5º Domingo após Epifania – 2019
Comunidade Luterana Concórdia – São Leopoldo, RS QUEM TEM OUVIDOS PARA OUVIR PRESTA ATENÇÃO (NO QUE HÁ DE MAIS IMPORTANTE) Lc 5.1-11 Cesar Motta Rios Lucas, o evangelista que vem nos guiando junto a Jesus ao longo deste ano, nos leva a revisitarmos hoje uma cena muito conhecida. Basta um título para dar por certo que todo mundo se lembra do que se trata: “A pesca maravilhosa.” Mas há mais nesse texto do que o fato de Jesus ter feito com que aqueles pescadores tivessem um sucesso inesperado. Por isso, convém mesmo revisitar essas palavras várias vezes. Sempre há o que aprender ou, pelo menos, relembrar e repensar. Vamos, então, com Lucas! É uma cena de praia. Mas não é cena de férias ou diversão de fim de semana. E a praia nem é de mar de verdade. O lago de Genesaré é também chamado mar da Galileia ou Tiberíades, mas não é mar. É mesmo um grande lago. E ali as pessoas estavam trabalhando. E tinha também Jesus, que estava ensinando. Muita gente em volta dele. Afinal, como lemos na semana passada, ele tinha realizado muitas curas em Cafarnaum, cidade que fica bem às margens do lago. Simão estava na praia. E isso aconteceu depois de Jesus ter curado sua sogra e ficado em sua casa. Eram conhecidos já, mas a relação não era exatamente de mestre e discípulo ainda, pelo menos, não tão bem estabelecida. Simão e seus sócios voltavam cansados e sem êxito nenhum, depois de uma noite de tentativas frustradas. Jesus sobe no barco e ensina, falando alto, eu imagino, a partir dali, para as pessoas na praia. Pesca de peixe com redes e pesca de gente com palavras já começam a se misturar nesse gesto. Depois, Jesus manda voltarem mais para dentro do lago. Joguem as redes de novo! Eles obedecem e dá certo. Muito certo. Era peixe demais! Fim da história? Não ainda! Se fosse para prosseguir sem novidades, a história poderia terminar em um grande empreendimento pesqueiro. Mas Jesus mostra que tinha feito aquilo acontecer justamente para mudar o rumo da vida do Simão. “Serás pescador de seres humanos!” E lá vai Simão largando tudo para seguir Jesus. É bem provável que nos lembremos que esse mesmo Simão, que também é chamado Pedro, vai fazer aquele sermão no Pentecostes, com milhares de pessoas passando a seguir Jesus (At 2). Um verdadeiro pescador de seres humanos! E o que Lucas quer que a gente faça com esse texto? Quer somente que saibamos o que aconteceu, como conhecimento histórico? Ou quer que imitemos Pedro? Talvez seja isso, mas não diretamente, em detalhes. Se todo mundo deixasse suas redes para seguir a Jesus, quem pescaria peixes? Quem trataria dos dentes dos outros? Quem projetaria ou construiria casas? Não se trata de desvalorizar as mais diversas profissões. Será, então, que ele quer que só alguns imitem a Pedro desse jeito? Bom, de qualquer forma, todos podemos imitar de certo modo a disposição de Pedro. E fazemos isso. Eu queria focar no que Pedro diz nessa cena. Noutras ocasiões, ele erra (feio!) nas palavras. Aqui, vai muito bem. Quando Jesus manda jogarem as redes, ele comenta que tinham trabalhado a noite inteira e nada, mas diz que, pela fala de Jesus, fariam aquilo. É quase como se ele indicasse que a ordem não fazia tanto sentido ou não vinha em situação ideal, mas que a acataria somente por causa de quem a estava dando. Ou seja, não era por ser razoável ou sensato o que estava sendo dito, mas por causa de quem dizia. Pedro valoriza aquelas palavras por serem de Jesus. As palavras de Jesus são diferentes. Isso havia sido percebido de forma grosseira por várias pessoas no capítulo anterior, quando, ao verem Jesus expulsar um demônio, essa gente se olha e se pergunta: “Que palavra é essa, que, com autoridade, até aos espíritos imundos ordena e eles saem?” (Lc 4.36). Pedro não só fica curioso ou espantado. Ele muda a forma de ouvir quando é Jesus que diz. E não é isso que acontece ainda com as pessoas que seguem a Jesus? Se olhamos o que parece mais sensato, o que a realidade parece indicar, muitas vezes, veremos uma diferença com relação àquilo que Jesus nos anuncia. Olhamos em volta, e nos desanimamos com o rumo das coisas. Ele vem e diz que tenhamos bom ânimo. Vivemos momentos de solidão. Ele diz estar conosco todos os dias. Quando nos sentimos ofendidos, parece fazer sentido retribuir ofensa com ofensa, mal com mal. Mas Ele diz que devemos vencer o mal com o bem. Olhamos o que acontece com as pessoas de nossas famílias e amigos. Todo mundo morre um dia e deixa saudades intermináveis. A morte parece ser o fim definitivo, mas Ele diz que, definitivamente, há vida sem fim. Olhamos para as dificuldades e entendemos que precisamos procurar conforto e segurança para nós mesmos e para nossos parentes próximos. Já está de bom tamanho isso como tarefa, do jeito que anda tudo tão difícil - pensamos. Mas Ele vem e diz que devemos amar o próximo, qualquer pessoa, como a nós mesmos. Devemos até amar nossos inimigos! Aí já é de cair os butiás do bolso de um filósofo sisudo e bigodudo como Nietzsche. Isso não se encaixa com o que aprendemos por aí, com o que parece mais sensato e prático para nossos dias. Não mesmo! E o que fazemos quando a orientação de Jesus parece estranha? Relutamos? Entramos com um recurso? Não. Como Pedro, dizemos que, apesar de certa estranheza naquilo que é dito, queremos acatar o que se diz, por causa de quem o diz. Porque conhecemos aquele em quem temos crido, e conhecemos a quem temos ouvido. Por causa dEle, não discutimos. Ouvimos. Seguimos ouvindo aqui na comunidade, em casa nos momentos devocionais, em músicas, na internet, nas conversas e mesmo nos momentos de solidão. E vamos sendo conduzidos pelas palavras que ouvimos da parte dEle. E não ficamos preocupados e inquietos pensando que alguma vez não reagimos ao que ouvimos de modo adequado como Pedro? Não. Porque, enquanto nos perguntam ou nós mesmos nos perguntamos se já fizemos o suficiente, Ele diz que nos acolhe completamente de graça. Sempre ouvimos da parte dEle que nos perdoa todos os pecados, todas as falhas, por causa do sacrifício na cruz. Então, podemos, também como Pedro, reconhecer sinceramente que somos pecadores. Também fazemos isso no momento da Confissão e Absolvição no culto, fazemos isso nas nossas preces em casa quando pedimos perdão por nossos pecados, fazemos isso orando o Pai Nosso em qualquer lugar. Então, hoje, como fez Pedro em outra ocasião, quando já estava mais habituado a ouvir Jesus, podemos afirmar e confessar: “Senhor Jesus, só tu tens as Palavras de vida”. Comunidade Concórdia, família de Jesus, o que eu gostaria de trazer hoje a partir desse texto muito conhecido da pesca maravilhosa é simplesmente essa lembrança: Continuemos ouvindo a voz do Senhor. Continuemos atentos a tudo que Ele diz, tendo ouvidos para ouvir. Assim, vivenciamos a renovação da mente de que fala o apóstolo Paulo aos Romanos (12.2). Além disso, é assim que vivemos melhor – afinal, quem nos criou sabe o que é realmente melhor para nós. E é ouvindo que somos Igreja de Cristo. Uma bonita definição de Igreja diz justamente que ela é o conjunto de “pequenos cordeiros que ouvem a voz de seu Pastor, Jesus”.[1] Ouçamos a Palavra de Jesus como quem ouve o que há de mais importante para se ouvir. Porque é realmente isso que é: o que há de mais importante para se ouvir. Amém. [1] Artigos de Esmalcalde XII – Da Igreja.
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O autorCesar Motta Rios é teólogo. Tem Doutorado na área de Literaturas Clássicas e Medievais, com pós-doutorado na área de Filosofia Antiga. Exerce ministério pastoral junto à Igreja Luterana em Miguel Pereira - RJ. Para acessar seu currículo e encontrá-lo em outras plataformas, clique AQUI. Histórico
April 2023
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