5º Domingo após Epifania – 2021
Missão Luterana em Miguel Pereira, RJ OS SINAIS DE CRISTO, O CUIDADO PARA COM AS PESSOAS E A NOSSA PERSEVERANÇA EM MEIO À PANDEMIA Mc 1.29-39, Is 40.21-31, Sl 147.1-11 Cesar Motta Rios O Evangelho segundo Marcos é curto e ágil na forma como conta as ações de Jesus. Fala de João Batista, do batismo de Jesus, da tentação. Logo, já diz que Jesus prega o Evangelho de Deus, chama discípulos e entra em Cafarnaum. Mas essa agilidade não faz com que ele deixe de ser cuidadoso em seus registros. É bom ler com atenção. No trecho anterior ao lido hoje, Jesus havia ensinado com autoridade na sinagoga de Cafarnaum e expulsado um espírito imundo. Isso causa admiração e faz a fama correr. Mas é uma ação que acontece lá na sinagoga. Agora, Jesus vai para a casa de Simão Pedro e André. Ali, cura a sogra de Pedro, que estava com febre e acamada. É algo que acontece numa casa. Essas duas ações bem localizadas fazem acontecer algo maior. Gente de toda a cidade vai até onde Jesus está levando enfermos e endemoniados. No dia seguinte, a coisa se amplia ainda mais. Jesus ora de madrugada, e avisa os discípulos que, agora, iriam a outros povoados da região. E ele vai por toda a Galileia. O que começa numa sinagoga e numa casa chega a toda uma cidade, e alcança outras tantas localidades. Vai crescendo o alcance da ação, de modo semelhante ao que acontecerá com a ação da Igreja no livro de Atos: Judeia, Samaria, confins da Terra... Mas é interessante observar mais dois aspectos dessa ação de Jesus: 1) Ele realiza sinais, que vão revelando, fazendo saber que ele não é um homem qualquer de um momento qualquer. Quem prestasse atenção suspeitaria que ele é o próprio ungido de Deus. E, mais que isso somente, com suas ações Jesus mostra que sua missão como ungido de Deus é benéfica, é a favor das pessoas; 2) Por outro lado, ele não permitia que os espíritos imundos falassem dele em meio às pessoas. Isso lembra outra característica muito interessante do Evangelho segundo Marcos. Ele mostra Jesus se revelando aos poucos, mas sem deixar todos saberem quem ele é imediatamente. Há um tempo para tudo ser entendido, mas não é ali, naquele momento. Jesus tem uma missão. Ele quer chegar à cruz. Por um tempo, então, temos sinais, não declarações claras da identidade de Jesus. Já no nosso tempo, nós, como corpo de Cristo na terra, continuamos de certa forma essa missão de revelar Jesus como o ungido de Deus entre as pessoas, mostrando para elas da forma mais clara possível quem ele é e quais são os benefícios que ele concede gratuitamente: seu perdão, vida e salvação. Mas, atualmente, nos vemos numa situação peculiar e incômoda. Ironicamente, querendo proclamar essa boa notícia de Cristo, nós corremos o risco de dar sinais opostos aos que Jesus dava. Enquanto ele, que viera nos conceder uma vida livre de enfermidade, morte e pranto, revelava isso sarando e livrando do sofrimento, nós – em meio a uma pandemia - poderíamos levar pessoas a ficarem gravemente enfermas se nos mobilizássemos de forma irresponsável para proclamar a boa notícia de Cristo. É mesmo muito incômodo isso! Mas realmente poderia acontecer, se agíssemos com irresponsabilidade. Se pensássemos: “podemos fazer tudo exatamente como antes!” Então, nos vemos privados de coisas tão simples e boas como um café com conversa demorada após o culto, um filme para assistirmos juntos na igreja, um estudo bíblico sem hora para acabar acompanhado de um bolo ou biscoitos numa noite fria... Sentimos falta de muita coisa. Mas, de fato, não faria sentido falar de vida e sinalizar a morte. Essa situação nos angustia? Certamente! E ela nos faz querer pensar em alternativas, e, no fim, podemos confessar que nos perturba e cansa, porque percebemos que nossas alternativas e cuidados nos permitem avançar um pouco, mas não nos deixam fazer tudo que queríamos: o abraço de antes, a proximidade de antes, gestos e momentos tão simples, mas tão importantes para nossa vida como igreja. Com certa aflição, então, recorro ao texto de Isaías que também nos é sugerido para leitura hoje. A mensagem do profeta é dirigida a um povo que sofria e que ainda enfrentaria sofrimento. Mas diz: “Os jovens se cansam e se fatigam, e os moços, de exaustos, caem, mas os que esperam no Senhor, renovam as suas forças, sobem com asas como águias, correm e não se cansam, caminham e não se fatigam” (Is 40.30-31). Vejam que esses que conseguem continuar apesar das angústias e perturbações são simplesmente os que esperam no Senhor. Não são os que, com sua própria capacidade e engenhosidade, resolvem uma situação praticamente impossível de se resolver. Os que esperam no Senhor. Eles mudam sua força.[i] Não têm simplesmente aquela força humana que tinham. Essa confiança em Deus opera uma mudança, porque a fé não é coisa ociosa. E, com essa nova força que recebe ao esperar em Deus, o povo de Deus continua. O Salmo 147 também pode nos ajudar. Ele aponta para o grande poder de Deus, indicando de modo especial seu cuidado amoroso para com a criação. É Deus que providencia a chuva, que alimenta os pássaros, que sara os que têm corações quebrantados. Em seguida, uma observação importante nos versículos 10 e 11, que leio: “Não faz caso da força do cavalo, nem se compraz nos músculos do guerreiro. / O Senhor se agrada dos que o temem e dos que esperam na sua misericórdia.” É muito interessante que, depois de mostrar o poder de Deus e seu cuidado, o salmista mostra que o poder humano não é grandes coisas para Deus, que se agrada, isso sim, dos que o temem e esperam na sua misericórdia. Desde a Antiguidade, entende-se que esse Salmo foi composto após o retorno do povo de Deus do exílio, bem naquele tempo de reconstrução do Templo. Ele celebra, então, a verdade de que o sofrimento do povo exilado era resolvido não com força humana espetacular (que esse povo não tinha), mas por Deus mesmo. Celebra e convida todos com seus belos versos a se firmarem nessa verdade, a temerem a Deus e a continuarem confiando que Ele ama seu povo com um amor leal e eterno.[ii] Nós ouvimos hoje esse convite. E ele é para cada um de nós também. Nós, que, a meu ver, vivemos uma espécie de pequeno exílio – afastados da comunhão tranquila, da mesa partilhada, da proximidade face a face no convívio como Igreja – somos instados a nos lembrarmos e confiarmos. E podemos fazer isso juntos. Podemos, como Corpo de Cristo, motivar uns aos outros, em unidade, a olharmos para o que Deus já fez por nós, lembrando-nos do que ele certamente há de fazer. E, enquanto fazemos isso, também cuidamos uns dos outros, para que continuem e estejam protegidos. E, nessa caminhada compartilhada, vamos revelando, vamos sinalizando o amor de Cristo. (E eu testemunho pessoalmente isso em vocês da Igreja Luterana em Miguel Pereira, porque, mesmo mal conhecendo cada pessoa daqui, pude ver esse amor de Cristo, esse cuidado, essa esperança, em suas palavras e ações para com minha família.) Jesus andou pela Galileia em dado tempo, já há muito tempo, fazendo para as pessoas justamente o que Deus fazia e faz desde o início dos tempos para toda criação: cuidando e amparando, como que escrevendo em letras garrafais com suas ações: estou aqui para salvar! A ele, nós, de coração sincero, podemos certamente clamar: “Senhor, os dias são tão difíceis. Tem misericórdia de nós!” E podemos, também certamente, agradecer: “Senhor, obrigado, porque, no meio dessa turbulência toda, vemos que andas também por aqui! Há sinais do teu amor entre nós, e isso é uma dádiva incomparável!” Amém. ---------------------- [i] Esse entendimento advém de uma consideração da expressão יַחֲלִיפוּ כֹחַ, tomando o verbo חָלַף em seu sentido muito comum de mudar, alterar. O sentido de “renovar”, que, em princípio, pode ser inferido a partir do contexto (tendo-se essa alteração como espécie de renovação), mas que não é comum noutros lugares, me parece desnecessário. Mais significativo é manter a ideia de alteração, entendendo-a teologicamente. [ii] Tento, com essa formulação, fazer jus a toda a carga semântica do termo חֶסֶד, que aparece traduzido por “misericórdia” na leitura feita do versículo 11 do Salmo 147.
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O autorCesar Motta Rios é teólogo. Tem Doutorado na área de Literaturas Clássicas e Medievais, com pós-doutorado na área de Filosofia Antiga. Exerce ministério pastoral junto à Igreja Luterana em Miguel Pereira - RJ. Para acessar seu currículo e encontrá-lo em outras plataformas, clique AQUI. Histórico
April 2023
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