Conselho Distrital (Distrito Concórdia) – Dezembro de 2020 Comunidade Luterana Concórdia – São Leopoldo, RS JOÃO BATISTA E A IGREJA HOJE: BREVE REFLEXÃO Cesar Motta Rios João Batista era uma pessoa estranha, fora dos padrões. Ele sabe que é atípico, fora de série. Reconhece a si mesmo como aquele anunciado por Isaías: “Eu sou “a voz do que clama no deserto: Endireitem o caminho do Senhor”, como disse o profeta Isaías.” (João 1.23). Diferente de Mateus, Marcos e Lucas, que mencionam esse versículo como comentário próprio, é o evangelista João que anota que essas palavras foram ditas pelo próprio João Batista. Faz diferença? Faz sim. É importante que João Batista não só seja especial, mas saiba que é especial, saiba que tem um lugar numa história maior. Quando me lembro de João Batista, costumo me lembrar de um quadro incômodo. Não que eu goste da representação do profeta, que foi pintada perto do início da Reforma, na década de 1510. João Batista aparece bem diferente da imagem de homem rude e rústico que teríamos dele. É quase andrógino. É homem, mas tem traços femininos, braços tenros, cabelos sedosos, olhar meigo, com sorriso de Mona Lisa (o que não é tão estranho, já que o quadro é também de Da Vinci). Mas, de alguma forma, é uma boa representação de João Batista. Não pela imagem da pessoa, mas pelo gesto: ele aponta, e aponta para uma cruz. Isso é assim, convém dizer, na versão final do quadro; e, segundo dizem especialistas, a cruz foi acrescida posteriormente e não por Da Vinci. Se é certo, então, que alguém a acrescentou, a meu ver, salvou o quadro do ponto de vista teológico, porque o que o Batista fez foi justamente isso, apontar para Jesus como aquele que se sacrifica: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (João 1.29). Essa frase reconhece o Jesus como vítima sacrificial, ainda que, quando o disse, João Batista não soubesse exatamente o modo da morte de Jesus. Em seguida, o grande João Batista vai sair de cena. Ele cumpre seu papel, mas sabe que ele mesmo não é o objetivo da história toda: “Convém que ele cresça e que eu diminua!” (João 3.30). Ele sabe das coisas. E a Igreja hoje? Sim, ela também prepara o caminho. Agora, para a segunda vinda. Ela prepara caminho sendo, de certa forma, caminho para o encontro entre as pessoas e Deus, levando toda a Palavra (Lei e Evangelho), batizando e partilhando a Santa Ceia. Assim, as pessoas chegam ao arrependimento e o perdão chega até elas. Agora, precisamos reconhecer uma diferença (entre outras). João Batista era solitário. Formou-se um grupo ao seu redor, mas era um líder solitário, movido pelo Espírito. Nós somos muitos e precisamos agir em unidade (não necessariamente igualdade absoluta). Isso significa que precisamos dialogar e chegar a acordos. Gastamos e precisamos gastar tempo com isso. Mas sempre sabendo que isso não é o fim, o propósito em si, isto é, que a instituição em si não é o propósito final. Precisamos repetir o gesto de João Batista, apontar para a cruz, e saber que esse é o propósito, que é a isso que se dirige todo esforço. Para bem fazer isso, devemos ter ciência de quem somos. João Batista sabia ser aquele anunciado por Isaías. Ele sabia ter um lugar na história mais importante de todas. E nós precisamos saber que nós somos... não uma denominação simplesmente, não uma tradição com uns poucos séculos simplesmente, não um tanto de pessoas tentando sobreviver e fazer continuar existindo uma religião. Somos o Corpo de Cristo na Terra. Lembrando disso, podemos pensar melhor sobre nossas ações e decisões, sabendo que se trata de algo seríssimo e de algo cuidado por Deus.
Sim, é algo seríssimo e precisamos também ter a seriedade para enfrentar desdobramentos e consequências. Lembro do quadro A decapitação de João Batista, de Caravaggio. Não seria bom, talvez, terminar com essa imagem, mas quero fazer isso para lembrar que sucesso no ministério e êxito de congregações nem sempre são o que se espera que sejam.
1 Comment
Gabriel Sonntag
12/6/2019 06:07:19 am
Olá Cesar, como vai? Obrigado pela reflexão, muito pertinente em nossos dias. Gostaria de compartilhar uma reflexão que ouvi de um querido professor, Dr. Gibbs. Ele lembra que Jesus diz que entre os filhos de mulher João Batista é o maior. Ele chama a atenção para o fato de que aquele que recebe um elogio de Cristo será decapitado na prisão. Ele coloca isso com forte ênfase para falar de Discipulado, que, a meu ver, é um tema de grande relevância atualmente. Terminar falando da decapitação é lembrar que o corpo de Cristo no mundo sofreu e sofre e quando sofre é sinal de que o discipulado é fiel. O professor concluiu dizendo que no momento que João fechou os olhos na prisão na morte, reabriu-os no paraíso. Abração!
Reply
Leave a Reply. |
O autorCesar Motta Rios é teólogo. Tem Doutorado na área de Literaturas Clássicas e Medievais, com pós-doutorado na área de Filosofia Antiga. Exerce ministério pastoral junto à Igreja Luterana em Miguel Pereira - RJ. Para acessar seu currículo e encontrá-lo em outras plataformas, clique AQUI. Histórico
April 2023
|