PERSEVERANDO NA PAZ DE CRISTO - SERMÃO A PARTIR DE LUCAS 12.49-56 JEREMIAS 23.16-29 HEBREUS 12.1-38/18/2019 10º Domingo após Pentecostes – 2019
Comunidade Luterana Concórdia – São Leopoldo, RS PERSEVERANDO NA PAZ DE CRISTO Lucas 12.49-56 Jeremias 23.16-29 Hebreus 12.1-3 Cesar Motta Rios “Vocês pensam que eu vim para trazer paz para a terra? Não mesmo.” Jesus de Nazaré (Lucas 12.51) “Para vocês, eu deixo paz. A minha paz eu dou a vocês.” Jesus de Nazaré (João 14.27) Se Jesus fosse convidado para um programa de entrevistas, eu não tenho dúvidas de que tentariam colocá-lo contra a parede mostrando essas duas afirmações. Na primeira, ele parece estar bem tranquilo ao dizer que não traz paz. Na segunda, enfatiza seu papel como aquele que dá a paz. Contraditório, Jesus! Ou não. [Aviso logo que pretendo aproveitar esse texto em que Jesus nega trazer a paz para falar da paz que ele traz. Contraditório, pregador! Ou não.] É imprescindível procurar uma compreensão melhor da fala de Jesus. E, para isso, é preciso ler com muita seriedade o que ele diz no versículo 52: “Serão a partir deste momento [de agora!] cinco em uma casa divididos, três contra dois e dois contra três”. Eu destaco o “a partir de agora” por entender que Jesus está falando de algo bem específico que se inaugura com a sua vinda. Ele, o Filho de Deus, o Messias prometido, é um simples carpinteiro vindo de Nazaré, que ensina de forma itinerante. E aí está o ponto de desavença. Aí está o que “a partir de agora”, daquele momento, se coloca como algo a ser definido entre as pessoas. Aí está o que deve ser discernido naquele momento específico (Lc 12.56). Confiam nele ou o desprezam como impostor, louco ou iludido? Seria preciso afirmar, confessar, ou negar. Muitos negaram. Muitos creram. E, nisso, estabeleciam-se rupturas. Não, Jesus realmente não estava ali para trazer uma unidade nacional e tempos de harmonia entre todos. Ele sabia que seria negado. E sabia que seria crido. Os que cressem teriam que estar dispostos a serem repudiados por quem não cresse. Paz? Essa paz não teriam. É sobre isso que ele fala aqui. É essa paz que ele nega trazer. Mas ele diz também “A minha paz vos dou” aos seus discípulos, aos que creem. Não é essa também uma paz construída pela ausência de problemas. “No mundo tereis aflições” (João 16.33). Sim, porque permaneceria ainda a descrença, a hostilidade dos que desprezam o Cristo, e toda a maldade do mundo, e inclusive maldade nos que creem. Mas, com sua morte, Jesus concede de graça a cada pessoa que a ele se apega a paz com Deus e a entrada em seus Reino de paz e vida. E, ao dizermos isso, não há qualquer medo de que estejamos caindo no erro dos falsos profetas acusados em Jeremias. Aqueles falsos profetas proclamavam paz mesmo com abundância de pecados. Não era proclamação da parte de Deus. Mas nós podemos proclamar a paz de Deus com segurança, não porque não tenhamos pecado, mas porque o Príncipe da Paz venceu na cruz uma guerra que nunca poderíamos vencer, e, por seu mérito, a culpa por nossos pecados não recai mais sobre nós. Temos, sim, paz com Deus a proclamar da parte dele mesmo. Ainda agora, em nosso tempo, vivemos em meio a conflitos. Conflitos permeiam o mundo todo, o país, comunidades cristãs e famílias inclusive. Não o podemos negar. Aquela imagem usada por Jesus ainda parece ganhar vida recorrentemente, mesmo entre pessoas que não pretendem de forma alguma negar o Cristo de Deus. Para continuar na reflexão sem empacar nesse espanto, lembro, então, que o próprio Jesus parece recuperar essa imagem de Miqueias. E eu queria ler para vocês o trecho desse profeta: Agora começará a confusão deles. Não acredite em seu amigo, nem confie no seu companheiro. Não compartilhe os seus segredos nem mesmo com a sua mulher. Porque o filho despreza o pai, a filha se levanta contra a mãe, a nora, contra a sogra; os inimigos de uma pessoa são os da sua própria casa. (Miqueias 7.4-6) Agora, vou um versículo além: Eu, porém, olharei para o Senhor e esperarei no Deus da minha salvação; o meu Deus me ouvirá. (Miqueias 7.7) Essa figura que, em meio à confusão, permanece à parte da confusão, mas espera pelo Senhor confiantemente vai nos conduzir ao texto de Hebreus lido hoje, para que cheguemos à parte mais prática desta conversa. Após um catálogo de pessoas que viveram vidas difíceis e até impossíveis pela fé, o escritor nos conclama a perseverarmos na corrida em que estamos envolvidos. Ele nos chama à perseverança. Devemos ficar com os olhos fixos em Jesus, o Autor e Consumador da fé. Só olhando para ele, para o que ele fez, nós não vamos nos desanimar. Ele precisa nos convocar, porque ainda há a velha natureza, que nos afasta do que temos por fazer. É certo que o pecado em nós, essa guerra que se implantou em nosso coração, nos perturba a paz, trazendo desacerto interno, contradição, e, também, um desacerto em nossas famílias e em nossas comunidades. Justamente, quando queremos resolver algo nos colocando e defendendo nossos interesses e até nossa honra, nós crescemos em importância, e a guerra que está em nós só se traduz em guerra entre nós. Se, por outro lado, rompemos essa lógica, esse impulso normal, e olhamos fixamente para Cristo, como nosso Salvador e como nosso exemplo, nós viveremos a perseverança na paz que vem dele, e veremos a Palavra ocupar lugar em nossas casas e comunidades. “Mas homem não leva desaforo para casa.” Nós pensamos. Olhando para Cristo, contudo, vemos o homem perfeito suportar todo desaforo. Jesus levou todo o desaforo para a cruz, em favor, justamente, de todos nós, os desaforados. Quem, então, somos nós para querermos viver livres de desaforo, de injustiça, de hostilidade? A vida não consiste em ganhar o próximo debate numa rede social. A vida verdadeira não consiste em sair de uma mesa de discussão com a sensação de que você demonstrou que tem toda razão. A vida verdadeira consiste na Cruz de Cristo. Para pensar isso na prática, evitando expor opiniões pessoais, leio outro trecho das Escrituras: “Não paguem a ninguém mal por mal; procurem fazer o bem diante de todos. Se possível, no que depender de vocês, vivam em paz com todas as pessoas. Meus amados, não façam justiça com as próprias mãos, mas deem lugar à ira de Deus, pois está escrito: ‘A mim pertence a vingança; eu é que retribuirei, diz o Senhor.’ Façam o contrário: ‘Se o seu inimigo tiver fome, dê-lhe de comer; se tiver sede, dê-lhe de beber; porque, fazendo isto, você amontoará brasas vivas sobre a cabeça dele.’ Não se deixe vencer pelo mal, mas vença o mal com o bem.” (Romanos 12.17-21) Queridos irmãos e irmãs, Mário Quintana estava poeticamente corretíssimo e é cheio de beleza ao escrever: Esses que aí estão / atravancando meu caminho / Eles passarão. / Eu passarinho. Mas do ponto de vista bíblico, há algo discutível aí. Mário, quem “atravanca” nosso caminho não são os que aí estão, mas sim muito do que há em nós mesmos, em nós, pecadores. Nossas ações perturbam a paz que Deus propõe que vivamos também aqui nesta vida. Mas, se pudermos dizer que, para nós, o viver é Cristo, vamos nos desvencilhar do que atravanca nosso caminho e vamos correr nossa pequena corrida na fé e na Palavra, vendo os frutos crescerem no tempo certo, porque haverá paz em lares e comunidades. Paz entre nós. Paz entre nós. Amém.
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O autorCesar Motta Rios é teólogo. Tem Doutorado na área de Literaturas Clássicas e Medievais, com pós-doutorado na área de Filosofia Antiga. Exerce ministério pastoral junto à Igreja Luterana em Miguel Pereira - RJ. Para acessar seu currículo e encontrá-lo em outras plataformas, clique AQUI. Histórico
April 2023
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