A pedido de um amigo, eu gostaria de tecer algumas ressalvas ou observações sobre afirmações comuns sobre a definição do cânone do AT. Afirmação 1: Havia duas coleções de rolos sagrados organizadas pelos judeus – uma na Palestina, com 39 livros, só os escritos naquela região, e outra de Alexandria – chamada Septuaginta, e que tinha livros a mais escritos em grego fora da terra santa? Essa ideia de dois cânones tem alguns problemas. Aliás, tem muitos problemas.
Afirmação 2: A Igreja usou a LXX por ser a tradução disponível em grego. O judaísmo se limitou ao cânone menor. Parece-me que sim quanto ao Pentateuco e, mesmo desgostando da aplicação do nome Septuaginta aqui, reconheço que, por movimentar-se inicialmente em grego, a Igreja parece ter se ocupado dessa vasta gama de textos judaicos escritos em grego. Curiosamente, e felizmente, isso fez com que muitos textos judaicos fossem preservados, já que, de outra forma, não seriam, visto que foram desprezados pelo judaísmo rabínico-sinagogal que ia se fortalecendo e ampliando sua influência. Afirmação 3: Lutero optou pelo cânone mais restrito. A Igreja Romana confirmou o cânone mais amplo. Isso. Lutero optou pelo cânone mais restrito. Mas deixou os outros livros no mesmo volume – com nota informando a diferença de valor/qualidade. A Igreja Romana confirmou o cânone mais amplo. Aqui, tem protestante que usa de uma artimanha que não me agrada. Aproveitam que foi só no século XVI que a Igreja Romana definiu mesmo o cânone e se adotou o termo “deuterocanônicos”, para dizer que esses livros só foram acrescentados nessa ocasião. Claro que não é o que aconteceu. Trata-se de uma confirmação de algo que já era prática. Uma leitura dos Pais da Igreja deixa claro que vários deles usavam esses livros constantemente. Eu sei que tenho mais problemas que soluções. É a esse ponto que me conduz a reflexão. Parece meio sem saída. Pois é. Ainda que não tenha dado nada de substancial para substituir as afirmações comuns, espero que essas provocações sirvam para indicar possíveis caminhos para pesquisas futuras, para quem tem fôlego para prosseguir nesse caminho. Considero que meu papel não é só oferecer respostas, mas também (e, em casos, só) ajudar a perceber que certas respostas alheias ainda são insuficientes. Se puder ajudar mais, perguntem! Se discordam, comentem! Abraço!
1 Comment
1/26/2024 04:04:55 am
Muito bom mesmo seus comentários em forma de proposições e consequentemente ensejando caminhos de pesquisas que eventualmente possam acontecer. Em suas respostas fica claro que o seu maior cuidado gira em torno de algumas informações trabalhadas por alguns e que não atém a possíveis leituras equivocadas e por um simples razão. Não se blindam no sentido de incorrerem em um certo ANACRONISMO.
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O autorCesar Motta Rios é teólogo. Tem Doutorado na área de Literaturas Clássicas e Medievais, com pós-doutorado na área de Filosofia Antiga. Exerce ministério pastoral junto à Igreja Luterana em Miguel Pereira - RJ. Para acessar seu currículo e encontrá-lo em outras plataformas, clique AQUI. Histórico
April 2023
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