5º Domingo de Páscoa – 2018
Comunidade Luterana da Cruz – Porto Alegre, RS VIDEIRA, RAMOS E FRUTOS: A VIDA DA PESSOA CRISTÃ É VIDA DE CRISTO Jo 15.1-8; Sl 150; At 8.26-40; 1Jo 4.1-11 Cesar M. Rios Jesus disse algo fácil de entender. Não é todo dia que acontece. Tem coisas que Jesus disse que dão certo trabalho. Mas, hoje, a imagem é bem compreensível. Você não precisa ser biólogo ou agricultor para entender que o ramo de uma árvore frutífera, se arrancado da árvore, não produz nada. Só seca. Então, como a imagem é simples, eu vou convidar você a olharmos um pouco mais para ela com atenção, considerando: a videira em si, que Jesus diz ser ele mesmo; os ramos, que Jesus diz sermos nós; e os frutos, que eu quero entender melhor o que vêm a ser. A videira verdadeira Jesus, como todos sabem, é apresentado no Evangelho segundo João, como a Palavra, aquele que era antes da criação do mundo. Ele se faz gente, nasce de Maria, e o chamamos de Jesus de Nazaré. Ganha uma biografia relativamente curta, mas é eterno. O carpinteiro simples de pés doloridos de tanto pisar pedra nos caminhos que o levaram até Jerusalém para seus dias finais antes da crucificação é o Filho de Deus. Por isso, pode falar de si de forma tão surpreendente. Eu sou a videira verdadeira! Unidos a mim, vocês produzem frutos. Separados de mim, não tem como. Até aquele tempo, o povo de Deus tinha o Templo em Jerusalém como centro de sua relação com o Senhor. Mesmo os que viviam longe, tinham uma grande consideração pelo Templo, e faziam um esforço enorme para o visitarem durante a vida. Para quem estava na região, o centro da fé estava ali perto. Para quem vivia em Roma ou Alexandria, tinha um mar a cruzar para estar junto desse centro. Também o próprio povo de Israel podia ser visto como centro, como videira plantada e cuidada por Deus. Mas nenhum povo poderia crescer e ser, por si mesmo, uma videira verdadeira. Em Jeremias 2.21, lemos Deus falando a Israel: "Eu mesmo te plantei como vide excelente, uma semente inteiramente verdadeira; como, pois, te tornaste para mim uma planta degenerada como vide estranha?”. Esse povo-videira que deveria ser verdadeiro, acaba sendo, como todos os seres humanos, falho, cheio de enganos. No que Israel falha (como todo ser humano falha), Jesus tem êxito. Então, quando Jesus diz ser ele mesmo o centro vital para o fiel, temos uma nova configuração das coisas. Não importa de que etnia eu venho ou de que nação sou parte, posso ser ramo da videira verdadeira. Também não importa onde esteja o seguidor de Jesus, não haverá distância. A pessoa pode estar em Jerusalém, Londres, Roma, Shangai ou Porto Alegre. Não há diferença na distância entre ela e aquilo que dá razão e vida à sua fé. Claro que há cristãos que valorizam certos lugares, por causa da tradição. Há os que olham para Constantinopla, os que olham para o Vaticano, outros para a Cantuária, Wittenberg ou Genebra. Tudo bem. Mas isso é absolutamente secundário e prescindível. O centro vital é o próprio Cristo. Só ele. Até aqui, foi sobre a videira somente. Temos essa importante verdade: É de Jesus que vem a vida verdadeira, só dele, não importando onde estamos. Agora, vem a segunda verdade importante. Nós somos os ramos. Nós, os ramos Nós somos os mortos. Quero dizer, nós somos os ramos que, por nós mesmos, permaneceríamos mortos, secos. Se não é Cristo a nos dar vida, nossa conversa é sem graça, nossa fé é vazia, nosso olhar diante dos caminhos da vida é de perplexidade e confusão. Cambaleamos como zumbis sem rumo. Mas fomos colocados por Deus, por meio do Batismo e do Evangelho, como ramos da videira verdadeira. Ligados a Cristo, recebemos da seiva que nos vivifica diariamente. Estando nós mortos em delitos e pecados, ele nos deu vida (Ef 2.4). Jesus disse, no capítulo 10 do mesmo Evangelho segundo João, que veio para nos dar vida abundante, vida de sobra! Ele veio para isso. Cantamos para Deus e sobre Deus, entendemos alguma coisa da Palavra, oramos e cremos, somente porque estamos vivos, porque Ele veio nos dar vida, e deu. Tudo bem. Então, Jesus é a videira, é dele que vem vida. Nós somos ramos e vivemos por causa dele. E os frutos? Eu disse no começo que queria entender melhor. Nós sabemos que o perdão gratuito do nosso pecado é o grande fruto da obra de Jesus por nós. Mas, uma vez perdoados e colocados como ramos da videira, que fruto podemos produzir? E as uvas? Tendo em mente os outros textos lidos hoje, poderíamos ser levados a pensar, a partir do relato de Filipe com o eunuco, que fruto é uma nova pessoa convertida a Cristo. A partir do Salmo 150, podemos pensar no louvor artístico a Deus como esse fruto. Mas podemos pensar também de modo um pouco mais amplo. No século XVI, os reformadores trabalharam bastante para demonstrar que boas obras, os frutos da vida cristã, não eram somente as coisas realizadas no contexto dos mosteiros ou da igreja. Eram ações praticadas na vida, no dia a dia, por qualquer pessoa cristã comum, no relacionamento com os outros. Quem não entendia isso podia acusar os protestantes de que, com a doutrina da justificação pela fé, desestimulavam a prática das boas obras. E a resposta vem com toda clareza em diversas partes das confissões. Mas eu quero ler uma só, e você vai entender por que a escolhi. Diz assim: Por isso, não se deve criticar essa doutrina concernente à fé [da justificação por fé] afirmando que proíbe boas obras; pelo contrário, ela deve ser louvada por ensinar que se façam boas obras e por oferecer auxílio quanto a como se pode chegar a praticar essas boas obras. Porque, sem a fé e sem Cristo, a natureza e capacidade humanas são por demais frágeis para praticar boas obras, invocar a Deus, ter paciência no sofrimento, amar o próximo, exercer com diligência ofícios ordenados, ser obediente, evitar maus desejos, etc. Tais obras elevadas e autênticas não podem ser feitas sem o auxílio de Cristo, conforme ele mesmo diz em João 15: ‘Sem mim nada podeis fazer’. (CA XX 35-39. Adaptação da linguagem do texto traduzido por Arnaldo Schüler, visando facilitar entendimento do ouvinte.) São diversas as obras que podemos fazer quando unidos a Cristo, vivendo com Cristo. São diversas e estão por nosso caminho todos os dias. E as realizamos continuamente, quando damos bom dia atenciosamente a alguém, quando seguramos a porta do elevador para outra pessoa, quando esperamos a vez do outro com paciência, quando preparamos um café para a família ou quando deixamos de fazer algo que fira o próximo. Até mesmo essas pequenezas da vida são vistas por Deus como verdadeiras boas obras, como vida de Cristo em nós. Isso vemos no outro texto lido hoje, o da carta de João, que afirma que o amor procede de Deus, de modo que aquele que ama é uma pessoa gerada de Deus. Nós vivenciamos o amor no dia a dia, tanto a partir de nós quanto a partir dos que nos rodeiam, porque a videira dá esse amor aos ramos. E os frutos surgem no cotidiano, nas coisas simples. Séculos antes da Reforma, o bispo Inácio de Antioquia, no começo do século II d.C., escrevia algo muito significativo para essa nossa conversa: Os carnais não podem praticar as coisas espirituais, nem os espirituais, as coisas carnais, assim como a fé não pode praticar as coisas próprias da incredulidade, nem a incredulidade, as coisas próprias da fé. Até mesmo as coisas que praticais segundo a carne são espirituais, visto que tudo fazeis em Jesus Cristo. (Carta aos Efésios 8. Minha tradução do texto grego.) Até as coisas mais terrenas que praticamos são espirituais, porque quem nos move e nos dá vida é o próprio Jesus Cristo. É a videira, da qual fazemos parte! Essa união com Cristo é algo tão maravilhoso, que, se bem observarmos, transforma toda nossa existência e realidade. Não somos definidos pelos números que nos acompanham, por nossas vitórias ou derrotas, enfim, por nossa pequena biografia. Somos, muito além disso tudo, um com Cristo. Paulo viu isso e escreveu: “Já não sou mais eu quem vivo, mas Cristo vive em mim!” (Gl 2.20). Nós vivemos vida cristã, porque estamos unidos a Cristo. Nós somos Igreja, Corpo, porque a cabeça é Cristo. Neste quinto domingo de Páscoa, quero concluir lembrando de um verso cantado aqui na comunidade justamente no domingo de Páscoa: “Porque ele vive posso crer no amanhã”. Minha filha disse que é a música favorita dela. Se me permitem, olhando para a videira, ramos e frutos, vou desdobrar esse verso em três afirmações: Porque a videira vive, podemos olhar para o passado e, com fé, saber que o sacrifício da cruz foi aceito, que tudo está pago, que já não há dívida alguma pela nossa salvação. Porque a videira vive, podemos olhar para o presente, ver e viver o amor de Deus no nosso cotidiano. Porque a videira vive, podemos olhar para o futuro, com firme esperança, porque sabemos que Ele não só nos dá, como também nos dará para sempre vida abundante. Jesus Cristo vive. Com ele, nós também vivemos e viveremos. Amém.
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AutorCesar M. Rios Histórico
September 2018
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