantes sem terem sido devidamente desbravados. Ah, para piorar a situação, nem na ficha catalográfica aparece o subtítulo original! É como se, em inglês, o livro tivesse somente o título! Eu só descobri o subtítulo em inglês procurando o livro pelo Google. Pode piorar? Pode. Em certo ponto da introdução, o autor afirma: "De volta ao título. Os leitores mais perspicazes talvez tenham notado alusões a dois outros livros que, tomados em conjunto, mapeiam o território que este trabalho procura percorrer. A primeira alusão, no subtítulo, é à obra de Van Harvey, "The Historian and the Believer: The Morality of Historical Knowledge and Christian Belief"." Ao ler isso, percebi que havia algo errado com o subtítulo em português! Mas beira o ridículo mudar o subtítulo se, na própria obra, o autor recorre ao subtítulo original, sem reproduzi-lo. O leitor fica completamente perdido. Se não procurar o subtítulo em inglês, se não suspeitar que tem algo errado, se não souber inglês para verificar o original, simplesmente vai pensar que o autor bebeu demais quando escreveu esse trecho! Afinal, o que o negócio de "enfoques contemporâneos" teria a ver com "Morality..."? Essa falha é tão absurda que merece ser censurada de modo enfático. Depois de tanto dizer, anoto pontos que julgo que deviam ter sido melhor trabalhados: 1) O trecho dedicado à alegoria alexandrina é muito insuficiente, não refletindo nem de perto a complexidade da alegorese filoniana, por exemplo. [Aliás, avisem aos amigos tradutores: O nome em português é FÍLON e não FILO!] A mesma crítica pode ser estendida ao trecho sobre exegese rabínica. 2) A noção de Écriture (Derrida) não fica devidamente esclarecida. Para um leitor que a desconheça, suspeito que a afirmação de Derrida sobre a precedência da Écriture sobre a fala não deva parecer tão relevante quanto é para a discussão. 3) A intertextualidade (p. 164-166) parece mal vista sem tanta justificativa. Parece-me que seria melhor se ele tivesse aproveitado a noção em sua construção, em vez de desmerecê-la por receio (embora eu entenda a intenção do argumento desenvolvido). 4) Em certos momentos, as noções de identidade, mesmidade, ipseidade (Ricoeur) não me parecem muito bem articuladas. 5) Ainda sobre Ricoeur, nas páginas 128-129, uma ilustração sobre palavras escritas por ondas é usada como forma de refutar a proposta do filósofo francês. Pareceu-me muito, mas muito insuficiente. Vanhoozer ama essa ilustração. A meu ver, a supervaloriza. Mitiga o problema o fato de que, na segunda parte, Vanhoozer se mostra mais simpático a Ricouer, afirmando inclusive que a proposta do filósofo seria uma alternativa interessante (se a sua própria não fosse melhor). Sinceramente, ainda me vejo Ricouer como mais interessante. 6) Vanhoozer faz uma reflexão interessante sobre a muita relevância do gênero literário para a devida interpretação. Na página 417, sugere que as obras costumam ter "marcadores genéricos" bem no começo, como forma de guiar o leitor. Então, cita frases iniciais de diferentes livros da Bíblia. Entre elas: "Princípio do evangelho de Jesus Cristo, o Filho de Deus" (Mc 1.1). Para qualquer estudioso do NT, fica óbvio que um problemão foi esquecido aí. Se Marcos foi o primeiro Evangelho a ser escrito, e se não havia um gênero literário nominado "Evangelho", como é que dizer "Princípio do Evangelho" poderia ser considerado uma marcação do gênero do texto? Será mesmo que "Evangelho" aí indica um gênero? Se sim, nós teríamos que, quase forçosamente, suspeitar que o verso é uma inserção tardia! Mas a tradição manuscrita não nos leva para essa direção. 7) Na página 482 (e subsequentes), Vanhoozer recorre ocasionalmente a Karl Barth em sua discussão sobre a relação Escrituras - Palavra de Deus - Espírito. Infelizmente, ele deixa explícito o que aproveita de Barth, mas silencia (ou deixa quase inaudível para quem não conheça o pensamento de barthiano) os pontos de discordância. Seria interessante um diálogo mais aberto com o teólogo suíço. (De qualquer forma, percebe-se uma admiração por Barth, partilhada por mim.) Leia o livro. Reflita. Se quiser, conversamos depois. |
O autorCesar Motta Rios é teólogo. Tem Doutorado na área de Literaturas Clássicas e Medievais, com pós-doutorado na área de Filosofia Antiga. Exerce ministério pastoral junto à Igreja Luterana em Miguel Pereira - RJ. Para acessar seu currículo e encontrá-lo em outras plataformas, clique AQUI. Histórico
April 2023
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