Há um objetivo, em certo sentido, ecumênico na Dieta de Augsburgo (1530), que é reconhecido e ponderado no Prefácio da Confissão de Augsburgo, proposta pelos representantes “luteranos”. O cenário histórico subjacente, que é motivador da busca por unificação pacífica, é referido no início do texto, como um dos motivos da convocação: “Porquanto Vossa Majestade Imperial convocou uma dieta imperial para Augsburgo, destinada a deliberar sobre esforços bélicos contra o turco, adversário atrocíssimo, hereditário e antigo do nome e da religião cristãos” (Prefácio da CA, 1 – Grifo meu, como nos outros trechos). Há um adversário comum, que não só realça a unidade do grupo que lhe é oposto, mas torna a realidade dessa unidade conveniente para um enfrentamento adequado. Por isso, o outro assunto a ser tratado na dieta, apresentado em seguida, tem uma relação com o primeiro. Cito o trecho a ele referente, de modo a comentar detalhes que me parecem importantes: [T]ambém quanto às dissensões com respeito a nossa santa religião e fé cristã, e a fim de que neste assunto da religião as opiniões e sentenças das partes, presentes umas às outras, possam ser ouvidas, entendidas e ponderadas entre nós, com mútua caridade, brandura e mansidão, para que, corrigido o que tem sido tratado incorretamente nos escritos de um e outro lado, possam essas coisas ser compostas e reduzidas a uma só verdade simples e concórdia cristã, de forma tal, que, quanto ao mais, seja praticada e mantida por nós uma só religião pura e verdadeira; e para que assim como estamos e militamos sob um mesmo Cristo, possamos, da mesma forma, viver em uma só igreja cristã, em unidade e concórdia.” (Prefácio da CA, 2-4.) O primeiro dado a se destacar consiste no método que se espera para o encontro entre os dois grupos com posicionamentos divergentes. Os posicionamentos (“opiniões e sentenças”) de cada lado não permanecem ocultos ou reservados ao próprio grupo, mas são apresentados. Assim, espera-se que haja atenção, entendimento e reflexão (“ouvidas, entendidas e ponderadas”) entre os diferentes grupos. Há uma consideração respeitosa e inteligente do que pensa o lado oposto. Esse modo de se atentar para o outro é caracterizado por “caridade, brandura e mansidão”. Decerto, essa postura não se realiza exatamente como se propõe em encontros do tipo. Mas parece ser a prática cristã correta para a busca do entendimento a respeito da doutrina cristã correta. Outro dado notável está na humildade dos representantes “luteranos” nessa apresentação, pois o caminho proposto prevê uma possível correção do que vinha sendo “tratado incorretamente nos escritos de um e outro lado”. Não há uma afirmação prévia de perfeição em tudo que eles levaram à Dieta. A expectativa é que esse diálogo sério, detido e caridoso tenha como resultado a síntese de “uma só verdade simples e concórdia cristã”. Essa unicidade de pensamento, alcançada pelo diálogo, serve de fundamento para que “seja praticada e mantida por nós uma só religião pura e verdadeira”. Perceba-se que, primeiro, há um pensamento homogêneo, para que, com base nisso, haja a prática unificada e o entendimento de que há uma só religião. Destaco, ainda, que essa religião unificada pode ser considerada, por causa do caminho pelo qual se chegou a ela, “pura e verdadeira”. A parte final do trecho citado evoca o outro motivo da Dieta ao usar o verbo “militar”. Há uma referência à tensão contra os turcos. Há, assim, uma consideração da unidade nominal em contraste com os não-cristãos, mas a imediata observação de que ela não é suficiente, isto é, de que só o sucesso do processo de diálogo e ajustamento doutrinário poderia conduzir à vida de todos eles “em uma só igreja cristã, em unidade e concórdia”. Adiante, no Prefácio, outras informações importantes aparecem, complementando ou esclarecendo o que se tem nesse trecho antes citado: a fonte própria para a definição das doutrinas é a Sagrada Escritura (8); é imprescindível o auxílio de Deus para o que se almeja (10-11); a concórdia buscada deve se alcançar “com Deus e de boa consciência”, de modo que não se concebe fingimento na apresentação ou apreciação de opiniões (13); espera-se que os interlocutores sejam “movidos por sincero amor e zelo pela religião”. No mais, não havendo possibilidade de se concretizar o esperado, os representantes “luteranos” demonstram anseio já anterior pela realização de um Concílio “cristão e livre”. As dificuldades eram sabidas, mas a porta para o diálogo permanecia aberta. Julgo ser essa uma postura pertinente: Nenhum passo além do diálogo antes da concórdia. O primeiro passo, que é o do diálogo, contudo, será dado quantas vezes forem necessárias ou oportunizadas.
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O autorCesar Motta Rios é teólogo. Tem Doutorado na área de Literaturas Clássicas e Medievais, com pós-doutorado na área de Filosofia Antiga. Exerce ministério pastoral junto à Igreja Luterana em Miguel Pereira - RJ. Para acessar seu currículo e encontrá-lo em outras plataformas, clique AQUI. Histórico
April 2023
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