FÉ CRISTÃ E SUSTENTABILIDADE Quando uma pessoa cristã é instada a pensar ou falar sobre sustentabilidade, é natural que pense imediatamente em recorrer às Escrituras. O que procurará ali? Alguns vão imediatamente ao Éden. “Ah, tudo começa num belo jardim.” Outros podem correr aos salmos e mencionar como o cuidado com as ovelhas é comparado ao cuidado de Deus com seu povo. “Veja como a vida pastoril tem seu lugar.” Alguém mais rigoroso poderá retrucar: “Jardim (ou “pomar”, que é o que o Éden é) e criação de ovelhas não representam exatamente o mundo natural, mas uma intervenção cultural, não é?” Na verdade, a plantação de um pomar enorme e a criação cuidadosa de numerosas ovelhas podem ser ações muito danosas ao meio ambiente com sua biodiversidade natural! Quer dizer que a Bíblia não serve para defender a sustentabilidade? Espere. Não é o que estou querendo mostrar. Não chegamos ao ponto. Isso quer dizer que a questão da “sustentabilidade” é de nossos tempos. Não é uma preocupação dos tempos bíblicos. Por isso, não vamos ver nas páginas da Bíblia uma orientação clara ou mesmo uma consistente e enfática defesa de todos os pontos que apoiam a noção de sustentabilidade. Mas aqui, nessa última frase, há algo que faz o assunto mudar de tom. Sustentabilidade não é simplesmente preservação de habitats naturais ou da biodiversidade. Esse é um ponto importante, mas não é o único. Sustentabilidade não é sinônimo de ecologia ou de preservação ambiental. Sustentabilidade diz respeito à conservação de recursos naturais (e aqui está a questão do cuidado com o meio ambiente), à manutenção da viabilidade econômica e à atenção ao âmbito social. Além disso, a noção de sustentabilidade requer um pensamento diacrônico. Não se trata de preservar hoje simplesmente algo. Trata-se de manter recursos para gerações futuras, de modo que também elas tenham o necessário para a vida, a organização social e econômica. Aqui está um ponto chave que não deve ser esquecido por qualquer pessoa cristã que queira pensar a sustentabilidade. Se a ideia é cuidar para que não falte para outras pessoas, estamos falando de amor ao próximo e não simplesmente de animais, plantas ou belezas naturais em geral. E, se o assunto é amor ao próximo, as Escrituras não têm que ser esquadrinhadas para se encontrar algo útil para a conversa. Essa é uma questão escriturística de raiz. Não é difícil imaginar que alguém pergunte: “Mas amar o próximo inclui amar gente que nem existe ainda?” E eu me lembro da pergunta de certo interlocutor de Jesus ao se deparar com a necessidade de amar o próximo como a si mesmo: “Quem é o meu próximo?” (cf. Lucas 10.25-37) É uma pergunta de fuga. Se eu puder dizer que meu próximo é só gente de meu povo, de minha vila, de minha família, de meu grupo sectário, reduzo o âmbito e poupo responsabilidade. Mas Jesus não autoriza a fuga. Conta a história do “bom samaritano”. A pergunta “quem é o meu próximo?” perde o sentido quando você se dispõe a ser o próximo de quem necessita. Naquele caso específico, rompem-se as barreiras étnicas imediatamente. Outras barreiras podem ruir facilmente também. Se alguém está no meu âmbito de ação, não deixa de ser meu próximo. Num mundo globalizado, minha ação no Brasil pode impactar a vida de alguém do outro lado do planeta. Essa pessoa não deixa de ser meu próximo por estar geograficamente afastada. Então, se entendemos pela ciência e pelo bom senso, que minhas ações hoje afetam a vida de pessoas que habitarão a terra nos próximos anos, preciso reconhecer que são meus próximos (em potencial, pelo menos). Curiosamente, os próximos são os próximos também. Esse é o cerne do argumento cristão quanto à sustentabilidade, a meu ver. A apreciação da criação, do cuidado de Deus para com o todo dela e tudo mais que se encontre nesse sentido nas Escrituras pode ser bem utilizado e ter seu valor. Mas isso tudo não precisa ser visto como centro do argumento, início ou fim dele, inclusive. Enriquece-o, ornamenta e preenche, mas a estrutura se sustenta mais adequadamente na lei do amor, que, não por acaso, é resumo da Lei de Deus.
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Há já algum tempo, escrevi sobre a série THE RAIN, série da NETFLIX, em uma perspectiva da religião. O título era “Religião e Cristianismo às avessas em The Rain” (disponível AQUI). Sugeri que a reversão estava no fato de o pai de Rasmus se negar a entregar seu filho à morte para salvar a todos por meio de seu sangue. Nessa leitura, Rasmus ocupava obviamente um lugar análogo ao de Cristo. Agora, a Temporada 3 da série traz de volta o impulso da aproximação. Rasmus ajuda pessoas à beira da morte a terem vida, e isso lhe traz feridas pelo corpo. A figura de Sarah, ressuscitada “pelo poder de Rasmus” forma com ele um par inicial de uma nova humanidade. Rasmus parece ser, também, um novo Adão ao lado de sua Eva. Alguém poderá sugerir que estou indo além da conta, estabelecendo relações a todo custo, forçando a barra. Mas essa pessoa teria que enfrentar o fato de que não estou sozinho nessa. É um personagem da trama, Sten, que percebe a analogia possível no que estava acontecendo (as pessoas tinham que estar absolutamente como mortas para poderem ser “curadas” por Rasmus): “Parece com Jesus. É preciso morrer para poder viver.” É óbvio que o objetivo da série não é ter um enredo alegórico. Não se trata de uma reescrita da narrativa evangélica. Há conexões. (E nem mencionei uma possível relação com a Árvore da Vida!) Assim também, pode ser que haja conexões com outras narrativas. Quando a terceira temporada se encaminha para o final, sinto um leve ar das tragédias gregas (mas escrevo antes de ver o último episódio). De qualquer forma, é interessante como, ao tratar de vida além da morte, mesmo a partir de uma Dinamarca altamente secularizada, ainda se lembre do – e até se mencione o - nome de Jesus Cristo. |
O autorCesar Motta Rios é teólogo. Tem Doutorado na área de Literaturas Clássicas e Medievais, com pós-doutorado na área de Filosofia Antiga. Exerce ministério pastoral junto à Igreja Luterana em Miguel Pereira - RJ. Para acessar seu currículo e encontrá-lo em outras plataformas, clique AQUI. Histórico
April 2023
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