[O texto abaixo é minha contribuição para o Informativo do mês de março da Comunidade Evangélica Luterana Concórdia, São Leopoldo - RS.]
O Machado está posto à raiz Cesar Motta Rios Ei-lo, vai sobre o alto do Calvário Morrer piedoso e calmo em uma cruz! Povos! naquele fúnebre sudário Envolto vai um sol de eterna luz! “O machado está posto à raiz” é uma frase de João Batista para chamar as pessoas ao arrependimento (Lc 3.9). É oportuna para a Quaresma, já que aponta para o fato de que o pecado é coisa séria. E só entendemos a bênção do sacrifício de Jesus por nós, se entendermos isso primeiro. Mas o título que escrevi traz “Machado” com letra maiúscula. É um nome. Acontece que os versos no início do texto não vêm de nossos hinários. São do grande escritor Machado de Assis, que, na Semana Santa de 1858, escreveu o poema “A morte no Calvário”. Além de bonitas, suas palavras nos conduzem muito bem ao período do calendário da Igreja que logo começaremos. Espero que ninguém se incomode com o trocadilho, mas entendo que Machado (de Assis) vai à raiz, ao que é mais importante no tempo da Quaresma. Primeiro, porque seus versos apontam para o sofrimento e morte de Jesus. Na Quaresma, pensamos justamente nisso, enquanto aguardamos também a Páscoa, a hora de recordar festivamente a ressurreição. Mas há algo mais: Além de falar da cruz, os versos lembram que quem morreu ali não foi um homem bom ou um profeta especial somente. Parecia ser isso. Parecia que, coberto pelo sudário, estava um corpo de gente comum. Mas, contra a aparência, a verdade é que Deus estava ali, sendo morto e sepultado. Como é que aquele ser cheio de luz, por meio de quem e para quem todas as coisas foram criadas (Cl 1.15-17; Jo 1.3-9), pode estar no centro dessa cena triste e sem vida? O poeta convida a reconhecer isso como algo surpreendente: um sol de eterna luz escondido no sudário. Começar a Quaresma lembrando que é o Filho de Deus que se entrega para morrer, que não se trata só de mais uma execução injusta, é importante para que não percamos de vista que essa morte tem um objetivo. E, por isso, nós nos lembramos dela não para chorarmos simplesmente, mas para apreendermos todo seu valor para nossas vidas. Vemos na cruz o castigo pelo pecado. Isso nos diz que o pecado é algo grave, que deve ser evitado. Ao mesmo tempo, vemos o castigo pelo pecado sendo lançado sobre o Filho em nosso lugar. Isso anuncia que já não há condenação para os que se apegam a Cristo (Rm 8.1)! De novo, o poema ajuda: Ide, ao som das sagradas melodias, Orar junto do Cristo como irmãos, Que os espinhos da fronte do Messias São as rosas da fronte dos cristãos! Esses dois últimos versos falam do castigo que caiu sobre o Messias, para que bênçãos pudessem vir sobre nós. Numa linguagem mais conhecida entre luteranos, chamaríamos isso de “troca feliz”. Essa é a boa notícia que conhecemos e que não podemos perder de vista. Vamos com Machado, lembrando que o Filho morreu em nosso favor. Agora, se você não aprecia poesia, certamente encontrará o suficiente para a mesma reflexão quaresmal na explicação de Lutero para o segundo artigo do Credo: “Creio que Jesus Cristo, verdadeiro Deus, gerado do Pai desde a eternidade, e também verdadeiro homem, nascido da virgem Maria, é meu Senhor. Pois me remiu a mim, homem perdido e condenado, me resgatou e salvou de todos os pecados, da morte e do poder do diabo; não com ouro ou prata, mas com seu santo e precioso sangue e sua inocente paixão e morte, para que eu lhe pertença e viva submisso a ele, em seu reino, e o sirva em eterna justiça, inocência e bem-aventurança, assim como ele ressuscitou dos mortos, vive e reina eternamente.”
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O autorCesar Motta Rios é teólogo. Tem Doutorado na área de Literaturas Clássicas e Medievais, com pós-doutorado na área de Filosofia Antiga. Exerce ministério pastoral junto à Igreja Luterana em Miguel Pereira - RJ. Para acessar seu currículo e encontrá-lo em outras plataformas, clique AQUI. Histórico
April 2023
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