Quinta-feira, 16 de agosto de 2018
Capela do Seminário Concórdia, São Leopoldo - RS IMITATIO DEI – A ARTE DE VIVER DA FÉ SABENDO BEM O QUE É VIVER Ef 4.17-5.2 Cesar Motta Rios Paulo fez coisas que poucos dentre nós farão. Talvez, nenhum de nós. Não só ser açoitado, ser preso, sofrer naufrágio e tudo isso. Ele ensinou, escreveu para comunidades de primeira geração de cristãos. Para essas pessoas, que tinham vivido numa ignorância profunda a respeito de Deus e do que Deus propõe para a vida em comunidade, ele oferece alguns parâmetros importantes para a nova vida que haviam começado. Se você ler realmente as instruções do apóstolo, vai perceber que não são regrinhas detalhadas para uma vida religiosa, com moral impecável: Falar a verdade com o próximo, por sermos membros uns dos outros. Cuidar da reação que temos com a raiva que sentimos às vezes. Não pegar o que é dos outros, mas, pelo contrário, tentar ter meios de ajudar quem precisa. Cuidar de dizer coisas que ajudem as pessoas. Viver bem com os outros! Se isso não é feito em alguma medida, torna-se impossível a convivência em qualquer lugar. Alguém poderia perguntar se esses novos cristãos não iriam acabar achando que esse comportamento era mérito necessário para serem aceitos por Deus. Mas, veja bem, eles não estão lendo ou escutando só esse trechinho. Pouco antes, passaram pelo capítulo 2, e encontraram aquela belíssima declaração: “Pela graça sois salvos, mediante a fé. E isso não é algo que venha de vós mesmos! É um presente de Deus! Não é por causa de obras, para que ninguém se glorie.” Eles sabem, assim como os reformadores sabiam: boas obras não podem nunca figurar como causa do acolhimento de Deus. São consequências somente. E há algo mais: se não é por obras, “para que ninguém se glorie”, que sentido faria alguém se gloriar de sua nova vida? Pois bem, vamos deixar aqueles primeiros cristãos e olhar um pouco para esse texto em nosso contexto. A maioria dos nossos são batizados quando pequenos. São instruídos na fé. Se Paulo fala de uma velha vida de ignorância antes de haver conhecimento de Cristo, então, ele não diz nada para nós, que somos cristãos desde que nos entendemos por gente! Aí nos enganamos. Velho homem e novo homem coexistem ao longo de toda vida. Não há uma substituição instantânea e definitiva. Velha vida e nova vida, na realidade das coisas, não são dois momentos simplesmente, mas duas formas de existência reais e contínuas em nossa caminhada terrena. O texto é para a gente também, para nosso bem, para nossa vida. Nós também somos beneficiados em nossa vida comunitária, até mesmo aqui no seminário, se damos atenção a essas instruções. Mas sempre tem um vivente que, mesmo sabendo da graça, encontra uma forma de fazer coisa errada a partir de texto certo. Então, pode querer usar essas palavras apostólicas para ficar vigiando a vida alheia e acusando de quando em vez. Mas, de novo, como sempre, é preciso voltar ao texto e ler, sem inventar: “Aquele que furtava...”, fiquem de olho nele para ver se ele mudou! Não! “Não furte mais”. O assunto tratado de modo que se entenda: cada um cuida de sua parte, de seu próprio comportamento. Cada um faz a sua parte como pode, e as coisas funcionam. Além disso, tudo fica muito claro quando o texto chega a esse ponto alto, que convida a uma imitação de Deus. Imitar o Ser que criou todo o universo? Imitar aquele que conduz a história do mundo? Calma! Não saiamos do texto com muita pressa em nossa reflexão: “Sede bondosos uns para com os outros, com um coração de compaixão, agindo com graça entre vós mesmos, como também Deus, em Cristo, agiu com graça para convosco. Tornai-vos, então, imitadores de Deus como filhos amados, e andai em amor, como também Cristo nos amou e entregou a si mesmo por nós...” O que somos convidados a imitar de Deus, aqui, não é um padrão moral elevadíssimo. Não é o caso de, indo à padaria, pensar “Como Deus iria à padaria?”, para fazer igual, para ser perfeito em todos os movimentos. Paulo quer que imitemos, no trato com o outro, a disposição graciosa que Deus demonstrou em Cristo. Quer que, tendo sido amados por Deus, vivamos com os outros também em amor. O bonito disso é que, podemos ver o nosso semelhante com graça e amor por conhecermos, da parte de Deus, em Cristo, graça e amor. Além disso, quando fazemos isso, quando temos esse olhar para o próximo no cotidiano, somos constantemente lembrados de que nós também somos agraciados e amados por Deus. E estamos num ciclo virtuoso, providenciado e mantido pela virtude de Deus mesmo. A imitação de Deus, a Imitatio Dei, como diziam os teólogos, não é, nesse sentido, uma tarefa árdua de busca detalhista e sem fim por perfeição individual. Pelo contrário, é um reconhecimento constante da misericórdia divina para conosco e para com nosso próximo. Um reconhecimento que se manifesta não só em discursos, mas no modo de vida em comunidade. Um modo misericordioso de vida! A imitação de Deus é uma arte dada por Deus mesmo, por Palavra e Sacramentos. É a arte de viver da fé, não das obras, sabendo que há imperfeição, traços de vida antiga na vida nova de toda pessoa cristã. É, em meio a isso, ser compassivo e saber que, a cada amanhecer, viver é estar imerso na misericórdia de Deus, por causa de seu amor pela humanidade, em Cristo, apesar de tudo. Tudo! Imitar a Deus é encarnar esta verdade: Ele nos amou tanto, que deu seu Filho para morrer por nós, para não mais levar em conta toda nossa imperfeição passada, presente e futura; e isso é absolutamente suficiente para cada um e para todos. Amém.
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AutorCesar M. Rios Histórico
September 2018
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