A RELIGIÃO DE VERA E O CRISTIANISMO (UMA ANOTAÇÃO)
Cesar M. Rios Para falar de Vera, o primeiro passo deve ser um elogio nada comedido a quem foi responsável pela tradução. O nome da personagem em inglês é True. Encontraram um nome que, sendo realmente nome em português, tem a raiz relacionada com “verdade”. Ainda, conseguiram uma boa versão para a música de abertura. Para quem não tem filhos pequenos e desconhece o assunto, aviso que VERA E O REINO DO ARCO-ÍRIS é um daqueles muitos desenhos com protagonistas infantis bem espertos e resolvidos. Mas, enquanto a brasileira Luna recorre à ciência (com ajuda de uma imaginação fora do comum, é verdade) para resolver seus dilemas, a canadense True tem um recurso menos secular, digamos. Tudo gira em torno de uma “árvore dos desejos”, que auxilia na resolução de problemas com três... desejos, é claro. Mas não é algo imediato, por dois motivos. Primeiro, porque há um mediador especialista, que conversa com Vera antes do clamor (“Árvore dos desejos, você poderia três desejos conceder?” - a repetição em eco acentua o aspecto quase litúrgico). Ele se assegura da pertinência do caso, ou averigua se a fiel, quero dizer, se Vera está preparada para recorrer à árvore. Em seguida, com os três desejos concedidos (são seres que acompanharão a menina e auxiliarão cada um a seu modo), esse mediador, que é um garoto chamado Zee, consulta um livro (“desejopédia”, ou algo assim) para oferecer à menina instruções sobre a utilidade de cada um. Há a mediação desse pequeno sacerdote. Além disso, os desejos não suprem a necessidade de sagacidade por parte da menina. Ela precisa saber usar esses instrumentos conforme a situação. É interessante que, tanto a árvore em si quanto os pequenos desejos, que figuram como frutos dela, parecem seres pessoais, dotados de olhos e boca. Os desejos são “mágicos”. A atmosfera é marcadamente mística. Vera, diferente de Luna, está no mundo da religião. Uma religião bem pragmática, ao que parece. A relação com a árvore é ocasionada por problemas pontuais. Não há, até onde entendi, um aprofundamento sobre os fundamentos, sobre uma realidade subjacente ao que acontece no reino, ou uma perspectiva além dessa dinâmica problema - resolução. Ainda assim, o aspecto religioso pode convidar a uma comparação com o cristianismo ou, no mínimo, uma consideração sobre os sentimentos religiosos comunicados nesse produto cultural. O ser humano (Vera é humana, assim como Zee e uma princesa chamada Grizelda, diferente dos demais personagens) quer ser sábio no enfrentamento dos problemas, mas, comumente, recorre a algo mais. Algo paralelo ocorre na oração dos cristãos, que se colocam no mundo buscando uma vida sábia, mas pedem a Deus auxílio em situações específicas. Em muitos casos, essa ajuda pedida não é uma intervenção imediata, que dispensa a participação humana. Há quem rogue por sabedoria, força ou paciência para enfrentar um ou outro desafio. Há quem clame por tranquilidade para realizar uma prova, para a qual muito estudou. É certo que há também quem, sem nada estudar, clame por acertos sucessivos no chute. Isso, contudo, não será tão bem visto pela maioria dos cristãos. Pois bem, ainda que teólogos queiram, por vezes, substituir uma compreensão popular da oração, que se fundamenta na lógica do pedido – resposta, por uma compreensão mais elevada, que aniquila o humano e opera uma assepsia do elemento místico, é aquela compreensão simples que tem um respaldo notável nas Escrituras. E isso faz com que ela se renove constantemente. Há, sim, uma semelhança verdadeira a ser considerada entre a prática cristã e a da religião de Vera. Essa semelhança, contudo, serve também como sinal de alerta, propondo o questionamento: “Com que frequência, a vivência da espiritualidade entre os cristãos se resume à religiosidade de Vera?” Como trabalhamos isso em nossas reflexões? Como isso se reflete em nossas orações? Quão pragmáticos estamos sendo e quão antipragmáticos podemos ser sem extirpar a verdade cristã de que Deus se fez conosco, por se importar com nossas coisas e ações (em grego, diríamos, “tà prágmata”) neste mundo. Não vou além desse ponto. Não é um artigo que estou escrevendo. É uma anotação, motivada, é certo, pelo interesse mais detido de meu amigo Dennis de Lima em Star Wars. Essa é outra história.
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AutorCesar M. Rios Histórico
September 2018
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