1º Domingo na Quaresma – 2019
Comunidade Luterana Concórdia – São Leopoldo, RS MAIS UM SERMÃO SOBRE A TENTAÇÃO DE JESUS Sl 91.1-13; Dt 26.1-11; Rm 10.8b-13; Lc 4.1-13 Cesar Motta Rios Eu começava a pensar nesta mensagem, nos textos, e fui atrapalhado por uma imaginação insistente que invadia meus pensamentos. E era a este momento, ao começo da pregação, que minha mente me trazia. Mas, diferente da tranquilidade de agora, acontecia uma coisa estranha. Eu imaginava que tinha uma pessoa muito inquieta aqui em um desses bancos. Uma pessoa inquieta, atenta e de boa memória. Então, quando eu começava a dar sinais de que o sermão seria sobre o texto do Evangelho de Lucas lido há pouco, essa pessoa não se aguentava, levantava do banco, se aproximava e dizia: - Desculpa, Cesar, mas você vai pregar mais um sermão sobre a tentação de Jesus? - Mas é o primeiro que eu vou pregar sobre isso na vida. - Sim, o seu primeiro. Mas você sabe qual o texto que serviu de base para o sermão do primeiro domingo na Quaresma no ano passado? Marcos 1.12-15, que fala da tentação de Jesus. E sabe qual foi o texto do sermão de 2017? Mateus 4.1-11, que fala da tentação de Jesus. Sabe há quantos anos eu escuto um sermão sobre a tentação de Jesus no primeiro domingo na Quaresma? - Imagino que desde que você frequenta a igreja. Porque, no ano que vem, nós voltamos a esse texto de Mateus, em 2021, será a vez de Marcos, e, em 2022, Lucas 4.1-13 de novo. - Então! Pois é! Mas não dá para ser um negócio desses. Vamos repetir sempre isso? Ainda meio perturbado pela situação, afinal, uma conversa no meio do sermão não é coisa que se vê todo dia numa igreja luterana, eu tentaria explicar sobre a importância do texto para essa data. Primeiro, observaria que tem o detalhe numérico. Jesus jejuou por 40 dias. E não é à toa que a Quaresma é um tempo de quarenta dias. É um número comum nas Escrituras para esses períodos de privação e preparação para um acontecimento especial: 40 anos no deserto do povo de Deus antes de entrar na terra prometida, 40 dias que Moisés jejuou antes de receber as tábuas da Lei, 40 dias que Elias caminhou em jejum... Então, ficamos 40 dias em reflexão e preparação, acompanhando o caminho de Jesus para a cruz na Quaresma. É claro que o número não convenceria essa pessoa completamente. “Só por causa do número 40 eu vou ter que escutar mais de 40 sermões sobre o mesmo assunto na vida?” Então, eu tentaria ir por outro caminho: Observar como esse momento da tentação é decisivo para a caminhada de Jesus até a cruz. É tão decisivo que nós voltamos a ele nesse momento. Sim, porque já estávamos lendo lá o capítulo 9 no domingo anterior. Agora, voltamos ao momento imediatamente posterior ao Batismo do Senhor! É antes de ele começar todas as curas e milagres, as pregações... E é decisivo, porque é o momento em que Jesus define claramente que não se desviará do caminho proposto, que não escolherá outro rumo. Após dias no deserto, em meio à fome e à fraqueza, ele diz “não” às alternativas oferecidas pelo Tentador. Diferente do primeiro Adão, ele segue o plano. O Filho de Deus, depois de viver décadas como ser humano, de experimentar o que é dor e sofrimento, e de provar dessa limitação de forma aguçada no deserto, olha para frente, olha para a cruz, e diz: “Mesmo assim, minha meta é lá e eu não vou desistir.” Sem essa determinação de Jesus no deserto de não ceder às tentações, não haveria Sexta-feira santa, não haveria Domingo da ressurreição, e não haveria, também para nós, ressurreição. Aquela querida pessoa inquieta, atenta e de boa memória, que estaria aqui, quase ao meu lado, diria assim: - Ok! Eu entendo que o evento é importante. Entendo que se encaixa no nosso tempo da Igreja... Agora, seu sermão vai ser só sobre isso, sobre Jesus, tentação e cruz? Não vai falar sobre nossas tentações também? É claro que eu ficaria ainda mais incomodado. A pessoa não queria mais um sermão sobre a tentação de Jesus, e, agora, quer definir o conteúdo do meu sermão sobre a tentação de Jesus! Eu tentaria, então, explicar que falar de nossas tentações aqui, a partir desse texto, não seria uma prioridade para mim. Há outros textos mais propícios para isso. Observaria que acho arriscado tentar encontrar nessa cena da tentação de Jesus um método para se resistir às tentações. As tentações que vêm sobre nós não são exatamente como essas. Não levamos um diálogo com o Tentador nas manhãs de segunda-feira, mas somos tentados em detalhes mínimos do cotidiano de forma rápida e até imperceptível: como quando tenho que decidir se respeito o próximo que tem a preferência de usar a faixa de pedestres ou se beneficio a mim mesmo, roubando o tempo do outro; como quando fico entre dar uma resposta cheia de raiva ou ficar em silencio, paciente. Coisas assim, variadas e dispersas ao longo de nossos dias. Coisas que não se enquadram necessariamente no imaginário popular mais básico criado em torno da palavra tentação: comida ou sexo. O caso ali no deserto foi algo muito atípico, muito específico, na caminhada dessa pessoa muito especial que é Jesus. O texto é mais sobre Ele do que sobre nós. Nós entramos aqui como beneficiados, mais do que como aprendizes, mesmo quando o assunto são as nossas tentações cotidianas. Sim, porque o fato de que Ele persistiu e venceu a tentação, e foi para a cruz por nós, para morrer e pagar pelos nossos erros, pelas nossas derrotas nas tentações fez com que o Salmo 91 se tornasse nossa realidade. Porque Ele venceu, nós nos escondemos nEle. Como pintinhos que nada podem fazer contra os predadores e escondem sob as asas da galinha, assim fazemos nós, recorrendo a Ele. E, assim, somos salvos e somos feitos vencedores. Não por um método trabalhoso, mas porque invocamos o nome daquele que realmente venceu. E nós fazemos isso diante das tentações, das nossas tentações, quando nos voltamos para Deus e oramos de coração e com toda a simplicidade as palavras do Pai Nosso: “Pai nosso que estás nos céus... Não nos deixes cair em tentação.” Com essas palavras, nós reconhecemos que, por nossas forças e maquinações, nós não poderíamos resistir nem àquela tentação do trânsito, nem a da má resposta numa contenda, nem à menor das tentações. O resistir nos é dado no esconderijo. A pessoa inquieta, atenta e de boa memória estaria aqui ainda, e diria algo assim: - Tá bom. Tá bom. Tem coisa importante de ser lembrada aí... Vou sentar ali, pode pregar o sermão. E eu diria a essa pessoa o que digo a cada um de vocês: Se você conseguiu acompanhar até aqui, se foi lembrado ou lembrada de que Cristo decidiu vencer a tentação e ir até o fim, de que ele venceu por nós e de que é nEle que encontramos nosso refúgio, acolhimento, paz com Deus e vitória sobre nossas tentações, o sermão está suficientemente pregado. Mais um sermão sobre a tentação de Jesus. Mais um passo em nossa caminhada. Que estejamos sempre com Cristo, escondidos em Cristo, nosso refúgio e fortaleza. Amém.
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O autorCesar Motta Rios é teólogo. Tem Doutorado na área de Literaturas Clássicas e Medievais, com pós-doutorado na área de Filosofia Antiga. Exerce ministério pastoral junto à Igreja Luterana em Miguel Pereira - RJ. Para acessar seu currículo e encontrá-lo em outras plataformas, clique AQUI. Histórico
April 2023
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