Pentecostes – 2019
Comunidade Luterana Concórdia – São Leopoldo, RS CREIO NO ESPÍRITO SANTO At 2.1-21; Jo 14.23-31 Cesar Motta Rios O acontecimento é surpreendente. Gente simples falando - de repente! - em línguas diferentes. Fluência instantânea! Sem livros. Sem cursos. E gente de diversos lugares escutando em seu próprio idioma o que aquelas pessoas falavam. Como quase todo mundo lembra ao ler esse relato de Atos, estamos diante de uma espécie de Babel invertida. Na história da torre de Babel, quando as pessoas queriam fazer seu caminho até os Céus, Deus confunde a comunicação entre elas, diversificando os idiomas. Agora, quando Deus vai deixar claro que Ele é que constrói o caminho das pessoas para o Reino dos Céus, por meio da cruz de Cristo, vindo até os seres humanos, Ele favorece a compreensão, a comunicação, resolvendo por milagre a barreira da diferença de idiomas. A Mensagem precisa chegar, e vai chegar. Meu assunto de hoje não é tanto as minúcias desse acontecimento. Isso nós podemos deixar para um estudo bíblico no futuro. Quero conversar um pouco mais sobre o Espírito Santo atualmente, para entendermos como aquele evento no dia de Pentecostes é fundamental para a Igreja de todos os tempos; para entendermos como é importante que o Espírito tenha passado a habitar em nós. Sim, porque, antes, ele sempre agiu sobre a terra. Já no Gênesis vemos isso, na Criação. Vemos sua ação no livro de Juízes, em Davi e nos profetas, por exemplo. Mas eram ações específicas, para tarefas específicas e em pessoas específicas. Agora, é sobre “toda carne”, em todos os que creem igualmente, o tempo todo. Às vezes, pode parecer que, nas igrejas históricas, o Espírito Santo fica esperando o ano inteiro para ser lembrado no dia de Pentecostes. Mas, na verdade, a Igreja Cristã só existe hoje e sempre por causa do Espírito que veio sobre os seguidores de Jesus naquele dia de Pentecostes. No Catecismo, aprendemos que não é por nossa própria força que nós viemos a Cristo, nem por nossa própria força que vivemos a santificação ou que permanecemos na fé. Não somos construtores de uma pequena torre de Babel religiosa particular. É o Espírito que nos chamou pelo Evangelho, congregou, iluminou e santificou. E é o Espírito que continua fazendo isso com todas as pessoas cristãs. De fato, não somos repetidores de Babel, mas, isso sim, consequência daquele dia de Pentecostes. Mas vamos mesmo enfatizar o Espírito assim? Não são Palavra e Sacramentos – Batismo e Santa Ceia – que fazem a Igreja ser Igreja? Sim, mas aí também está o Espírito Santo. Segundo nossa Confissão de Augsburgo, Palavra e Sacramentos são como que instrumentos, pelos quais é dado o Espírito Santo. E Ele, Deus Espírito Santo, opera a fé conforme a vontade de Deus. Sem o Espírito Santo, não há o efeito necessário nem na própria pregação. Aqui, encontro algo precioso para pensarmos nosso tempo. Cada época apresenta seus próprios desafios para a fé cristã. Num tempo foram os leões nas arenas romanas. Noutro tempo e lugar, foram as invasões dos vikings. Noutro, a repressão de regimes totalitários. Noutro, que parece ser o nosso, o crescente convite ao ceticismo, à dúvida, à descrença. Como é possível alguém crer com a ameaça da morte por Roma? Como é possível crer e estar num mosteiro ou igreja esperando o dia em que outro barco viking aparecerá no horizonte? Como é possível alguém crer em cada situação adversa? E como é possível alguém crer no nosso tempo, questionador de verdades, destruidor de certezas, em que a descrença é tão divulgada e respeitada socialmente? A resposta já nos foi dada há pouco. Não é possível. Por forças próprias, não. Então, como é possível alguém comunicar a fé, ensinar a Palavra e fazer com que jovens creiam e vivam a fé como algo fundamental da vida. Posso pensar nos melhores recursos didáticos. Posso (e devo!) conhecer os jovens, a linguagem deles, e adaptar meus métodos a eles. Mas o efeito mesmo que o ensino da Palavra precisa ter não é alcançado pelo esforço de quem ensina. É impossível. Só o Espírito faz acontecer. Paulo sabia disso quando falava em “loucura da pregação”. Falamos a mesma língua, mas ainda há barreiras no coração humano que só o Espírito vence. E que bom que Ele faz e continua fazendo isso. Em tempos assustadores, é confortador saber que a efetividade de nossa tarefa de proclamação depende mais dEle do que de nós. Mas é só isso? O Espírito Santo só nos traz para sermos Igreja? O negócio dele é só fé e vida religiosa? De modo algum! O Espírito Santo não só nos traz para sermos Igreja, mas nos leva a vivermos como Igreja de segunda a segunda, fora da “igreja”. Tudo o que fazemos de bom depende do Espírito. Não é sem razão que as Confissões Luteranas reconhecem que “as obras são testemunho da presença e habitação em nós do Espírito Santo” (Fórmula de Concórdia, Epítome, IV, 15). É Deus Espírito que muda nosso modo de viver. Não é isso que entendemos lendo Gálatas: “Se vivemos no Espírito, andemos também no Espírito”? Sim. Pelo menos, Lutero entendia assim e eu estou com ele nessa, quando escreve em seu comentário: “onde está o Espírito, ele renova as pessoas, cria nelas novas atitudes, etc. Ele transforma pessoas que são vangloriosas, irascíveis, invejosas, etc., em pessoas humildes, mansas, amigáveis...” (Comentário a Gálatas 5.25). Ele opera em nós, para que vivamos em novidade de vida todos os dias da vida. E quando falhamos? Volto ao Catecismo: Ele nos perdoa diária e abundantemente, por causa do sacrifício de Cristo na cruz. Hoje, querida comunidade de fé, se me perguntam se acho que as pessoas cristãs podem viver uma vida melhor umas com as outras, se entendo que pessoas podem mudar, se acredito que a Igreja continua mesmo com tanta descrença no mundo, se penso mesmo que a vida de fé vale a pena, eu me lembro daquele dia de Pentecostes, lembro que, desde então, o Consolador age em todos nós continuamente, e posso resumir toda minha resposta a esses questionamentos numa só afirmação: CREIO no Espírito Santo. E, crendo, mesmo em meio às complexidades da vida e de nosso tempo, nós podemos ter a paz que Jesus nos dá, de um jeito que ninguém mais pode dar. Isso é certissimamente verdade. Amém.
0 Comments
Leave a Reply. |
O autorCesar Motta Rios é teólogo. Tem Doutorado na área de Literaturas Clássicas e Medievais, com pós-doutorado na área de Filosofia Antiga. Exerce ministério pastoral junto à Igreja Luterana em Miguel Pereira - RJ. Para acessar seu currículo e encontrá-lo em outras plataformas, clique AQUI. Histórico
April 2023
|