19º Domingo após Pentecostes – 2019
Comunidade Luterana Concórdia – São Leopoldo, RS PEREGRINOS E CONFIANTES, PORQUE VALE A PENA Salmo 121 Cesar Motta Rios “O meu socorro vem do Senhor, que fez o céu e a terra” (Sl 121.2). Essas palavras são tão conhecidas, mas nós pouquíssimo sabemos sobre o contexto em que foram escritas. O Salmo 121 é cheio de mistérios. Quem só gosta de respostas claras e definitivas a respeito de cada detalhe deve preferir outros textos. Uma parte considerável dos estudiosos entende que se trata de um cântico de peregrinação, que seria entoado por grupos que se achegavam a Jerusalém, vindos de outras cidades e vilas. É um canto de caminhantes. Mas não de caminhantes sem rumo, não de andarilhos que vagueiam para onde quer que a oportunidade os leve. É um cântico daqueles que sabem aonde vão, porque vão procurar o Nome do Senhor. Essas são as pessoas peregrinas que, no Antigo Israel, iam a Jerusalém para se achegarem ao Templo. No início, temos as montanhas. Há quem suponha que seja já uma referência aos montes de Jerusalém, avistados na chegada. Mas podem ser quaisquer montes vistos pelo caminho, já que passariam por uma região montanhosa. Mas, por que ele olha para esses montes? Uns entendem que haveria uma lembrança de que os montes eram usados como lugares para altares dedicados a falsos deuses. Então, quando o poeta diz que olha para os montes, mas pergunta: “De onde me virá o socorro?”, ele estaria indicando que não aceitava que desses falsos deuses que viria o socorro. Perguntaria de onde para afirmar a verdade firmemente: “O meu socorro vem do Senhor, que fez o céu e a terra.”. Que essa finalidade cultual dos montes esteja em vista na composição não é seguro. Pode ser o caso de olhar para os montes na incerteza do que vem detrás deles. Quando você anda em meio a colinas e montanhas, sempre há a expectativa de saber se o que há detrás da próxima crista, principalmente se você está em viagem e relativamente desprotegido. O que vem atrás da próxima montanha eu não posso saber. Só tenho expectativa. Vem algo perigoso? [Em Minas, a gente vive isso com mais frequência, talvez. Quando criança, já me aconteceu. A gente vai andando num pasto e fica pensando se, depois da linha do próximo morro, tem gado bravo ou não.] Vem alguma ajuda quando preciso? [No caso da ajuda, lembro-me de uma cena de O Senhor dos Anéis – as duas torres, quando Gandalf chega para o socorro em uma batalha praticamente perdida.] Não importa tanto a função desses montes, o fato é que tudo - sejam deuses ou sejam as vicissitudes da vida, as incertezas do que vem – eles não têm a força de tirar o poeta da sua firme confissão: “o meu socorro vem do Senhor”, afirmação que está de acordo com o primeiro dos Dez Mandamentos. Assim como caminha com rumo bem definido, o peregrino tem uma concepção bem definida sobre sua realidade. Sua ação de caminhar para o Templo reflete seu entendimento. Seu entendimento é de que ele é cuidado pelo Senhor, “que fez o céu e a terra”. Após essa afirmação pontual, aparecem as consequências. Se meu socorro vem do Senhor, e se esse Senhor é aquele que fez céu e terra, isto é, a totalidade das coisas, ele vai cuidar de mim em todas as situações. Agora, observe que há uma curiosa mudança de pessoa nos versos. Os versículos 1 e 2 tem um “eu” que pergunta e responde. Os versículos seguintes são dirigidos a um “tu”. Há quem pense que se trata de um diálogo interior. Mar podemos entender isso assim: Para esse “eu” que pergunta e faz a afirmação categórica sobre Deus, outra pessoa ou outras pessoas afirmam ama série de desdobramentos dessa verdade: 3 e 4: “Ele não permitirá que os seus pés vacilem; não dormitará aquele que guarda você. É certo que não dormita, nem dorme o guarda de Israel.” Esse que te socorre te socorre bem e não tem limite de tempo ou de capacidade. Ele pode cuidar de você o tempo todo e sem falhas. 5: “O SENHOR é quem guarda você; o SENHOR é a sombra à sua direita.” Se vem do Senhor o teu socorro, isso significa que o guarda de Israel (v.4) é o teu guarda. Não é só do povo como um todo, mas de cada voz que clama, e está próximo de cada um. 6-7: “De dia não lhe fará mal o sol, nem de noite, a lua. O SENHOR guardará você de todo mal; guardará a sua alma.” Lembra do cuidado do Senhor com o povo no Êxodo, na travessia pelo deserto. É esse mesmo Deus, que já cuidou de seu povo e o levou ao destino naquela ocasião, que continua cuidando de você também. 8: “O SENHOR guardará a sua saída e a sua entrada, desde agora e para sempre.” Esse cuidado não é dado num lugar somente, mas em cada momento, ocasião e ação, na totalidade de sua vida e para sempre. Querida família de fé, não é sem motivo que, no livro de Atos, a fé cristã é referida como Caminho. Cada pessoa cristã sabe que está a Caminho. Não tem um desejo louco por permanecer, mas quer prosseguir até o alvo. Cada pessoa cristã é peregrina nesse sentido. É cuidada pelo Senhor na sua caminhada, tanto com o pão de cada dia, quanto com o pão espiritual, sendo nutrida com Palavra e Sacramento. Cada pessoa cristã quer olhar para os que caminham ao lado e dizer o que o Salmo 121 diz. Gosto mesmo de pensar que essas palavras (v. 3 a 8) são para serem ditas por todos a cada um, por toda a Igreja para cada um de seus integrantes. E podemos fazer isso confiantemente, porque Cristo é o Socorro que nos veio do Senhor, e, por sua morte, fez com que o Senhor nos cercasse com seu cuidado todo amoroso nesta vida e para além dela. Você sabe que, especialmente na Antiguidade, os cânticos tinham uma importante função de gravar no coração, de fazer lembrar daquilo que precisava ser lembrado. No caminho do peregrino, no nosso caminho, não é raro que encontremos montes atrativos (que atraem à idolatria, a nos esquecermos de Cristo como razão da vida) ou montes assustadores (pela incerteza do que vem pela frente ou pela espera demorada). Não é raro que sejamos tentados a desistir ou desanimar, principalmente, quando nossos próprios esforços se mostram ineficazes, quando achamos que tudo está errado e indo de mal a pior, quando há injustiça, quando há só pedras no caminho. Quando isso acontecer, que o Salmo 121 possa ecoar entre nós e nos fazer lembrar: não estamos parados aqui; não estamos aqui para ficar; estamos a caminho; Jesus Cristo é o nosso socorro e o nosso destino; e que isso faça cada passo valer a pena. Amém.
1 Comment
João Miu
11/4/2019 10:23:19 am
Felicito pela singela mensagem sobre um Salmo tão maravilhoso e tão atual. Os cristãos somos seduzidos diariamente por promessas de segurança e felicidade vindas de outras fontes. Quão gracioso é saber que o socorro do peregrino do "Caminho" - como bem lembrado -- vem do Senhor de toda a terra e céus.
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O autorCesar Motta Rios é teólogo. Tem Doutorado na área de Literaturas Clássicas e Medievais, com pós-doutorado na área de Filosofia Antiga. Exerce ministério pastoral junto à Igreja Luterana em Miguel Pereira - RJ. Para acessar seu currículo e encontrá-lo em outras plataformas, clique AQUI. Histórico
April 2023
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