7º Domingo após Pentecostes – 2021
Missão Luterana em Miguel Pereira, RJ QUEM QUER SER UM JOÃO BATISTA? Marcos 6.14-29 Cesar Motta Rios O texto que lemos traz algo que, no cinema, se chama de flashback. Na teoria da literatura, analepse. É quando uma história está sendo contada e, por algum motivo, algo do passado, anterior ao momento contado, precisa também ser mostrado, para explicar, para enfatizar, para fazer sentido o fluxo da narrativa. Os feitos de Jesus começam a ficar conhecidos. E começam a surgir hipóteses sobre quem seria essa pessoa tão especial. Herodes Antipas, governante da região da Galileia tem sua certeza: É João Batista ressuscitado. Então, para explicar essa fixação de Herodes com João Batista, o evangelista conta algo que tinha acontecido antes, mas que não tinha sido contado ainda por ele. João Batista tinha sido morto por esse mesmo Herodes, que, aliás, não é o Herodes pai, o Herodes, o Grande. Esse de agora vai parecer mais confuso e menos megalomaníaco. (Lembrando que conversamos sobre Herodes o Grande há algumas semanas.) Herodes manda prender João Batista e o motivo é claro: o profeta rude havia pisado no seu calo ao questionar sua união com Herodias. Não. O poderoso não aceitaria palavra assim. Herodias ficava ainda mais indignada. Queria o homem executado logo. Herodes relutava. Curiosamente, ele gostava de escutar João Batista. Enquanto João Batista estivesse fora de circulação, sem dizer ao povo coisas incômodas, podia ficar vivo ali, sob controle, conversando só com ele. Era um homem intrigante aquele excêntrico comedor de gafanhotos. Mas vimos a história: Herodes oferece um banquete. A filha de Herodias dança. E Herodes não cuida do que diz, fala para mais, e se compromete demais. A esposa aproveita e consegue o que queria pelas mãos da jovem filha: a cabeça de João Batista para não ter mais dúvidas: essa garganta não terá mais fôlego para dizer qualquer coisa. A menina acrescenta: que a cabeça venha num prato! Alguém pode pensar que foi requinte de crueldade. Outros podem ver o cuidado premeditado de não ter que tocar coisa tão asquerosa. Herodes titubeia, mas faz. Dito e feito, então. Resolvido. Não tanto. Ele fica com aquilo na cabeça. Sabia que o homem morto era digno e justo. Pesa na consciência. Mas deixemos Herodes com seus tormentos e olhemos mais uma vez para o profeta. Nós o conhecemos à beira do rio, simples como era, mas em plena atividade: clamando no deserto. A voz do que clama no deserto foi trancafiada. Agora, o vemos preso e sem gente a ouvi-lo na amplidão. Agora, o vemos não mais como sujeito enviado da parte de Deus, mas como objeto nas mãos de um poderoso caprichoso. E por capricho, o que fora grande profeta morre sozinho, no oculto da prisão. Nem público há. Como se fosse uma barata esmagada por alguém sozinho à noite na cozinha, João Batista recebe o golpe final. E se consuma o que antes já de praticava: o profeta não é mais voz viva, fez-se mero objeto morto, levado, trazido, dado e passado adiante. A Palavra incômoda, agora silenciada. Séculos depois, vozes clamam em nossas cidades: “Venham para minha igreja! Façam sacrifício! E comerão em belas pratarias! Terão uma vida de luxo!” Propagandeiam que quem está com Deus vive isso, sem dúvida. Algo mais sem sentido que isso pode haver? João Batista era homem de andar com Deus, de viver a vida inteira em união com seu Senhor. Não havia homem nascido de mulher maior que ele – disse Jesus (Mateus 11.11). E ele não come em pratarias finíssimas por isso. Antes, tem sua cabeça levada sobre a bandeja. “Quem quer ser um milionário?” é o nome daquele premiado filme indiano e uma pergunta que muitos responderão com outra pergunta: “Alguém não quer?”. E alguns líderes cristãos acharam que é essa pergunta, “Quem quer ser um milionário?”, que deve ser feita dos púlpitos ou “palcos”. Não é. Melhor seria perguntarmos seriamente: “Quem quer ser um João Batista?” Quem quer andar com Deus sabendo que isso pode dar em perseguição? Quem quer viver por Cristo, sabendo que isso não vai tirar toda a aflição da vida? Quem quer dobrar os joelhos e confessar pecados sabendo que não há saúde perfeita, carro do ano ou empresa próspera como recompensa por isso? Quem quer ser um João Batista? Quem quer ouvir a Palavra verdadeira, sem enganações, e não ficar confuso, e não se revoltar contra ela? Alguém pode querer visitar o próprio João Batista na prisão ainda para perguntar se ele achava que valia a pena. Façamos essa visita, ora! O que sabemos de João Batista na prisão é que ele enviou discípulos seus até Jesus para perguntarem: “És tu mesmo ou devemos esperar por outro?” Saber se vale a pena depende inteiramente da resposta a essa pergunta. João Batista sabia disso. E qual a resposta de Jesus? “Voltem e anunciem a João o que estão ouvindo e vendo: os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados e aos pobres está sendo pregado o evangelho.” (Mateus 11.4-5) Então, vale a pena. Vale sim, porque, mesmo que não tenhamos morte tranquila após longa vida, mesmo que seja morte injusta após uma vida árdua, sabemos muito bem: Vale a pena, porque é ele mesmo que haveria de vir. Foi esse Jesus, por quem eu vivi, que morreu na cruz para me dar de presente a coroa da vida eterna. Esse Jesus é o Deus que morreu por mim, mas que está vivo e me abraça, me dá um tal sentido para a vida, que nada mais pode dar. Vale a pena, porque ele é o Caminho, a Verdade e a Vida! Porque o Nazareno é o Prometido, João Batista e nós somos todos somos como Simeão, aquele do qual Lucas nos conta, que tomou Jesus infante no colo e disse o que também podemos dizer sem medo: “Senhor, agora, despedes em paz o teu servo, pois os meus olhos viram a tua salvação!” Vale a pena! Amém.
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O autorCesar Motta Rios é teólogo. Tem Doutorado na área de Literaturas Clássicas e Medievais, com pós-doutorado na área de Filosofia Antiga. Exerce ministério pastoral junto à Igreja Luterana em Miguel Pereira - RJ. Para acessar seu currículo e encontrá-lo em outras plataformas, clique AQUI. Histórico
April 2023
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