O HISTÓRICO E INCRÍVEL DEBATE SOBRE A VERDADEIRA IGREJA LUTERANA
Cesar M. Rios Havia, numa região longínqua perto do Uzbequistão, dois grupos que se identificavam como Igreja Luterana. Não faltavam diferenças entre eles. Pensaram, mesmo assim, em uma unificação. O plano não prosperou. Permanecia aquele incômodo duplo uso do adjetivo “luterana”. Alguém propôs (por meio de um cartaz anônimo com aspecto de zombaria) que se organizasse um duelo. Cada grupo deveria apresentar a defesa de si como melhor representante do luteranismo, de modo que, vencendo o outro, teria o direito exclusivo sobre o nome. Levaram a sério a proposta. Formaram uma comissão com representantes dos dois lados. Em pouco mais de um mês, definiram critérios, procedimentos e o juiz, um pastor ancião que haveria de vir desde a Boêmia especialmente para a tarefa. Dizia-se que era sábio e que havia conhecido Lutero pessoalmente, o que ninguém conseguia averiguar com certeza. A preparação para o debate foi ferrenha. Quase não se escutavam mais cânticos na região. As igrejas ficavam cheias de papeis e pessoas discutindo, escrevendo, sem mesmo parar para comer por horas. Chegado o dia, estava o velho pastor assentado em meio a livros, pronto a escutar os argumentos. O primeiro grupo gastou toda a manhã em sua exposição. Incansavelmente, liam e exemplificavam. Mostravam pessoas como testemunhas. Liam sermões que haviam sido pregados no último ano em suas congregações. Exibiam ordens litúrgicas. Marejavam os olhos de emoção ao se referirem às réplicas de quadros de Lucas Cranach que adornavam muitos de seus lugares de culto. O outro grupo se apressou a começar sua defesa imediatamente, mas o juiz, já exausto, pediu para almoçar primeiro, não sem antes demonstrar que ficara impressionado com o que vira e ouvira até ali. Almoçaram todos juntos. O grupo que ainda estava por se apresentar estava incrivelmente tranquilo. Pareciam até felizes. Era estranho, pois, como os demais, haviam passado dias em calorosa e exaustiva discussão. Terminada a sobremesa, muito bem servida, como costuma ser, segundo sabemos todos, as sobremesas típicas daquela região, retornaram satisfeitos para o salão do confronto. Quando todos se acomodaram, parecia haver algo errado. Apenas uma criança estava de pé diante da mesa do juiz. Ela cumprimentou o ancião e perguntou se podia falar. Ele assentiu movendo a cabeça, sorrindo simpaticamente. Reclinando a cabeça, a menina leu do papel que trazia nas mãos: “Após longa e meticulosa [nessa palavra, ela titubeou um pouco, mas foi bem no resto da leitura] discussão, nós decidimos que não queremos, a partir de agora, usar o adjetivo ‘luterana’. Sugerimos, ainda, que nossos irmãos do outro lado deste debate considerem fazer o mesmo.” O juiz se levantou. Saiu de seu lugar e foi para perto da criança. Pousou a mão sobre sua cabeça e disse: “Eis a parte vencedora. Temo, contudo, que não haja prêmio que lhes apeteça.”
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AutorCesar M. Rios Histórico
September 2018
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