Até o ano passado, quando tinha que preparar uma homilia, usava uma estratégia semelhante à que uso para redigir textos acadêmicos. Primeiro, rabiscava um esboço num papel, organizando argumentos e tópicos. O problema é que, em geral, isso me levava a textos complexos. E complexidade adequada para texto escrito nem sempre é adequada para discurso a ser falado. Mudei o modo de fazer nestes últimos meses. Em vez de começar com papel, começo com pensamento. Estruturo todo o sermão no pensamento. Se eu não conseguir fazer isso, é porque também não vou conseguir reproduzir a reflexão oralmente sem ler o texto. Então, depois de pensado todo o texto, recorro à escrita. O texto passa a ter uma forma final, que, na verdade, não vai ser aquela a ser recebida pelos ouvintes. Antes de proferir o sermão, faço um esquema a caneta só com os passos dos argumentos básicos. É esse papel que fica no púlpito. O texto do sermão fica fechado por ali. Se estivesse à vista, seria grande a tentação de ler simplesmente. Então, o texto que foi pensado e que virou texto é, agora, falado, com a esperança de que torne a ser pensamento na mente do ouvinte. Funciona? Não sei. Sei que os textos estão muito mais simples e digeríveis do que costumam ser meus textos que já nascem na escrita. Observação 1: Não sigo estrutura retórica padrão. Observação 2: A dinâmica do discurso (inclusive na questão Lei e Evangelho) está pensada para uma comunidade específica e real. O DEUS QUE NOS CONHECE É O DEUS QUE NOS CONDUZ Sl 139.1-10, Jo 1.43-51
SER PARTE DA MISSÃO DE DEUS COMO GENTE COMUM Sl 62, Jn 3.1-5,10, 1Co 7.29-35, Mc 1.14-20
A OBRA DE SALVAÇÃO COMO DESEJO DE CRISTO E NOSSA FELICIDADE Sl 111, Dt 18.15-20, Mc 1.21-28
DEUS, AQUELE QUE CULTIVA ESPERANÇA Is 40.21-31, Sl 147.1-11, Mc 1.29-39
0 Comments
Quem sou eu? Cesar M. Rios [Ao final, está disponível um arquivo .doc com o texto do estudo, palavras usadas no passo 1 e letras das músicas.] 1. Fazemos uma grande roda. Cada um, sem ordem definida, vai ao centro e pega um papel que tem uma palavra. Ele lê e comenta se, alguma vez na vida, já sentiu que foi ou agiu conforme o adjetivo escrito. Em seguida, diz se, nessa situação, outras pessoas perceberam que ele foi ou agiu assim, ou se devem ter pensado outra coisa dele. Não precisa ser muito a respeito da situação específico se não quiser. Exemplo: MEDROSO. “Certa vez, eu tive que falar em público. Eu estava morrendo de medo. Até me atrapalhou. As outras pessoas não perceberam. Acharam que eu estava tranquilo.” 2. Escutamos a música Quem sou eu? do PG. Em grupos, conversamos sobre a letra tentando pensar a partir de três questões: O que a letra ensina sobre o ser humano? O que a letra ensina sobre Deus? Por que a frase “eu sou teu” é importante? Em seguida, os grupos compartilham a conversa com todos. (No caso de o estudo ser ministrado a dependentes químicos, vale a pena mencionar algo da biografia de PG. Seu pai foi alcoólatra e ele mesmo se envolveu seriamente com drogas.) Quem sou eu? (PG) Quem sou eu? Pra que o Deus de toda terra Se preocupe com meu nome Se preocupe com minha dor Quem sou eu? Pra que a estrela da manhã Ilumine o caminho Deste duro coração Não apenas por quem sou Mas porque tu és fiel Nem por tudo o que eu faça Mas por tudo o que tu és Eu sou como um vento passageiro Que aparece e vai embora Como onda no oceano Assim como o vapor E ainda escutas quando eu chamo Me sustentas quando eu clamo Me dizendo quem eu sou Eu sou teu Eu sou teu Quem sou eu? Pra ser visto com amor Mesmo em meio ao pecado Tu me fazes levantar Quem sou eu? Pra que a voz que acalma o mar E acaba com a tormenta Que se faz dentro de mim A quem temerei? A quem temerei? Eu sou teu Eu sou teu 3. Apresenta-se o texto Quem sou eu? de Dietrich Bonhoeffer. Antes, de ir aos versos, convém contar algo sobre Bonhoeffer e o contexto da escrita: Ele era um pastor e teólogo na Alemanha. Na época de Hitler, ele ajudou a criar uma nova igreja, que não aceitava o controle nazista. Essa igreja foi chamada Igreja Confessante. Bonhoeffer viajou aos EUA a pedido de amigos. Deveria ficar por lá. Mas voltou por causa dos parentes e amigos que enfrentavam aqueles momentos difíceis na Alemanha. Agiu contra o regime nazista, mas foi preso em abril de 1943. Dois anos depois, foi executado. O texto a ser lido agora foi escrito nesse período da prisão. Quem sou eu? Quem sou eu? Frequentemente me dizem Que saí da confinação da minha cela De modo calmo, alegre, firme, Como um cavalheiro da sua mansão. Quem sou eu? Frequentemente me dizem Que falava com meus guardas De modo livre, amistoso e claro Como se fossem meus para comandar. Quem sou eu? Dizem-me também Que suportei os dias de infortúnio De modo calmo, sorridente e alegre Como quem está acostumado a vencer. Sou, então, realmente tudo aquilo que os outros me dizem? Ou sou apenas aquilo que sei acerca de mim mesmo? Inquieto e saudoso e doente, como ave na gaiola, Lutando pelo fôlego, como se houvesse mãos apertando minha garganta, Ansiando por cores, por flores, pelas vozes das aves, Sedento por palavras de bondade, de boa vizinhança Conturbado na expectativa de grandes eventos, Tremendo, impotente, por amigos a uma distância infinita, Cansado e vazio ao orar, ao pensar, ao agir, Desmaiando, e pronto para dizer adeus a tudo isto? Quem sou eu? Este, ou o outro? Sou uma pessoa hoje, e outra amanhã? Sou as duas ao mesmo tempo? Um hipócrita diante dos outros, E diante de mim, um fraco, desprezivelmente angustiado? Ou há alguma coisa ainda em mim como exército derrotado, Fugindo em debanda da vitória já alcançada? Quem sou eu? Estas minhas perguntas zombam de mim na solidão. Seja quem for eu, Tu sabes, ó Deus, que sou Teu! Minha amiga, Carla Maria Lima Nunes me fez perceber que a música do PG tem sua origem certamente na leitura dessas palavras de Bonhoeffer. No poema, fica mais claro como o ser humano está não só surpreso pelo amor de Deus, mas também indeciso a respeito de si mesmo, incomodado com sua inconsistência. Ele não sabe quem é exatamente. Não sabe se é o que pensam dele ou o que ele mesmo pensa. Não sabe se tem sido fingido ou se está variando de momento a momento. No meio de toda a confusão, ele não encontra uma saída para se tornar uma pessoa perfeitinha, completamente segura de si olhando para si mesmo. Não é isso. Ele descansa dessas dúvidas todas confiando em Deus. A tranquilidade não está em saber de si minuciosamente, mas no fato de saber que Deus o acolhe tal qual ele é. “Seja quem for eu, Tu saber, ó Deus, que sou Teu! 4. Outra pessoa que viveu essa insatisfação olhando para si mesmo foi Paulo de Tarso. “O que quero fazer não faço” são palavras muito conhecidas dele. Vamos escutar uma música que trabalha com essas palavras do apóstolo: No porão da alma do Fruto Sagrado.No final da letra, temos: Mas é demais saber Que não importa como estou Tudo que sou tudo te dou O maior dos milagres começou Você me chama de meu filho E me dá forças pra mudar, forças pra vencer Forças pra lutar e pra vencer Só Jesus tem o poder pra me livrar Do que guardo no porão da minha alma Você é a causa do mal! O princípio de tudo, O motivo do caos Que você tanto odeia! O conflito interior não continua sem mudança por toda a vida. Há uma intervenção de Jesus para livrar a pessoa de si mesma. Mas o fim completo da tensão não acontece nesta vida. As palavras finais são importantíssimas, porque escancaram uma realidade que não gostamos de admitir: o problema do mundo não está fora de nós. Nós produzimos a maldade cotidianamente. Reconhecer isso é importante para que nos aproximemos de Deus humildemente. Nossos dilemas a respeito de nós mesmos, como demonstrou Bonhoeffer, não devem ser vistos como supremos. Há algo mais importante que isso tudo que pensamos sobre nosso passado ou presente. E é o acolhimento de Deus (sou Teu!). Esse acolhimento só é possível por causa de Cristo, que veio morrer por nós para podermos dizer simplesmente sou Teu. Paulo escreve algo semelhante em Filipenses 3.1-14. É preciso explicar que Paulo é um judeu que está sendo mal visto por muitos judeus por reconhecer Jesus de Nazaré como o Messias/Cristo. Ele perdeu muito de sua vida passada. Ele desistiu da justiça que vinha construindo. Descobriu que era insuficiente e vã. Escolheu a justiça que vem de Cristo por graça. Socialmente, sua vida ficou confusa. Nessa caminhada, ele é um ser humano imperfeito. Ele vive um dilema. Ele tem raízes arrancadas. Mas, por causa de Cristo, ele está decidido em uma coisa. Esse uma coisa do versículo 13 não é um artigo indefinido, mas um numeral 1. Ele diz que não é perfeito, e acrescenta: “Mas tem 1 coisa [que faço]”. Apesar do conflito e das dificuldades, quanto a essa 1 coisa não há dúvidas. Ela é única. Isso é certo. Voltando-nos para Cristo, podemos e devemos ter convicção. Agir como tendo uma só alma, e não uma alma dividida entre diferentes caminhos. É interessante, nesse sentido, o texto de Tiago 1.8. Podemos ler 1.2-8. Quando as traduções falam de “ânimo dobre” ou de não ter “firmeza” estão traduzindo a expressão grega ἀνὴρ δίψυχος, que significa literalmente “um homem duas almas”. Somos indecisos e confusos para muitas coisas. Quando nos dirigimos a Deus, podemos cessar com essas confusões. Vamos com confiança e certeza. 5. Oração.
cheiro de graça
Cesar M. Rios É bom lembrar que as flores têm cheiros. Tem gente que despreza esse presente da primavera. Passa por lindos canteiros e não se dá um tempinho para apreciar um pouco mais de perto, de modo um pouco mais completo. Em algumas ocasiões, mesmo apressados, somos tomados por um perfume mais impetuoso, como é o caso de uma arvorezinha chamada dama-da-noite. Você nem precisa ver a planta para saber que ela está lá. Infelizmente, também somos tomados por cheiros menos agradáveis vez por outra. Nossas cidades reservam esses desagrados. Uma escadaria com cheiro forte de urina nos faz saber que o lugar não foi usado para o fim próprio na noite anterior. Um rio fedorento nos faz reconhecer que não cuidamos bem do nosso mundo-casa. Se olhamos para as notícias que por aí circulam, sentimos também cheiro de corrupção. Opa! Aí, já estamos extrapolando os limites do sentido literal e adentrando no reino da metáfora, do sentido figurado, como dizia um certo Seu Madruga nas tardes de minha infância. Então, convém lembrar que, há quase dois mil anos, o apóstolo Paulo já aproveitava a possibilidade, dando graças a Deus por fazer conhecido o cheiro do conhecimento de Cristo por meio de nós em todo lugar. Cheiro tem mesmo uma semelhança com a disseminação da mensagem de Cristo, do perdão de Deus dado de graça. É coisa que enche o espaço e muda o ambiente com uma novidade impressionante. Agora, indo um pouco adiante na divagação, lembramos que nós, cristãos, exalamos outros cheiros metafóricos menos agradáveis também. Também cheiramos a corrupção, inimizade, rancor, discriminação. Isso é um problema inevitável em alguma medida. Nunca teremos um cheiro perfeito nesta vida. Mas podemos deixar essa situação melhor. Podemos agir. Na linguagem de domingo, diríamos que podemos realizar obras. (Mas a salvação não vem pelas obras! - Resmungou um leitor dado ao palavreado domingueiro, que obrigou a abertura destes parênteses. Eu sei. Eu sei. E concordo. Não vem pelas obras. Mas obras vêm pela salvação. Tem um texto bonito em Efésios 2.8-10, que resume muito bem tudo isso.) É bom lembrar que obra não é simplesmente atividade de igreja. Cuidar bem dos filhos ou dos pais, respeitar outras pessoas, ceder o lugar na fila, escrever um bilhete carinhoso, abraçar alguém que disso precisa etc. Há uma lista infinda de possíveis boas obras. Afinal, parece que boa obra é qualquer ação em acordo com a instrução de Deus. A instrução que Deus deu ao ser humano pode se resumir, de certa forma, em uma frase simples: “Amarás a Deus sobre todas as coisas, e o próximo como a ti mesmo”. É o que Paulo nos conta em Romanos 13.9. Não faremos isso perfeitamente, mas fazer o pouco que podemos é não só fazer boa obra, mas também viver da única forma que traz verdadeira satisfação. Talvez seja, também, a forma mais cheirosa de se viver. Ora, as obras não são causa de salvação nenhuma. Salvação é por graça. Mas as boas obras podem ser o agradável cheiro da graça. Por que não? [ao final, está disponível um arquivo .doc com este texto, imagens e letras de músicas usadas para impressão e distribuição.] A VIDA É TÃO RARA: SOBRE O TEMPO DE VIDA E A VIDA NO TEMPO[1] Cesar M. Rios 1. Cada grupo recebe seis imagens (serão as mesmas para todos os grupos). A tarefa é selecionar três das imagens para serem excluídas. A partir das três restantes, eles terão que preparar algo para dizer ao grupo: pode ser uma narrativa (uma história) que inventem na hora, uma opinião, um desabafo, um relato de algo que aconteceu a alguém, uma música de que se lembrem, um poema, um texto bíblico, qualquer coisa! (5 a 10 minutos) 2. Leitura bíblica: Lucas 12.13-21. Reflexão: Qual o problema do foco no guardar (ou no consumir)? O que se perde nessa busca desenfreada por coisas? Você já sentiu que faltou “alma” ou “vida”, capacidade de vivenciar verdadeiramente os momentos por causa de uma busca exagerada por coisas que queria adquirir ou consumir? Jesus mostra que o ser humano erra no valor que entende terem as coisas. 3. Escutamos a música Paciência de Lenine (acompanhando a letra). Em seguida, conversamos brevemente a respeito. O moderador pode ressaltar que a música ajuda a pensar como a questão do tempo de vida e do uso que se faz desse tempo pode influenciar na qualidade de vida que temos ou deixamos de ter. A pressa faz tudo ter falta de calma e o corpo ter falta da alma. E o que é uma pessoa que vive com o corpo sem alma? O compositor fala sobre recusar-se a seguir a pressa que o mundo impõe a nós. Isso é possível? Como sair do ciclo de pressa e falta de vida? Escutamos na música: “Será que é tempo que lhe falta pra perceber? /Será que temos esse tempo pra perder?”. Como parar para pensar se não se tem tempo para parar para pensar? E a cobrança de mão dupla: “A gente espera do mundo. O mundo espera de nós”. Será que falta alguém além do mundo e da gente nessa história? (A ideia é que o moderador lance perguntas e que escute os demais participantes. Com a letra da música em mãos, eles devem pensar interpretações e conexões com a vida.) Paciência (Lenine) Mesmo quando tudo pede Um pouco mais de calma Até quando o corpo pede Um pouco mais de alma A vida não para Enquanto o tempo Acelera e pede pressa Eu me recuso, faço hora Vou na valsa A vida é tão rara Enquanto todo mundo Espera a cura do mal E a loucura finge Que isso tudo é normal Eu finjo ter paciência O mundo vai girando Cada vez mais veloz A gente espera do mundo E o mundo espera de nós Um pouco mais de paciência Será que é tempo que lhe falta pra perceber? Será que temos esse tempo pra perder? E quem quer saber? A vida é tão rara / Tão rara Mesmo quando tudo pede Um pouco mais de calma Até quando o corpo pede Um pouco mais de alma Eu sei, a vida não para A vida não para não Será que é tempo que lhe falta pra perceber? Será que temos esse tempo pra perder? E quem quer saber? A vida é tão rara / Tão rara Mesmo quando tudo pede Um pouco mais de calma Até quando o corpo pede Um pouco mais de alma Eu sei, a vida é tão rara A vida não para não A vida é tão rara 4. Escutamos a música Abrir os Olhos do Resgate acompanhando a letra. A parte ruim da coisa é que estamos frequentemente perdidos em nossa rotina alucinante. A parte boa da coisa é que Deus quer ser visto. Ele quer nos acolher. Abrir os Olhos (Resgate) Corre todo dia, toda hora Em todo tempo, feito louco Dando volta, fica tonto Sem parar pra pensar Trabalha o dia inteiro, junta grana Põe no banco, paga conta Compra roupa, banca rota Um dia vai estourar Quem não volta os olhos pra Deus Acaba num cemitério antes do tempo Quem não abre os olhos a tempo Assiste ao seu velório, do pior lugar Corre todo dia, põe no banco, Dando volta, todo tempo, Junta grana, fica tonto, Um dia vai estourar! Trabalha o dia inteiro, bancarrota, Feito louco, compra roupa toda hora, Paga conta sem parar pra pensar! Quem voltar os olhos pra Deus Em qualquer lugar do mundo vai enxergar... Quem buscar a face de Deus na vida Enquanto é tempo vai encontrar! 5. Versículo final: Rom 8.18. O tempo de vida é limitado. E, muitas vezes, mais perdemos tempo nele do que aproveitamos vida verdadeira. Deus nos perdoa também isso em Cristo, que foi aquele que aproveitou perfeitamente o tempo (quando esteve no tempo). Então, nossos erros e acertos têm fim, assim como todo sofrimento e todos os dilemas. E Deus nos preparou um futuro melhor, livre dessas inquietações. Como nossa vida no tempo pode ser influenciada pelo entendimento de que há uma vida para além do tempo? Como a eternidade afeta o agora? 6. Oração. [1] Estudo compartilhado em Comunidade Terapêutica dedicada à recuperação de dependentes químicos na região do Vale dos Sinos, em 29 de agosto de 2017.
, Cesar Rios e Dionatan Ferreira
Primeiramente, vamos expor brevemente nosso entendimento sobre a oposição que Kierkegaard estabelece entre o amor ao próximo (implicado no “amarás o próximo como a ti mesmo”) e o amor romântico ou a amizade, isto é, o amor por predileção em seu livro As Obras do Amor. Para tanto, trataremos de responder a duas perguntas:1) Por que o amor ao próximo é a eterna igualdade no amar? 2) Como essa igualdade se opõe à predileção? Ao final, refletiremos sobre como essa compreensão do amor ao próximo se relaciona com a abnegação e se harmoniza com a perspectiva da teologia luterana confessional. O próximo no pensamento de Kierkegaard não é uma ou outra pessoa. O termo próximo não implica em exclusividade, que é elemento próprio da predileção. Mesmo estando no singular, ao indicar qualquer pessoa, podendo ser preenchido seu referente por todo e qualquer ser humano implica, isso sim, em igualdade absoluta. O amor a qualquer pessoa é impraticável se considerado como dependente da vontade humana, entretanto a força e a natureza eterna do mandamento habitam na expressão “deves amar ao próximo”. Nisso consiste a igualdade, no fato de que o Eterno Criador de todos ordena que cada ser humano ame a todos. Essa igualdade é violada por qualquer forma de predileção, porque ao passo em que o indivíduo direciona o amor a uma pessoa específica ou um conjunto específico de pessoas conforme sua vontade, ele produz exclusão. Ao produzir esta exclusão, o indivíduo reclama para si o direito de escolher, com o critério que lhe aprouver, quem deve ser compreendido dentro do mandamento, na presunção de estar cumprindo o que lhe foi ordenado. Ademais, para Kierkegaard, a predileção no amor visa, em última instância, o benefício próprio, uma vez que a predileção se origina das características e atitudes que satisfazem o próprio indivíduo que ama. Essa atitude de amar a todos, não cedendo lugar à predileção, obviamente contraria a vontade do indivíduo incumbido do dever de amar. Nisso reside o caráter imprescindível da abnegação para o cumprimento do mandamento. O sujeito que ama não ama conforme quer, mas conforme o deves. Sua vontade precisa ser subjugada, dando lugar à vontade de Deus. Não é incomum, em meio luterano confessional, comentários atribuindo essa afirmação e ênfase de Kierkegaard no dever necessariamente a uma influência pietista. Não obstante, essa subordinação da vontade do indivíduo à vontade divina é oriunda da leitura bíblica, estando presente, por conseguinte, também no âmbito do luteranismo confessional. Franz Pieper afirmará categoricamente: "O ser humano não é autônomo, mas está sob Deus. Nem sua própria vontade nem a vontade de outros deve determinar suas ações" (PIEPER, 1953, p. 37). Nada há de extraordinário nessa afirmação, considerando que o artigo sexto da Confissão de Augsburgo afirma: "Ensinam também que aquela fé deve produzir bons frutos e que é necessário se faça as boas obras ordenadas por Deus, por causa da vontade de Deus" (CA, art. VI - grifo nosso). É certo, contudo, que, a partir de nossa perspectiva luterana, não se deve esperar que o cumprimento do deves possa ser perfeito na presente era. Empecilhos há em nossa condição existencial que nos impedem de executar a ordem divina em sua completude. Lutero refere-se ao medo, falta de confiança e a impaciência nos infortúnios como perturbações que impedem até mesmo os santos de amarem de modo perfeito (LUTERO, 1961, p. 25). Essa imperfeição inevitável, contudo, não anula nossa responsabilidade como sujeitos ao mandamento. Em outra ocasião, Lutero afirma claramente: "Aquilo que pertence ao governo espiritual, contudo, não foi repelido, mas sempre continua ativo, como, por exemplo, as leis em Moisés concernentes ao amor a Deus e ao próximo. Deus ainda quer que essas leis sejam observadas" (LUTERO, 1967, p. 20 - grifo nosso). O amor cristão, afirma Lutero a partir das Escrituras, se estende tanto para amigos quanto para inimigos, inclusive para os que não nos tratam de modo amigável ou fraterno. Essa atitude é característica da vida Cristã e pertence ao que se entende como frutos da fé (LUTERO, 1967, p. 157). Essa afirmação nos faz lembrar do intento de Kierkegaard refletido nas seguintes palavras: Esta pequena obra propõe-se, pois, dizer o que sou verdadeiramente como autor, que fui e sou um autor religioso, que toda a minha obra de escritor se relaciona com o cristianismo, com o problema de tornar-se cristão, com intenções polêmicas diretas e indiretas contra a formidável ilusão que é a cristandade, ou a pretensão de que todos os habitantes de um país são, tais quais, cristãos. (KIERKEGAARD, 1986, apud PONTES, 2011, p. 176.) Vir a ser ou tornar-se cristão relaciona-se com o desempenhar seu papel na vida como cristão, isto é, viver a vida Cristã. Não se trata de uma pretensão de perfeição, nem de uma negligência diante do dever. Como afirma Pieper: O fato de que a santificação nesta vida sempre será imperfeita não deve ser colocado como uma desculpa para a negligência da santificação. Pelo contrário, a vontade de Deus e a vontade do cristão é que ele se esforce rumo à perfeição; ele quer ser frutífero, não somente em algumas, mas em todas as boas obras. (PIEPER, 1953, p. 33.) Ora, mesmo no contexto do claro ensino da justificação por graça mediante a fé, o deves de Deus tem sentido e precisa ser escutado/anunciado. É, isso sim, pela fé e em Cristo que se chega à possibilidade de se viver o amor ao próximo. Conforme afirma a Confissão de Augsburgo: Por isso, não se deve fazer a essa doutrina concernente à fé a censura de que proíbe boas obras; antes, deve ser louvada por ensinar que se façam boas obras e oferecer auxílio quanto a como se possa chegar a praticá-las. Pois que sem a fé e sem Cristo a natureza e capacidade humanas são por demais frágeis para praticar boas obras, invocar a Deus, ter paciência no sofrimento, amar o próximo, exercer com diligência ofícios ordenados, ser obediente, evitar maus desejos, etc. Tais obras elevadas e autênticas não podem ser feitas sem o auxílio de Cristo, conforme ele mesmo diz em Jo 15: “Sem mim nada podeis fazer”. (CA, art. XX, grifo nosso) A bem da verdade, é no enfrentamento sincero do dever cristão que o sujeito assume seriamente sua condição existencial, suas contradições e o devir cristão, negando suas próprias saídas de autoengano, apegando-se a Cristo em uma vida verdadeira no tempo presente. Há, nesse sentido, um saudável convite de Kierkegaard para uma maturidade cristã necessária e urgente. Referências PIEPER, Franz. Christian Dogmatics. Vol. 3. St. Louis: Concordia, 1953. CONFISSÃO DE AUGSBURGO. In: Livro de Concórdia: As confissões da Igreja Evangélica Luterana. Porto Alegre: Editora Concórdia; Canoas: Editora da Ulbra; São Leopoldo: Editora Sinodal, 2006. LUTERO, Martinho. Lectures on Genesis. In: Luther Works, vol. 3. St. Louis: Concordia, 1961 LUTERO, Martinho. Catholic Epistles. In: Luther Works, v. 30. St. Louis: Concordia, 1967 PONTES, Carlos Roger Sales da. Kierkegaard: pensador religioso/existencial. In: Argumentos: Revista de Filosofia, ano 3, n. 5, 2011. < http://periodicos.ufc.br/index.php/argumentos/article/view/18997>. Data de acesso: 22 de junho de 2017. QUEM BATE À PORTA? KNOCKIN’ ON HEAVEN’S DOOR E APOCALIPSE 3.14-22[1] Cesar Motta Rios - 13/06/2017 (Arquivo em PDF disponível ao final da postagem) 1) Formam-se pequenos grupos. Cada grupo recebe uma figura de porta. Tarefa: Escrever palavras (pelo menos 2) que venham às mentes olhando a imagem. Depois de dois minutos de espera, coloco a música Knockin’ on Heaven’s Door de Bob Dylan. As duplas que não tiverem terminado terão até o fim da música. 2) Compartilham-se as palavras. Cada dupla mostra e descreve a figura recebida e diz as palavras escolhidas. 3) O moderador do estudo observa que a música não é originalmente do Guns N' Roses como muitos pensam, mas do Bob Dylan. Importante observar, também, que foi composta para um filme (Pat Garrett and Billy the Kid, 1973), e que é tocada em uma cena em que um personagem é gravemente baleado. O céu aparece com cores do crepúsculo. Há toda uma tristeza comunicada por imagens e sons. Se possível, pode-se usar as imagens. Lemos a letra da música traduzida ou acompanhamos ouvindo a versão de Zé Ramalho: Mãe tire o distintivo de mim / Que eu não posso mais usá-lo / Está escuro demais pra ver/ Me sinto até batendo na porta do céu / Bate,bate,bate na porta do céu /Bate,bate,bate na porta do céu / Mãe guarde esses revólveres pra mim /Com eles nunca mais vou atirar / A grande nuvem escura ja me envolveu / Me sinto até batendo na porta do céu / Bate,bate,bate na porta do céu / Bate,bate,bate na porta do céu Comentários: A pessoa que canta se vê prestes a morrer. Aquilo que, em princípio, lhe dava segurança e autoridade nesta vida parece perder valor. O distintivo não faz mais sentido. As armas se tornam inúteis. Ele se encontra na escuridão. Sente como se estivesse batendo nas portas do Céu. E esse bater é insistente, repetitivo. Parece haver certa ansiedade. A porta não se abre? 4) Conversa: Nós também confiamos nos nossos “distintivos” e “armas” às vezes? O que seriam? Nós também nos iludimos sobre a força que temos? E como é quando pensamos no fim? 5) Será que é isso mesmo que precisamos sentir diante da morte ou quando pensamos na morte? Será que vamos ficar batendo à porta para ver se ela se abre? Antes de respondermos, vamos ler um texto que conta uma história parecida, mas com um final diferente: Apocalipse 3.14-22. Comentários: O problema do pessoal da Igreja de Laodiceia, uma cidade rica e de economia bem ativa, parece que era bem complicado. Eles eram "mais ou menos", e achavam que já eram bons demais. Se eles se vissem como carentes ou se eles fossem mesmo bons, estaria tranquilo. Se reconhecessem que eram totalmente falhos, procurariam pelo socorro de Deus com humildade. Mas não. Não percebiam. (Reler versículos 15 e 16.) Pensavam ter o que não tinham, ser o que não eram. Estavam completamente enganados. (Reler versículo 17.) Qual a solução? Não era levar essa situação confusa até as portas do Céu. Não era fingir que estava tudo bem, nem ficar agoniado se culpando eternamente. Era simples: Em vez de continuarem tocando a vida como vinham fazendo, valorizando a vida conforme os valores corriqueiros desta vida, deviam "fazer negócio" com Cristo. Em Cristo, encontrariam algo realmente valioso, e algo que lhes daria verdadeira dignidade, uma dignidade eterna e não somente uma aparência de dignidade diante dos outros. Aliás, é em Cristo que eles encontrariam, também, o remédio para enxergarem a realidade da forma certa. Eles perceberiam que "distintivo" e "armas" não são tudo que parecem ser. (Reler versículo 18) Jesus sabe que esse seu discurso é duro. É radical mesmo. Então, deixa claro seu objetivo: não aterrorizar, mas conduzir os leitores/ouvintes, redirecioná-los para o rumo certo. (Reler versículo 19) E, agora, vem a parte mais interessante de todas! Jesus deixa bem claro que esse conflito todo, toda essa situação confusa de valorizar o que não tem valor, de se iludir com as coisas, de não ser o que se pensa ser, não precisa ser levada por toda a vida e para além da vida. Não haverá assunto pendente ou incerteza às portas do Céu, porque, antes, é Jesus que vem bater à porta, querendo ter comunhão com cada um. Além do mais, ele já se faz presente com as pessoas nesta vida, para que esta vida seja vivida de uma forma melhor. (Reler versículo 20[2]) E essa vinda de Jesus à porta, para cear já com cada pessoa, faz com que não haja mais dúvida sobre se há lugar para a pessoa no Céu. Há lugar, e não é qualquer um. Quem tem comunhão com Cristo, que venceu a morte, torna-se vencedor, e não fica de fora, às portas, esperando. (Reler versículo 21) Esse texto do Apocalipse mostra uma perspectiva diferente daquela encontrada na música de Bob Dylan. Certamente, há, nos dois, uma semelhança: ambos desvelam a pequenez do ser humano, por vezes ocultada em seu cotidiano. Porém, é no texto bíblico que irrompe uma solução extraordinária, que não só aponta para uma possível realidade melhor no Céu, mas anuncia a vinda do Céu até o ser humano em vida. 6) Conversa: O texto fala sobre gente como a gente? O alerta serve para nossas vidas hoje? E Jesus batendo à porta? O que nos faz pensar? 7) Por fim, havendo tempo, escutamos a música O Jantar da Banda Resgate. Oração sugerida: Pai, agradecemos porque o Senhor não nos deixa na incerteza, ansiedade e dúvida sobre sermos ou não acolhidos por ti. Agradecemos porque o Senhor vem até nossas vidas e se faz presente. Que possamos viver melhor com tua companhia, em comunhão verdadeira contigo. Por Cristo Jesus, amém. [1] Estudo ministrado em Comunidade Terapêutica dedicada à recuperação de dependentes químicos na região do Vale dos Sinos (RS). Disponibilizado pelo responsável no blog www.cristianismoeantiguidade.weebly.com [2] Há quem veja o versículo 20 como uma mensagem predominantemente de Lei/Juízo. Eu, de minha parte, o leio como comunicando o Evangelho/Mensagem da Graça de modo belíssimo.
ESTUDO BÍBLICO SOBRE AUTOCONTROLE[1] Cesar M. Rios 1. Cada grupo (2) descreve o objeto da figura que recebeu sem utilizar a palavra “controle” ou o verbo “controlar”. [Figura 1) Marionete; Figura 2) Carrinho de Controle Remoto] 2. Perguntas: O que há em comum entre os dois? Qual o tema do estudo? Alguém faz ideia? 3. Um grupo lê o relato de Gênesis 39.6-17, enquanto outro grupo lê o relato de Juízes 16.4-21. Em conjunto, o grupo pensa como poderá contar ao outro grupo a história narrada de modo bem breve. E deve obrigatoriamente usar na “contação” a palavra AUTOCONTROLE. 4. Breve exposição do moderador: Autocontrole é parte importante da vida de qualquer pessoa. Mas é algo que se percebe mais quando falta. É como água. Você nem lembra que, geralmente, tem água disponível para beber. Mas, aí, vem a sede e acabou a água na garrafa! Como faz falta! Depois de fazermos algo movidos por um desejo que não controlamos, por raiva momentânea ou desespero, por vezes, paramos e pensamos: “Caramba! Eu devia ter me controlado!” ou “Se eu tivesse parado para pensar!”. O tal autocontrole faz tanta falta para vivermos uma vida boa, sem fazermos mal para nós mesmos e para os outros que nos cercam, que ele aparece na Bíblia de forma bem especial. Uma vez, acontece no livro de Atos (24.24-25). O apóstolo Paulo estava preso, e o governador Félix (junto com sua esposa) chama-o para que falar mais a respeito da fé em Jesus Cristo. Paulo vai lá e fala “sobre a justiça, o autocontrole e o julgamento vindouro”. Espera, chamam o sujeito para falar da fé em Jesus e ele coloca autocontrole na conversa? Deve ser coisa importante para ser cristão então! Será que só gente muito “autocontrolada” pode ser cristã? Será que o cristianismo que Paulo pregava exigia como pré-requisito para o fiel o autocontrole? Não é isso! Se lemos um trecho de uma carta escrita pelo mesmo Paulo, a coisa fica mais clara. Vamos a Gálatas 5.22-25. O autocontrole aparece nessa lista que mostra o que é o “fruto do Espírito” em nossa vida! Paulo já havia mencionado que os cristãos gálatas já haviam recebido o Espírito Santo (Gl 3.2). Agora, ele está falando de consequências do Espírito na vida prática das pessoas. Uma parte da consequência é o autocontrole. Ou seja, o autocontrole não é condição para receber o Espírito e ser filho de Deus. É uma consequência! Esse fruto do Espírito faz parte do que nós somos como cristãos (“vivemos no Espírito”) e pode, naturalmente, fazer parte da forma como agimos no dia a dia (“andemos no Espírito”). E o que podemos fazer se reconhecemos que o autocontrole, mesmo sendo fruto do Espírito, não parece perfeito em nossas vidas? Primeiro, precisamos reconhecer que a perfeição só virá nos Céus, depois desta jornada aqui. Em segundo lugar, podemos descobrir em Gl 6.7-8, que podemos semear para o Espírito, de modo a colhermos para a vida eterna. Uma forma de entender esse semear é pensar na forma como investimos atenção para as coisas do Espírito. Ou seja, podemos nos expor mais à Palavra de Deus, porque o Espírito Santo age por meio dela para produzir fruto em nós, em vez de investirmos atenção em coisas que produzem dano a nós e ao próximo. Isso tudo é uma bênção, um cuidado de Deus para nós, e não um teste que Deus aplica. Ele só quer, além de nos perdoar, nos ajudar a vivermos melhor, e não nos avaliar para nos aprovar ou reprovar. Afinal, a aprovação já foi garantida por Jesus na cruz para todos nós. É bom, então, poder viver, com ajuda de Deus, uma vida melhor. 5. Conversa livre a respeito do AUTOCONTROLE. Faltando motivação para falar, os participantes retiram versículos dispostos em papeis. Esses versículos podem sugerir rumos para a conversa. Estarão disponíveis os seguintes: Pv 12.16, Pv 15.18, Pv 19.2, Pv 16.23, Pv 17.14 e Pv 22.24-25. 6. Encerramos com uma oração, na qual reconhecemos diante de Deus nossa incapacidade de mantermos sempre o autocontrole, e também pedimos a Ele que, por meio do Espírito Santo, nos ajude a ter mais autocontrole em nosso dia a dia. [1] Realizado por primeira vez no dia 09/05/2017, em uma comunidade terapêutica dedicada à recuperação de dependentes químicos. Caso queira utilizá-lo, faça-o livremente. Julgando por bem, divulgue o blog como fonte.
|
AutorCesar M. Rios Histórico
September 2018
Assuntos
|