O PAI É MISERICORDIOSO. E MISERICÓRDIA É COISA DE FAMÍLIA. (SERMÃO A PARTIR DE LC 6.27-38)2/23/2019 7º Domingo após Epifania – 2019
Comunidade Luterana Concórdia – São Leopoldo, RS O PAI É MISERICORDIOSO. MISERICÓRDIA É COISA DE FAMÍLIA. Sl 103.1-13; Gn 45.3-15; 1 Co 15.21-26,30-42; Lc 6.27-38 Cesar Motta Rios Se imaginarmos que a culpa e a dúvida sobre se Deus me acolhe ou não pode ser comparada à sede, podemos pensar que a pessoa assim sedenta teria um grande alívio ao encontrar os primeiros versos do Salmo 103, que lemos há pouco. Seria como o copo d’água muito bem-vindo e refrescante! O verso 8, por exemplo, usa uma porção de palavras para deixar claro e seguro que Deus é misericordioso: “Compassivo e misericordioso é o Senhor, tardio para se enfurecer e abundante em amor” (Sl 103.8). As pessoas do tempo de Jesus conheciam essas palavras. Se estavam meio perdidas em um Salmo no meio de tantos outros, talvez não dos mais entoados, como alguns hinos dos nossos hinários que ficam meio que aposentados, eles as conheciam de outro lugar. Numa cena importantíssima do livro do Êxodo, quando Moisés está lá no alto do Monte Sinai para receber de Deus os 10 mandamentos, o próprio Deus passa diante dele e diz: “O Senhor Deus é compassivo e misericordioso, tardio para se enfurecer e abundante em amor” (Ex 34.6). São exatamente as mesmas palavras, na mesma ordem![1] Essa repetição só reforça a mensagem, a notícia! Ainda mais quando aparece em dois livros diferentes! Todo mundo deveria saber dessa característica de Deus. Mas há algo mais que eles deveriam saber: as pessoas também são convocadas a terem essas características. O Salmo 112 descreve a pessoa que teme ao Senhor. Entre outras características, diz que essa pessoa é “misericordiosa e compassiva”. Duas das palavras usadas para falar do caráter misericordioso de Deus no Salmo 103 e no Êxodo. Compassivo! No texto lido do Gênesis, nós encontramos um homem assim. José tinha sofrido uma violência profunda da parte de seus irmãos. Quem perdoaria algo assim? Ser quase morto? Ser vendido para ser escravo em uma terra distante? Muitos até pensariam em perdoar de certa forma, mas não sem antes retribuir o sofrimento em alguma medida e humilhar os malfeitores. Pareceria até justo. Uma punição. Mas José é uma pessoa que teme ao Senhor. Esse percurso até aqui nos prepara para escutar o que diz Jesus no texto de Lucas lido hoje. Ele fala de um modo bem diferente de ser. Ele fala de um estilo de vida marcadamente misericordioso, rápido em perdoar e estender a mão para quem está contra nós. Apesar de difícil, o que ele propõe, lembrando do que vimos antes, não é uma grande novidade. Deus é misericordioso. Nós também devemos ser assim. Mas ele tem um argumento a mais, que é muito interessante: “O Pai de vocês é misericordioso. Sejam misericordiosos como ele!”. É simples. Mas tem uma força especial essa fala. Ele não coloca o ser misericordioso como uma tarefa de servo simplesmente, mas como uma característica do Pai que os filhos e filhas têm que ter. Em outra ocasião, ele usou essa ideia de que os filhos fazem conforme o pai que têm, mas de uma forma muito negativa. Falando com aqueles que queriam matá-lo, disse que faziam conforme a vontade do pai deles, o próprio Diabo (Jo 8.44). Agora, é algo positivo. Deus é misericordioso. Isso todo mundo sabe. Então, se são filhos e filhas dele, sigam esse jeito de ser. É um alerta. E é um alerta pesado de certa forma. Não tem como fingir que não é. Não tem como dizer que tudo são flores aqui. É pesado, porque nós temos um problema com a misericórdia, especialmente quando ela é dirigida a outros, a pessoas que não apreciamos muito. A história de Jonas é boa para revelar isso que temos dentro de nós. Muito frequentemente, só contam dela a parte de ação, da fuga, do peixão, da pregação. Mas a parte final é importantíssima. É ali, no último capítulo, que Jonas diz que não gosta que Deus seja misericordioso com gente má. E nós também podemos ter problema com isso. Algumas vezes, não olhamos com misericórdia para aqueles que falam mal da Igreja de Cristo. Algumas vezes, não olhamos com misericórdia nem para gente da Igreja de Cristo que se desentende conosco. A misericórdia parece que não deveria constar no cardápio dessas ou daquelas pessoas! Quem sabe Deus não podia ser menos cheio de graça às vezes e fechar as portas para...? Mas Deus é Deus. Não é a Igreja que decide como Ele é. E Deus é misericordioso. E nos convida a sermos assim também. Ele é o Pai. Nós somos os filhos. E queremos segui-lo nisso. E precisamos mesmo querer segui-lo nisso. Porque Jesus não está discutindo algo secundário. Não se trata de discutir se é importante para a identidade luterana cantar mais de cinquenta por cento dos hinos do Hinário Luterano, usar vestes litúrgicas assim ou assado, ter cultos de duas horas ou mais curtos. Trata-se da identidade da própria Igreja de Cristo enquanto família de Deus. Se a Igreja não for misericordiosa, ela pode ter a tradição mais bonita que existir, ter todos os elementos litúrgicos riquíssimos que herdamos, mas não será como o Pai quer que ela seja. Ela precisa trazer o perdão. E essa vida de misericórdia acontece aqui no culto público, mas também no dia a dia de cada cristão, de cada indivíduo que constitui o Corpo de Cristo. É um alerta sério e importante. Não deixemos de reconhecer isso. Mas consideremos também que ele vem junto de boas notícias. Primeiro, vem lembrando do fato de que Deus é misericordioso. E Ele é misericordioso para conosco. Em segundo lugar, quem nos traz o alerta é o mesmo Jesus que morreu na cruz por nós para dar a cada um de nós toda a misericórdia de Deus. Além disso, é um alerta que nos faz ver a possibilidade de uma vida muito melhor, sem a necessidade de arrastarmos conosco um pesado fardo de rancores, mágoas e planos de vingança ou retribuição. É um alerta, mas é também um belo convite, para que, como Igreja que somos, caminhemos com leveza e fé, guiados pelo Espírito Santo, para vivermos a misericórdia no nosso cotidiano, como algo que corre em nossas veias, que faz parte de nós. E o Espírito de Deus atua por meio dessa Palavra hoje compartilhada justamente para nos levar a vivermos isso. O pai é misericordioso. Misericórdia é coisa de família. E nós somos definitivamente família de Deus, desde o nosso batismo. Caminhamos, então, como um povo misericordioso. Graças a Deus. Amém. [1] No texto em hebraico, assim como nas traduções que proponho, a única coisa que varia é a posição do nome divino.
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O autorCesar Motta Rios é teólogo. Tem Doutorado na área de Literaturas Clássicas e Medievais, com pós-doutorado na área de Filosofia Antiga. Exerce ministério pastoral junto à Igreja Luterana em Miguel Pereira - RJ. Para acessar seu currículo e encontrá-lo em outras plataformas, clique AQUI. Histórico
April 2023
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