Segundo Domingo após Epifania – 2020
Comunidade Luterana Concórdia – São Leopoldo, RS O NOME QUE NOS FAZ CRER (NA SANTA IGREJA) MESMO COM MUITAS DECEPÇÕES 1 Coríntios 1.1-9 Cesar Motta Rios Você já se decepcionou com a Igreja? Já conheceu alguém que já se decepcionou? Tem uma parte da história da Reforma que não costuma ser muito considerada. Na verdade, são muitos detalhes que ficam esquecidos, mas um me veio à mente para esta mensagem. Lutero, quando já maduro e com a Reforma bem desenvolvida, olha para a realidade à sua volta e parece não encontrar exatamente o que ele previa anos antes. Em alguns textos desse período, por exemplo, no Comentário à Epístola de Paulo aos Gálatas, fica bem explícito o descontentamento do reformador. Ele pensava que a pregação do Evangelho feita de forma clara e enfática traria muitas mudanças positivas. Na prática, percebia certo desleixo das pessoas. E reclama. Nosso assunto não é Lutero ou Reforma, mas eu queria mencionar isso para observar que a decepção com a Igreja não é algo novo, de nosso tempo. Mas também não é algo novo lá no século XVI. A comunidade cristã em Corinto, no século I d.C., já tinha ingredientes suficientes para deixar o apóstolo Paulo profundamente decepcionado: eles tinham divisões (sobre as quais escutaremos no próximo fim de semana); imoralidade sexual (com caso emblemático bizarro); transformaram a Santa Ceia em comilança desordenada. Era sério o negócio. Mas Paulo não desiste. Vai escrever para eles e começa com esse trecho que nós lemos hoje. Ele, o remetente, se apresenta como apóstolo de Cristo Jesus. E o destinatário é “a igreja de Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus, chamados santos”. Santos, Paulo? Santos, e não estão sozinhos, mas com todos aqueles que invocam o nome do Senhor Jesus Cristo, em qualquer lugar. Santos! Muitos santos! Mas você deve ter percebido que, nesse trechinho inicial, apareceram já três vezes o nome Jesus Cristo. E esse nome, que é invocado pelos tais santos, continua aparecendo insistentemente até o final do trecho lido hoje. Então, compensa lermos com isso em vista e enfatizarmos que esses santos são santificados em Cristo Jesus. Convém enfatizar que é gente que invoca o nome de Cristo Jesus. E tudo fica mais claro no versículo 4. Paulo dá graças a Deus pela gente dessa igreja cheia de problemas, porque a graça lhes foi dada por meio de Jesus Cristo. Novamente o nome e, agora, o termo chave – graça, a graça dada por meio de Jesus – que explica o motivo de pecadores serem chamados santos. Pela graça! Mas o dono do nome pelo qual importa que sejamos salvos (Atos 4.12), Jesus Cristo, não sai de cena com uma doação da graça simplesmente e esse título de santos dado de presente. Ele enriquece essa comunidade com conhecimento e palavra. E ele é aguardado por essa comunidade. E, diz o apóstolo, que essas pessoas serão mantidas firmes pelo próprio Deus até o fim, e, naquele dia de Jesus Cristo, serão irrepreensíveis. Agora, são santos, mas ainda repreensíveis. Naquele dia, serão santos e irrepreensíveis. Por que termina bem assim essa história? Por que gente tão bagunçada vai ficar bem no fim das contas? Por que eles são muitíssimo fiéis? Na verdade, Paulo enfatiza no versículo 9 não uma fidelidade deles, mas a de Deus: “Fiel é Deus, que os chamou para a comunhão com seu Filho Jesus Cristo”. Fiel é Ele. E essa comunhão que ele proporcionou possibilitou com tudo que já aconteceu, tudo que já mudou, e possibilita tudo que está para ser concluído também. A comunhão com Jesus é a realidade que faz existir a Santa Igreja, a comunhão dos santos. E, também, é nessa comunhão com Jesus – como apóstolo de Jesus, lembrando o início da carta, como servo de Jesus, como seguidores e seguidoras de Jesus – que uma pessoa pode olhar para o mundo e crer na existência da “Santa Igreja”. De fora dessa condição, dessa comunhão, é impossível. Você olharia para uma instituição e poderia até ver uma bela logomarca, congressos invejáveis, cursos de capacitação e bons retiros. Mas, olhando mais de perto, levantando alguns tapetes, encontraria incontáveis motivos para decepções. Não é à toa que, no Credo Apostólico, não afirmamos que vemos a Santa Igreja, mas que cremos nela. É algo do âmbito da fé e possível somente numa perspectiva de fé, na comunhão com Jesus. Essa comunhão, nós a temos pelo amor de Deus, que nos conduz por seus meios – Palavra e Sacramentos. Nós a temos por misericórdia e milagre garantidos na cruz. E é nas mãos milagrosas de Jesus que encontramos condições para caminharmos em meio às decepções e às contradições - sabendo que cada um de nós, com a própria imperfeição, contribui um pouco que seja para os problemas existirem - mas tendo esperança e vivendo o amor de Deus em meio a erros. Agora, uma última observação, breve, mas necessária: isso tudo não deve servir como uma autorização para a Igreja ser desleixada com seu procedimento. Saber que a santidade vem de Cristo e que a condição de irrepreensíveis está no horizonte da expectativa somente não deveria jamais nos fazer acomodados hoje. Há um caminho a ser percorrido com seriedade, com a Palavra e o conhecimento que nos foram dados em Cristo Jesus. Por isso, a carta aos Coríntios tem muito texto pela frente, com orientações preciosíssimas, escritas para serem lidas pelos cristãos de Corinto e por todos nós com atenção. A Santa Igreja ouve a Palavra com atenção, temor e amor, e a quer praticar imediatamente. Sob o nome de Jesus Cristo, nós seguiremos, com seriedade, devoção, autocrítica e, sobretudo, em comunhão com Cristo, que nos faz Santa Igreja - muitos santos; todos pecadores; sempre sabendo bem: “Onde abundou o pecado, superabundou a graça de Deus” (Rm 5.20). Amém.
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O autorCesar Motta Rios é teólogo. Tem Doutorado na área de Literaturas Clássicas e Medievais, com pós-doutorado na área de Filosofia Antiga. Exerce ministério pastoral junto à Igreja Luterana em Miguel Pereira - RJ. Para acessar seu currículo e encontrá-lo em outras plataformas, clique AQUI. Histórico
April 2023
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