VADE RETRO, MENTE PRETENSIOSA, QUE LIMITA A OBRA DE CRISTO! - Sermão a partir de Marcos 8.27-383/3/2021 Segundo Domingo na Quaresma – 2021 Missão Luterana em Miguel Pereira, RJ VADE RETRO, MENTE PRETENSIOSA, QUE LIMITA A OBRA DE CRISTO! Mc 8.27-38 Cesar Motta Rios O texto do Evangelho para hoje tem três momentos: a conversa de Jesus com os discípulos sobre sua própria identidade, a reação de Pedro ao ensino de Jesus sobre sua morte, e a exortação de Jesus a todos. Primeiro, então, vemos que as pessoas em geral estão incertas sobre quem é Jesus. Olham para o passado, buscando nomes que possam ajudar a entender que tipo de gente ele é, buscando nomes que possam ser esse sujeito tão especial. Os discípulos não podem mais estar confusos quanto a isso. E Pedro, de fato, olha para o que tem no presente diante de si, e acerta a resposta: “Tu és o Cristo!” É sempre bom lembrar que “Cristo” não é um nome, mas um termo comum que significa “Ungido”. Pedro diz que Jesus é o Ungido de Deus. O problema é que dizer que Jesus é o Ungido não é necessariamente entender o que o Ungido vinha realizar. O acerto de Pedro aqui vai ser ofuscado por seu tremendo erro no momento seguinte. Jesus olha para o futuro próximo, e explica o que haveria de acontecer, sua morte e ressurreição. Então, Pedro, na verdade, erra duas vezes. Erra ao repreender Jesus, desentendendo seu lugar de discípulo e o de Jesus como mestre. Erra também por aceitar que o Ungido de Deus não teria que passar justamente pelo momento chave de sua vinda, a sua morte em favor de todos e a ressurreição. Jesus Cristo torna a colocar em ordem a situação. O versículo precisa ser lido de novo: “Mas Jesus, voltando-se e vendo os seus discípulos, repreendeu Pedro e disse: — Saia da minha frente, Satanás! Porque você não leva em consideração as coisas de Deus, e sim as dos homens.” Nós focávamos somente em Pedro e Jesus, porque Pedro tinha chamado Jesus a se afastar, mas Jesus olha para os discípulos enquanto fala com Pedro. A repreensão é para ser considerada por todos eles, por todos nós, também. E Jesus repreende a Pedro, diz o texto. Não repreende a Satanás. Mas usa o nome “Satanás” para enfatizar a radicalidade da oposição de Pedro ao plano divino. (Não se deve pensar aqui em possessão. No máximo, há a possibilidade de se pensar numa obsessão demoníaca.) A frase é tão conhecida a partir da tradução de Jerônimo: Vade Retro me! (Mais popularmente, dizemos Vade Retro, simplesmente.) Afasta-te, vai para trás, sai da minha frente, Satanás! Mas veja que Jesus especifica o motivo da repreensão. E não é motivo ligado a uma mente diabólica necessariamente, mas a uma mente humana, que se esquece de suas limitações: “porque não consideras as coisas de Deus, mas as coisas dos seres humanos!” Lembra-nos muito bem daquilo que Paulo diz aos coríntios: “A sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus” (1 Coríntios 3.19). Lembra Isaías que traz a mensagem de Deus: “Os meus pensamentos são mais altos que os teus pensamentos...” (Isaías 55.9). O Ungido de Deus, o Deus humanado, precisa colocar o mero ser humano Pedro, os discípulos, o ser humano em geral, em seu lugar. De fato, o plano de Deus, para a razão humana sozinha, só poderia ser tido como insanidade. “És o Cristo.” – diz Pedro. Mas – talvez quisesse acrescentar - o Cristo que queremos que sejas não é isso, não é um que morre vergonhosamente, que é tão paciente, mas um que enfrenta e vence diretamente tudo e todos. Não um Cristo que aceita ser feito chacota no Carnaval, talvez, mas que revida com um vírus mortal? É o que queremos? Não um Cristo que se cala diante da Porta dos Fundos, mas um que fecha definitivamente para eles a Porta do Céu? É o que queremos? A vitória, na mentalidade humana, tem uma via muito clara. Deus tem outros planos: “Ainda é tempo de ir e contar que morri por eles também.” Ao ser humano cabe escutar o que diz Deus, não ditar a Deus como deve ser. Ao ser humano cabe reconhecer sua limitação e não limitar a Deus. Será que nossa mente ainda nos faz vacilar nisso às vezes? Será que ainda não aceitamos a radicalidade do amor de Deus revelado em Cristo na cruz? Será que queremos colocar limite a Cristo, como que selecionando para quem sua obra vale e quem fica de fora? Desejando que alguns sejam salvos, mas que outros sejam punidos severamente e sem misericórdia, sem serem alcançados pela Palavra do perdão? Separando pessoas aptas e inaptas? Por exemplo: Alguém disse recentemente: “As pessoas não aceitam o Evangelho por não quererem deixar seus pecados favoritos”. Mas lembremo-nos bem: todos nós estávamos “mortos em delitos e pecados” (Efésios 2.1). Não queríamos largar pecados, mas estávamos imersos neles. E o que acontece? “Pela graça sois salvos, mediante a fé, e isto não vem de vós. É dom de Deus. Não por obras, para que ninguém se glorie” (Efésios 2.8-9). Deus fez tudo e não há diferença entre uns e outros que possamos reconhecer. Ah, mas para a mente humana que quer distinguir isso é um escândalo! Cristo morreu por todos. Cristo morreu pelas pessoas ímpias. Nossa única opção, estando em integridade unidos a ele, é, como Igreja, anunciar isso a todos, é querer, como ele quer, a salvação de todos, e não a perdição. E, se nossa mente nos faz achar isso absurdo em certas ocasiões, se nos revoltamos internamente, nós precisamos também escutar o vade retro. “Afasta-te, sai do meu caminho, mente pretensiosa, porque isso não é mesmo coisa humana, que a mente humana sozinha possa acompanhar. Escuta a voz de Cristo. Ele – só ele - é o mestre.” E se insistimos em discordar, Cristo deu a resposta: “Negue-se a si mesmo”. Como diz o apóstolo Paulo, levando todo entendimento cativo à obediência de Cristo (2 Coríntios 10.5). Amém.
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O autorCesar Motta Rios é teólogo. Tem Doutorado na área de Literaturas Clássicas e Medievais, com pós-doutorado na área de Filosofia Antiga. Exerce ministério pastoral junto à Igreja Luterana em Miguel Pereira - RJ. Para acessar seu currículo e encontrá-lo em outras plataformas, clique AQUI. Histórico
April 2023
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