17º Domingo após Pentecostes – 2019
Comunidade Luterana Concórdia – São Leopoldo, RS FRÁGEIS, PERDOADAS E PERDOADORAS: PESSOAS Lucas 17.1-10 Cesar Motta Rios Pessoas são frágeis. Podem parecer grandes, intocáveis e fortes às vezes. Mas são frágeis. Mesmo aquele sujeito gaúcho que sabe carnear uma ovelha com uma só mão é frágil. Parece que não. Mas, olhando de perto, ele é profundamente afetado por muita coisa da vida. Só reage de modo diferente. É fato: O que outras pessoas fazem para nós nos afeta, deixa marcas, porque somos frágeis. Quando alguém age sobre nós, isso não fica sem efeito. Lembra-nos isso das leis de Newton. A relação mecânica entre corpos. Mas somos mais do que corpos, e nossas relações são mais que simples mecânica, que possa ser previsível e padronizada por leis da física. Pessoas reagem de modo completamente diferente ao que fazem a elas. Isso fica evidente no casamento, por exemplo. Às vezes, uma pessoa diz algo que lhe parece tranquilo e sem qualquer consequência. E a outra pessoa perde seu dia por aquela frase. Não se trata só de diferença entre homens e mulheres. Há isso também. Mas há uma diferença entre pessoa e pessoa. Cada um tem sua história, sua forma de ver o mundo, suas feridas antigas. Por isso, não é o caso de julgar a reação de outras pessoas às ofensas que sofrem e acrescentar a essa ofensa mais uma condenação. Claro, porque até o nosso julgamento sobre o outro exerce uma influência sobre ele. Somos seres relacionais. O que fazemos não fica só conosco. O que dizemos não fica só conosco. Algumas vezes, em casos extremos, o que fazemos pode ter a pior das consequências: o afastamento de pessoas do caminho da fé. Essa consequência é tão terrível, que, para quem é o agente causador dela, segundo Jesus, seria melhor ter o fim trágico de uma morte por afogamento com uma pedra atada ao pescoço. A vida de fé é o que há de mais precioso, porque é a fé que leva o ser humano a uma vida eterna com Deus, além dos limites da história. Se nós formos obstáculo para que as pessoas ouçam a Palavra que dá fé, melhor seria que repensássemos nossos erros e voltássemos, porque fazemos o pior que se pode fazer. E, algumas vezes, podemos fazer isso pensando que não fazemos nada errado contra ninguém. Só estamos vivendo nossas vidas, no nosso espaço, no nosso direito. Mas, na verdade, é muito frequente que façamos algo contra o próximo. E, errando contra o próximo, não desfazemos nossa relação com ele. Não há indiferença. Na verdade, nós nos colocamos numa relação de dano com ele, numa relação de dívida e ofensa. Para refazermos nossa relação, restaurando-a à condição correta, o caminho é bem sabido: o perdão. Quantas vezes? Se vierem dizer sete vezes “estou arrependido”, perdoamos sete vezes no mesmo dia até. É o que escutamos de Jesus. O interessante é que Jesus não solicita uma averiguação da sinceridade da pessoa. Se ela disser “estou arrependido”, você perdoa. Isso, é claro, nos lembra que é Deus que vê os corações das pessoas. Nós não somos aptos a sondá-los. Agora, certamente, não é tão comum também que digamos “estou arrependido”, simplesmente. O mais comum entre nós é que digamos algo assim: “Eu errei também nisso, mas é porque... mas tal pessoa...”. Não gostamos de reconhecer a culpa como nossa somente. Queremos dividi-la. Curiosamente, nós, que temos muita dificuldade para compartilhar outras coisas nossas, compartilhamos nossa culpa com uma liberalidade incrível! Mas o ponto é que o caminho para refazer nossas relações corrompidas por ações imperfeitas é o arrependimento e o perdão, o pedido de desculpas e as desculpas dadas. Isso é difícil. É muito difícil. É muito interessante que, em sua organização desses ditos de Jesus, Lucas coloca imediatamente após essa orientação para que dessem o perdão sem grandes exigências ou limites um pedido dos discípulos: “Aumenta-nos a fé!”. Não é que necessariamente disseram tudo isso numa conversa só. Mas é significativa a organização feita por Lucas. E é verdade que, diante dessa difícil tarefa do perdão, nossa vontade sincera seja simplesmente fazer o mesmo pedido, porque precisamos de fé. Nossa tarefa parece enorme sim. Nossa necessidade do auxílio de Deus é real e urgente. Precisamos ter fé. Precisamos ser cheios do Espírito. Não vamos transplantar árvores com nossas palavras. Não vamos mover montanhas. Não vamos fazer alardes. Nem vamos ser conhecidos como heróis da fé. Mas, com fé, cheios do Espírito, vamos ver crescer em nós o fruto do Espírito. Vamos ver aumentar em nós o cumprimento dos mandamentos do Senhor. Vamos continuar na caminhada de fé, e querer outros caminhando conosco. E, no fim de nosso percurso, vamos dizer: “Somos servos inúteis. Fizemos somente o que devíamos fazer.” Por que estão aí essas palavras de Jesus que fecham o trecho do Evangelho que nós lemos hoje? Porque elas nos lembram que somos salvos e perdoados não por mérito nosso, mas pela misericórdia de Deus. Elas nos lembram da perspectiva correta; que até aquilo que fazemos de bom, nós o fazemos pela misericórdia de Deus que opera em nós. E, nessa perspectiva correta, nós podemos ver, sim, o perdão como um caminho razoável, porque sabemos que o que somos é gente perdoada. Podemos perdoar a maldade praticada pelos outros, porque reconhecemos que nós temos em nós também essa capacidade de fazer o mal, de ferir e de prejudicar. Na verdade, irmãos e irmãs, nós não somos grande coisa. Somos gente pecadora. Somos gente frágil, perdoada e perdoadora, porque Jesus quis morrer por nós e nos salvar. Amém.
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O autorCesar Motta Rios é teólogo. Tem Doutorado na área de Literaturas Clássicas e Medievais, com pós-doutorado na área de Filosofia Antiga. Exerce ministério pastoral junto à Igreja Luterana em Miguel Pereira - RJ. Para acessar seu currículo e encontrá-lo em outras plataformas, clique AQUI. Histórico
April 2023
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