26º Domingo após Pentecostes – 2018
Comunidade Luterana da Cruz – Porto Alegre, RS SOBRE PEDRAS E O FIM DAS COISAS COMO AS CONHECEMOS Mc 13.1-13; Sl 16; Dn 12.1-3; Hb 10.11-25 Cesar Motta Rios O discípulo fica impressionado com a arquitetura em Jerusalém. Não é difícil entender. Vindo de um grotão lá na Galileia, ele viaja para ao centro do (seu) mundo e se depara com as grandes construções de Herodes. É de entusiasmar mesmo. Não foi só esse discípulo que reagiu assim. Aquelas construções monumentais, incluindo a reforma e expansão do Templo, o único lugar em que os judeus deveriam oferecer sacrifícios, funcionavam como promotoras de uma das atividades que mais movimentavam a economia de Jerusalém: a peregrinação religiosa. Quando viajamos e vemos edificações famosas de perto pela primeira vez, nós também ficamos impressionados (exceto em alguns casos, que decepcionam, claro). E, como nós, o discípulo expressa sua admiração. Nós postamos fotos com comentários vibrantes. Ele exclamou: “Que pedras! Que edificações!”. E ele comenta isso com o líder do grupo, com o Mestre Jesus. Mas Jesus não está no mesmo entusiasmo. Ele vê as coisas por uma perspectiva diferente. Então, responde: “Não ficará pedra sobre pedra!” Depois de uma breve caminhada, o grupo se encontra no monte das oliveiras. De lá, olhando para a cidade, veem o mesmo Templo em que haviam estado há pouco. Alguns dos discípulos ainda estão intrigados. Sabem que Jesus tinha falado de uma destruição do Templo, e querem mais informação, querem saber quando e como. A resposta é longa. Vai além do trecho que lemos hoje. Jesus começa a expor fatos que antecederiam e permeariam a destruição do Templo em 70 d.C. pelo general Tito, que haveria de se tornar imperador posteriormente. Mas a resposta vai além, além do fim do Templo para chegar ao fim dos tempos. Vamos nos dando conta - e os discípulos também – de que Jesus valoriza aquelas pedras de modo diferente justamente por conhecer a realidade de modo diferente, mais amplo, mais completo. Não é que as pedras, umas sobre as outras em sólidas construções, não tenham nenhum valor. Não é que não tenham utilidade. Acontece somente que, vistas a partir de uma história que vai além da história humana simplesmente, elas têm um valor bem mais limitado. Quando nos voltamos para o texto de Hebreus também lido hoje, vemos já uma parte da realidade antes oculta bem exposta ao povo de Deus. Não há mais sacrifícios periódicos no Templo, mas um só sacrifício, o de Cristo na cruz do calvário, concede perdão suficiente para todo pecador. Então, cada pessoa cristã é convidada a viver uma relação de proximidade com Deus, não mais aproximando-se de um Templo feito por mãos humanas, mas espiritualmente, como se entrasse mesmo no mais santo lugar. Há um novo caminho disponibilizado por Jesus Cristo. Há uma nova situação. A radicalidade dessa nova situação já faz com que aquele Templo de pedra sobre pedra perca parte do encanto que tinha. Não vamos até lá para nos encontrarmos com Deus, mas nos encontramos com Deus sem qualquer deslocamento ou custo (de nossa parte). E os últimos três versículos do trecho nos dão parâmetros importantes para uma vida nessa realidade providenciada por Deus através de Jesus. Nós insistimos na confissão da esperança! Isto é, nós não nos orientamos meramente pelas circunstâncias do presente, mas ouvimos a Palavra daquele que prometeu, e confiamos nela e na realidade diferente que ela anuncia (v. 23). Nós não desconsideramos a importância de nossa ação no mundo presente por causa da esperança que temos. Essa esperança não é uma espera em inércia. Por isso, nós nos estimulamos à prática do bem, às boas obras. Portanto, enquanto esperamos confiadamente, nós cantamos, nós evangelizamos, nós fazemos bem nosso trabalho durante a semana, nós procuramos o bem das pessoas que encontramos a cada dia e auxiliamos os necessitados neste tempo que Deus nos tem dado (v. 24). E nós nos reunimos como Igreja hoje, sem perdermos de vista que estamos caminhando rumo ao grande Dia do Senhor. E é justamente o foco que temos no Senhor da Igreja que nos torna unidos e “reuníveis” (v. 25). Essa reunião se concretiza de diversas formas, em diversos momentos. De modo especial, acontece na Santa Ceia. Temos comunhão com Cristo por seu corpo e sangue; e, como Corpo de Cristo, com os irmãos e irmãs na fé. E fazemos isso com o Dia do Senhor em vista, porque nas próprias palavras da instituição apontamos para esse evento ao dizermos: “até que venha”. Agora, consideremos nosso contexto. Já não há Templo em Jerusalém, isto é, a questão já nem é essa de se comparar ou rever o valor daquelas pedras específicas. Já vivemos com clareza a gratuidade do perdão e do acesso a Deus no nosso dia a dia, de segunda a segunda, onde quer que estejamos. Podemos, ainda, aprender algo mais com esses textos? Algo mais para hoje? Eu entendo que sim. E espero conseguir demonstrar isso minimamente no pouco que resta deste discurso. Podemos aprender a considerar nossa realidade presente e visível a partir da perspectiva ensinada por Cristo. Nós não sabemos realmente tudo que ele sabia, mas, a partir do que ele disse, sabemos bastante, o suficiente para ver diferente. Podemos usar as edificações sem ver nelas um valor além do que elas têm. E isso pode valer não só para construções físicas, materiais, mas também para todas as formas de pensamento e ação humanas. Vale para posicionamentos políticos, inclusive. Nós temos ideias, temos entendimentos e os mobilizamos conforme nossa compreensão a respeito daquilo que é melhor para as pessoas em geral. E isso é bom. É o que se faz com essas pedras. Nós as usamos enquanto estamos vivos por aqui. Mas, por vezes, divergimos uns dos outros, inclusive de irmãos na fé em Cristo. E, já que estamos falando em pedras, podemos reconhecer que somos até mesmo tentados a jogar pedras uns contra os outros. Então, torna-se especialmente importante considerar as coisas pela perspectiva correta. Se vemos o mundo limitado à história presente, ao que Paulo chama de presente século, nossas concepções podem parecer ter um valor além do que realmente têm. Podemos chegar ao ponto de perder de vista a comunhão que temos com as outras pessoas. Por outro lado, se olhamos a história presente, a vida como está diante de nós, a partir da perspectiva de Cristo, tendo em mente que tudo se encaminha para a Sua volta, para um tempo de plena e definitiva reconciliação da criação com o Criador, entendemos que as essas construções humanas, úteis de momento, não são o que há de mais valioso e importante. Percebemos que a comunhão que temos com Cristo e com os irmãos e irmãs na fé como Corpo de Cristo tem valor eterno, não passageiro, condicionado às nossas circunstâncias. Assim, mesmo discordando e defendendo nossas perspectivas atuais, o que é parte da vida cidadã, nós não encontramos nisso um caminho de desavença em nossa vida como Igreja cristã. Em Cristo, escreve Paulo, já não há homem ou mulher, grego ou judeu, escravo ou livre (Gl 3.28). Em Cristo, já não há gente de partido tal ou de partido tal. Em Cristo, há pecadores justificados. Gente que caminha e tropeça. Acerta e erra. Mas, sempre, mesmo assim, gente que é perdoada e que, pela obra de Jesus na cruz, tem comunhão real com o Senhor do Universo. Como querida família de Deus, somos convidados à mesa do Senhor mais uma vez. Mais uma vez, vivenciamos a comunhão, a reconciliação, o perdão - tudo o que Cristo nos dá. E podemos dizer sobre nós mesmos e sobre nossos irmãos em Cristo, aquilo que diz o apóstolo Paulo: “Porque estou certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor!” (Romanos 8.38-39). Amém.
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No seguinte link, uma exegese de Lucas 12.13-21 preparada por mim:
https://www.academia.edu/37761391/EXEGESE_DE_LUCAS_12.13-21 Espero que possa servir de auxílio para alguém. No início de dezembro, vou a Boa Vista (Roraima) para ministrar duas palestras sobre hermenêutica contemporânea. Será uma oportunidade de vislumbrar as mudanças na hermenêutica no último século e entender as diferentes abordagens ainda em voga hoje. ESPERANÇA DA VIDA MESMO EM MEIO À MORTE
Cemitério Jardim da Paz – Porto Alegre - RS Finados no Senhor - Ap. 7.13-17 Cesar Motta Rios Em um dia como este, nós paramos a correria normal da vida e nos lembramos dos nossos que já partiram. Em meio a túmulos e lembranças dos que já não estão entre nós, enfrentamos a realidade da morte. “Por que é assim?” ou “Por que tem que ser mesmo assim?” – nós nos perguntamos interiormente. E a história do mundo, assim como as histórias de nossas famílias, só insiste em responder: “É assim que é!”. Se nos lembramos de que Deus nos fala sobre isso, procuramos nas Escrituras alguma orientação para nosso olhar vago, confuso ou mesmo desesperado diante desse fim que parece não ter remédio. E o que encontramos? No começo da nossa leitura, ainda no Gênesis, vemos Adão e Eva desobedecendo a Deus. E a morte entra no mundo! O Criador fecha, então, o jardim do Éden para que o ser humano não comesse da árvore da vida, e vivesse para sempre (Gn 3.22-24). A árvore da vida está lá, mas o jardim está interditado, está fora do alcance de qualquer pessoa. Parece um “não” para a vida! E a morte vence. Se não pararmos nossa leitura nesse trechinho do Gênesis, logo encontraremos promessas de que essa situação não ficaria assim para sempre. Desde o próprio Gênesis (3.15), passando pelos Salmos e chegando aos profetas, escutamos Deus sinalizando uma reviravolta: Ele enviaria um Salvador, que mudaria tudo isso. Então, nos Evangelhos, nós vemos o Salvador em ação. Vemos como morre na cruz em favor de todos, no nosso lugar, para dar “vida em abundância”, como ele mesmo disse (Jo 10.10). Por fim, chegamos ao último livro da Bíblia, o Apocalipse. Lá, Deus nos conta algo muito importante sobre vida e morte. Vocês se lembram que nossa caminhada pela Bíblia começou com o jardim do Éden interditado para que o ser humano não comesse da árvore da vida? Pois então, no Apocalipse, lemos que Jesus Cristo, aquele que morreu por nós, dará de novo acesso à árvore da vida a todos aqueles que lavam suas vestes no seu sangue (Ap 22.14; Ap 7.14). Lavar as vestes no sangue de Cristo é simplesmente confiar que temos perdão do pecado por causa do sangue que ele derramou na cruz. Por causa disso que Ele fez por nós, Ele retira a interdição e diz: Comam da árvore da vida! A morte não é, então, o fim. Não é um ficar de fora de tudo. Jesus Cristo nos encontra e conta que podemos ter vida para sempre. A ressurreição de Jesus, que nós comemoramos tão festivamente na Páscoa, anuncia para nós que também nós ressuscitaremos. Por isso, se olharmos o fim da vida só pelo que somos sozinhos, humanos tão perecíveis, teremos em mente somente túmulos, saudade, ausência. Mas, se olharmos o fim da vida pelo que Cristo fez e faz por cada um de nós e de cada pessoa, nós veremos ressurreição e vida eterna.[1] Mesmo assim, nós nos assustamos com a morte. Claro. Há uma tristeza. Há muita saudade. Há incerteza. Há receio. Isso tudo vem a nós quando pensamos nas pessoas queridas que faleceram, e também nas outras que vão falecer e em nós mesmos. Não gostamos de enfrentar algo desconhecido. E, para nós, a morte é um passo em direção a algo totalmente estranho, sem explicações claras. E o que fazemos quando estamos assim? Nós podemos orar. Aprendemos que podemos orar em todas as nossas dificuldades. E eu queria compartilhar com vocês uma oração ensinada por um pastor que viveu no século passado. É assim: [Senhor Jesus,] 'Se um dia eu tiver que partir, não partas tu de perto de mim'. Tu és aquele que veio a este meu mundo passageiro e suportou por mim os poderes do pecado, sofrimento e morte. Tu queres ser meu companheiro e irmão agora que meu tempo se acaba, e eu preciso cruzar o portal, sozinho e sem qualquer bagagem, aonde nem mesmo a pessoa que me é mais querida pode ir, exceto tu, que és o Senhor tanto do tempo quanto da eternidade. [Amém.][2] Amados e amadas de Deus, mesmo que ainda inseguros e incertos de tantas coisas, mesmo que ainda angustiados com saudades que parecem não ter fim, nós podemos, em oração, olhar para as promessas de Deus e saber: Jesus Cristo é nosso bom pastor. Ele estará sempre por perto quando passamos por caminhos sombrios e assustadores. Jesus Cristo é o nosso pastor, e nada faltará a nenhum dos que nele esperam, nem mesmo depois da morte. Por isso nós pudemos ler no Apocalipse sobre os que esperam em Cristo: “Jamais terão fome, nunca mais terão sede, não cairá sobre eles o sol, nem ardor algum, pois o Cordeiro que se encontra no meio do trono os apascentará e os guiará para as fontes da água da vida. E Deus lhes enxugará dos olhos toda lágrima” (Ap. 7.16-17). Amém. [1] Isso me vem de Karl Barth. [2] Isso me vem de Helmut Thielicke. |
O autorCesar Motta Rios é teólogo. Tem Doutorado na área de Literaturas Clássicas e Medievais, com pós-doutorado na área de Filosofia Antiga. Exerce ministério pastoral junto à Igreja Luterana em Miguel Pereira - RJ. Para acessar seu currículo e encontrá-lo em outras plataformas, clique AQUI. Histórico
April 2023
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