Acho sempre incômodo que as pessoas leem essa afirmação de Jesus como se ele estivesse tranquilo dando uma aula sobre política. "Ali, Jesus definiu a separação entre Igreja e Estado!" Bom, meu problema não é doutrina, mas o uso do texto para se definir a doutrina. Será que não seria bom ler com mais calma? Será mesmo que, naquela enrascada armada pelos opositores, Jesus estava estabelecendo uma doutrina para a Igreja para todo o sempre?
Eu tendo a ler de outra forma. Em Mateus 21.23-27, encontramos Jesus fazendo uma pergunta difícil para seus opositores. A pergunta é difícil porque tanto o "sim" quanto o "não" comprometeria quem respondesse. Eles, então, não respondem. Não dão "sim". Não dão "não". Agora, em Mateus 22.15-22, quem está contra a parede é Jesus. Se ele responde "sim" (deve-se pagar!), incomoda os judeus revoltosos, que se enraiveceriam com essa subserviência a Roma. Se ele responde "não", enraivece os romanos e partidários de Roma. Em qualquer dos casos, gera tumultos difíceis de se gerenciar. Mas Jesus não cala o "sim" nem o "não". Pelo contrário, ele dá uma resposta que pode ser entendida como "sim" ou como "não". Ou seja, vence seus oponentes não pela falta de resposta, mas por um excesso de (sentido em sua) resposta. Como pode isso? O fato é que "Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus" podia ser escutado de duas formas: 1) "Pagai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus." Isso soa como um "sim"! Fica a questão: Nesse caso, o que pagamos ou damos a Deus? 2) "Devolvei a César o que é de César e a Deus o que é de Deus." Nesse caso, quem queria dar fim à dominação romana podia entender que deviam devolver a César/Roma o dinheiro romano, que nem deveria mesmo estar circulando ali. Ao mesmo tempo, devolveriam a Deus o que é de Deus, a Terra de Israel. Soa como um "não" bem radical. O verbo grego utilizado, ἀποδίδωμι, permite certamente esse duplo entendimento. E é notável que, na pergunta sobre a licitude do pagamento, o verbo utilizado pelos oponentes de Jesus é diferente! O termo não aparece por acaso na fala de Jesus. Essa leitura - com alguma diferença - está bem apresentada no seguinte artigo de Uwe Wegner: http://periodicos.est.edu.br/index.php/estudos_teologicos/article/view/1059/1016 É de graça. Leia e aproveite o que julgar aproveitável.
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O episódio em que Jesus vai ao Tanque de Betesda e, ali, cura um paralítico nos reserva algumas questões interessantes. A primeira diz respeito a um problema na transmissão manuscrita do texto. Em alguns manuscritos, há um anjo que desce dos céus de vez em quando e agita as águas do tanque. Na minha infância, eu ficava encucado com a cena. Por que Deus faria aquilo? Parecia uma brincadeira de mau gosto. Pois então, Nestle-Aland entende que se trata de um acréscimo, que tentaria explicar o agitar da água no tanque. Mas, se não havia anjo, havia mesmo agitação da água? Sim. Pesquisas arqueológicas demonstraram muito bem que o Tanque de Betesda tinha uma estrutura bem comum em tanques judaicos, sendo, na verdade, duplo. Havia um tanque superior e um inferior. O inferior era destinado aos banhos. O superior funcionava como reservatório. De tempos em tempos, abriam-se comportas e água caía do superior para o inferior. Obviamente, agitava-se a água! É possível que copistas não habituados a esse tipo de estrutura tenham estranhado a agitação da água e deduzido que haveria de ser algo miraculoso.
Pois bem, mas o assunto desta postagem deveria ser outro. O caso é que há quem afirme que o tal Tanque de Betesda teria sido, naquele tempo, não uma piscina judaica, mas uma espécie de santuário do deus Esculápio, associado a curas milagrosas. Esculápio é o nome romano. O nome grego do moço é Asclépio. Escolha o que preferir. (E, sim, o símbolo atual usado para a Medicina vem dele mesmo!) Em todo caso, a cena teria um ingrediente a mais. Por que Jesus teria ido até lá e curado somente um homem? Porque seria um judeu procurando cura no deus errado. Jesus, então, teria entrado naquele ambiente cheio de não-judeus, encontrado o judeu desgarrado, e resolvido o problema, para que ele saísse de lá. De onde tiraram isso? A interpretação parece ter surgido pela descoberta de estatuetas e oferendas relacionadas com o deus greco-romano bem na área do Tanque. Ora, Jerusalém estava sob domínio romano. Era uma cidade absorvida pela cultura romana e helenística como qualquer outra, dizem. Ótimo! Mas... Desde quando tive conhecimento dessa interpretação pela primeira vez, em 2014, achei que havia algo mal explicado. Contrariando amigos e alunos (Curso de Estudos Judaicos do eteacherbiblical.com. Naquele tempo, eu tinha internet decente para aulas online.) que curtiam a ideia, eu argumentava com dois recursos: 1) Fontes textuais: Flávio Josefo e Fílon de Alexandria narram fatos que nos fazem entender que a relação dos judeus com Jerusalém era diferente. Nem tudo que era tolerado em outras cidades na Judeia e Galileia seria aceito na cidade do Templo [Referi-me brevemente a isso em um artigo publicado no ano passado sobre Cesareia Marítima. Querendo, procure AQUI], muito menos bem ali ao lado, como o Tanque de Betesda. Se seria tranquilo um "santuário" dedicado a Esculápio em qualquer cidade romana das redondezas, o mesmo não se pode dizer sobre Jerusalém. Seria um ensejo para revoltas vigorosas! 2) Interpretação de dados arqueológicos: Em 2014, não tive acesso a dados completamente claros sobre as escavações do Tanque de Betesda, mas sugeria que seria plausível que as tais estatuetas e peças votivas encontradas ali datassem do século II d.C.. Seriam oriundas do período em que os judeus haviam sido expulsos da cidade, que deixou de se chamar Jerusalém, para receber o nome de Aelia Capitolina. Nesse tempo, sim, Jerusalém (que nem era Jerusalém) foi uma cidade romana como outra qualquer. Faria muito mais sentido. Seria muito mais coerente com o que revelam as fontes textuais. Convenci alguns. Outros tinham gostado tanto do drama judeu-gentílico da cena, que não arredaram pé. Outros, ainda, ficaram com pena de abandonar a interpretação: "Ah, mas é uma possibilidade, não é?" Enfim, lembrei desse assunto hoje por ter encontrado o artigo excelente de um especialista que confirma minha leitura: GIBSON, S. The Excavations at the Bethesda Pool in Jerusalem: Preliminary Report on a Project of Stratigraphic and Structural Analysis. In: F. Bouwen (ed.) Sainte-Anne de Jérusalem. La Piscine Probatiquen de Jésus à Saladin. Jerusalem: Saint Anne, 2011. p. 17-44. Se você procurar bem, vai descobrir que o texto está disponível de graça no Academia.edu. [Aviso: Este texto deve contrariar muitos sermões que você escutou ou pregou. Não se assuste. Isso é normal.]
Ao lermos Mateus 5.20, nosso primeiro impulso é identificar a pregação da justificação por graça mediante a fé. A justiça que excede à dos escribas e fariseus seria a mesma que excede toda possível justiça humana: a justiça de Cristo, que seria dos leitores (ὑμῶν) por ação graciosa de Deus. Se isso foi o que Jesus pretendeu dizer, é certo que não foi compreendido pelos ouvintes, sejamos sinceros. Não digo que esse sentido não estivesse pretendido para o futuro, mas, certamente, ele sabia que outro sentido estaria óbvio e seria apreendido por todos que o escutassem. E, aqui, há certa dificuldade: só conseguimos ver os fariseus como insistentes praticantes da Lei, como rigorosíssimos legalistas. Embora Josefo, que fora fariseu por muitos anos, afirme que eles eram tidos como os que com maior diligência explicavam as coisas relativas à lei (οἱ μετὰ ἀκριβείας δοκοῦντες ἐξηγεῖσθαι τὰ νόμιμα – B.J. 2.162), não podemos afirmar que fossem vistos como exímios praticantes da Lei por todos. É certo que tinham uma preocupação considerável com questões relativas à pureza ritual, por exemplo. Mas alguém podia se lembrar de algo muito dito na Antiguidade, e que aparece também no Novo Testamento (cf. 1 Jo 3.18): é preciso haver coerência entre o que se diz e o que se vive. Além disso, pelos discursos de Jesus, percebemos que a conduta dos fariseus era criticável em muitos sentidos. E isso não passaria despercebido por judeus mais rigorosos, como os responsáveis por alguns textos encontrados entre os MMM, como o Documento de Damasco e as Regras da Comunidade. Por exemplo, em Mt 12.9-14, fica claro que Jesus entende que os fariseus veriam como normal um homem manter a vida de um animal que caísse em um buraco no sábado. Mas o Documento de Damasco (XIII 22-23) afirma claramente que isso não deve ser feito: “Nenhum homem deve ajudar um animal em seu resgate no dia de Sábado. E se esse animal cair em um buraco ou canal d’água, ele não deve erguê-lo de (ou ‘preservar sua vida’) lá no Sábado”. No trecho, Jesus não confirma nossa ideia de fariseus rigorosíssimos. Pelo contrário, lança mão do fato de que os fariseus não são os rigorosos do contexto. É como se dissesse: “Ei, vocês fariseus nem são como aqueles outros. Vocês até permitem que se cuide de uma ovelha no sábado. E, mesmo assim, vão implicar com a cura de um ser humano?” Por isso, ter uma justiça que exceda à dos fariseus (e escribas) podia ser entendido como algo ainda experimentável no plano humano. Na verdade, a fala de Jesus em Mt 5.20 não seria tanto um alerta de impossibilidade, mas sim um alerta sobre a frouxidão com que certo grupo estava se relacionando com a Torah. Esse modo de tratar a Torah não devia ser seguido pelos que ouviam Jesus. Veja que esse é o assunto! A Torah deveria permanecer íntegra (Mt 5.18). E, no trecho seguinte (Mt 5.21), vem o discurso com a estrutura “foi dito... eu digo”. Se parecer necessário ainda, confira-se Marcos 7.10-13/Mateus 15.3-6. Um dos problemas dos fariseus é justamente não serem fieis observantes da Torah! Claro, a partir de nossa perspectiva, é possível dar um passo além e sugerir que, naquele momento, o propósito final já era manter a leitura rigorosa da Torah, para esclarecer nossa incapacidade de cumpri-la. Ou seja, é preciso encarar a coisa tal qual ela é, e não fingir que é mais amena, para que reconheçamos nossa condição diante dela e de Deus. A partir disso, sim, haverá relevância para a Graça. Cesar M. Rios O estudo da língua grega - vale para o hebraico também - não serve só ou primordialmente para julgar traduções alheias, para traduzir ou (até mesmo!) para explicar o "sentido verdadeiro" do texto original. Em princípio, serve para se ler textos escritos em grego. Uma leitura rápida é suficiente para se apreciar detalhes instigantes, como tentei mostrar na imagem.
Acho que a legenda com cores é razoavelmente suficiente. Acrescento explicação só para o caso marcado com rosa. Primeiro, apareceu o termo γάλα – leite: “Como bebezinhos recém-nascidos, desejai intensamente o leite espiritual [Racional? Relativo à palavra ou Palavra?] livre de mácula, para que com ele sejais fortalecidos para salvação”. Em seguida, aparece ἐγεύσασθε - provastes: “Se provastes [e percebestes] que o Senhor é bom”. O verbo traz a ideia de paladar mesmo, não de um teste qualquer. E você não precisa de um dicionário para dizer isso. Basta lembrar que, em grego, o termo usado para se referir ao sentido do paladar é γεῦσις. Você deseja o leite da Palavra com ardor, porque já provou que o Senhor é bom/dá leite bom! No fim das contas, a Palavra não é coisa de se saber simplesmente. É coisa de se saborear. Bom, a questão sobre o sentido de λογικὸν no trecho excede o tempo de uma leitura rápida. Eu sei que a maioria das pessoas tem uma resposta única e convicta para a pergunta. Tomé tocou mesmo nas mãos e no lado de Jesus? Sim - diz a maioria. Não - Diz um ou outro. Eu dou as duas respostas a seguir, com uma mínima justificativa para cada. Sim, Tomé tocou nas feridas de Jesus! Argumento: Em João 20.25, Tomé diz claramente que só iria crer se visse as marcas dos cravos nas mãos de Jesus, e (importante!) se não colocasse o dedo nas feridas dos cravos e a mão no lado de Jesus. Ἐὰν μὴ ἴδω ἐν ταῖς χερσὶν αὐτοῦ τὸν τύπον τῶν ἥλων καὶ βάλω τὸν δάκτυλόν μου εἰς τὸν τύπον τῶν ἥλων καὶ βάλω μου τὴν χεῖρα εἰς τὴν πλευρὰν αὐτοῦ, οὐ μὴ πιστεύσω. O quadro de Caravaggio, que ilustra a postagem, parece confundir as ações no detalhe. O dedo se destaca no toque do lado. Bom, mas o importante é que, depois, Jesus aparece e coordena as ações: Leva o dedo aqui e vê minhas mãos. Leva tua mão e coloca-a no meu lado. Φέρε τὸν δάκτυλόν σου ὧδε καὶ ἴδε τὰς χεῖράς μου, καὶ φέρε τὴν χεῖρά σου καὶ βάλε εἰς τὴν πλευράν μου Interessante como Jesus respeita o detalhe proposto por Tomé: Dedo para as feridas das mãos e mão para o lado. Mas, mais importante para o argumento, é que a fala de Jesus já serve como narrativa da ação. É como se o leitor visse o que está acontecendo enquanto Jesus o diz. Há toda uma força visual na construção. Seria redundante se o evangelista resolvesse, depois de uma ordem tão descritiva, dizer: "Então, Tomé colocou o dedo...". Na verdade, seria até enfadonho. O leitor já leu Tomé dizer que pretende fazer tal e tal coisa. Jesus vem e diz para Tomé fazer tal e tal coisa. Se o texto repete a ação pela terceira vez, agora, na voz do narrador, seria exagerado. Não, Tomé não tocou nas feridas de Jesus! Argumento: Até aqui, ficou claro que o texto em si não diz que Tomé realizou a ação que ele diz pretender realizar. É compreensível que a ordem detalhada de Jesus possa ser interpretada por alguém como suficiente para se pensar que a ação ocorreu enquanto ele falava. Contudo, isso é uma interpretação bastante hipotética. Dito mesmo não está! Além do mais, convém ler o que segue do texto. A fala de Jesus não termina com as instruções de movimentos. Ele termina com uma frase importantíssima: "Não seja incrédulo, mas crente!" E o texto diz que Tomé respondeu dizendo: "Senhor meu e Deus meu!" O texto não diz: "Tomé fez como Jesus dissera e respondeu...". Seria uma forma estilisticamente adequada de se deixar claro que a ação foi realizada (Cf. Mateus 1.24). Mais importante ainda é a fala final de Jesus no episódio: "Porque me viste, creste! Benditos os que, não vendo, creem!" Ora, ele creu por ter visto Jesus, não por tê-lo tocado! Se a ação que estigmatiza Tomé tivesse sido realizada por ele, era de se esperar que o texto mostrasse Jesus dizendo: "Porque me viste e me tocaste, creste!" A ação de tocar saiu de cena! Por quê? Pode muito bem que o que se está narrando é o seguinte: Tomé queria ver e tocar Jesus. Jesus apareceu e lhe mandou fazer aquilo. Mas o reconhecimento era tão inevitável, e a situação tão maravilhosa, que Tomé ficou só ali embasbacado escutando Jesus dizer aquelas palavras. Então, em vez de agir conforme seu plano pueril, ele simplesmente se desfaz de todas as suas pretensões e confessa a fé. Então, por fim, Jesus, reconhecendo que o ver foi suficiente sem o tocar, mostra que muitos viriam a crer sem tocar e sem ver tampouco! No fim das contas, se Tomé foi considerado por muitos como alguém de pequena fé por depender do tato, talvez isso seja um erro. Depender do tato pode ter sido experiência de outros (Posso me lembrar de 1 João 1.1?), e não de Tomé. Ele, pelo contrário, desiste de sua epistemologia capenga diante da revelação. Apega-se a esta, e confessa de modo mais claro que todos os outros a divindade de Cristo. ------------------- Escolha sua resposta. Confesso que ainda não escolhi a minha. A academia exige rigor na linguagem. Se você for um biólogo e disser que todos os micróbios precisam de uma temperatura menor que 60 graus centígrados para viverem, mas houver alguns deles que apreciem viver no Rio de Janeiro, seus pares vão cobrar explicações. Se você estiver escrevendo um artigo sobre os judeus no século I d.C., e disser que havia comunidades judaicas em todas as cidades romanas com alguma expressividade, seus pares vão pedir evidências. Academicamente, seu discurso não terá sido verdadeiro por um micróbio ou por uma cidade longínqua! Mas os Evangelhos não foram escritos para passarem por esse tipo de avaliação. Trata-se de outro tipo de discurso. Há alguns anos, em um grupo de estudos bíblicos, líamos Marcos 2.1-12, aquele episódio do paralítico descido por uma abertura no telhado. Depois de discutirmos sobre a contenda de Jesus com os escribas ali presentes, sobre o significado de ‘filho do homem’, e coisas assim, alguém reparou no versículo 12: “de modo que todos ficaram maravilhados e glorificaram a Deus dizendo: Nunca vimos coisa assim!”. A pessoa disse: “Então, quer dizer que, depois da cura, até aqueles escribas glorificaram a Deus!” Eu parei um tempo. Suspirei e respondi que era possível, mas que talvez não fosse assim. “Mas como está no grego? Não é ‘todos’ também?” - Solicitou. Sim, em princípio, em grego, πάντας indica a mesma coisa que “todos” em português. “Então foram todos!” – Afirmou ainda mais convicto meu amigo. Bom, mas, imagine que você foi a uma festa, e as pessoas sorriam e conversavam animadas. No dia seguinte, alguém pergunta como foi. Você responderá: “Muito bom. Estavam todos muito animados.” Contudo, havia uma ou duas pessoas meio deprimidas por ali. Mesmo assim, ninguém deveria avaliar sua fala com rigor acadêmico. No meio acadêmico, “todos” tem que indicar a totalidade. Mas, na vida comum, usamos “todos” como modo de indicar que algo era geral, abarcando a maioria. Olhando por cima, realmente, todos na festa estavam muito animados. Marcos pode simplesmente estar dizendo algo assim, como nós fazemos. Depois que expliquei esse meu ponto de vista, alguns me olharam um tanto preocupados. Eu pude ver que se questionavam a respeito dos limites do nosso conservadorismo. Será que o Cesar não os estaria ultrapassando? A Bíblia não é precisa? Não seria sempre verdadeira? Como a conversa toda surgiu inesperadamente, se bem me lembro, não tentei realmente comprovar minha perspectiva. Eu deveria ter prosseguido mais um pouco: O Evangelho de Marcos é preciso na medida da comunicação humana. Isto é, ele é escrito para comunicar algo e é precisamente isso que faz, usando linguagem comum para gente comum ler. Não há nada de acadêmico em vista. Nós é que tratamos o texto como acadêmicos, e exigimos dele um comportamento concorde com nosso gosto. E eu deveria ter pedido que me acompanhassem até alguma esquina, esse ponto da caminhada em que a gente tem uma bela oportunidade de ajudar quem está ao nosso lado a olhar em outra direção. E uma boa esquina seria 1 Timóteo 6.10: Ῥίζα γὰρ πάντων τῶν κακῶν ἐστὶν ἡ φιλαργυρία· Pois o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males. Nessa esquina, eu diria: Bem, se você quer precisão acadêmica no discurso da Bíblia, tem agora a obrigação custosa de me provar exegeticamente que todos os males implicados no caso de Davi com Bate-Seba e Urias se originam no amor ao dinheiro. Aliás, terá que me acompanhar ao Éden e reinterpretar o caso de Adão e Eva com a Serpente também. De minha parte, caso você não tenha êxito, estarei tranquilo e pronto para voltar a conversar sobre meu ponto de vista: Certamente, em 1 Timóteo e, possivelmente, em Marcos, o “todos” que lemos é uma forma de expressar enfaticamente o grande alcance do fenômeno... Sim, a coisa é mais complicada do que aquela leitura rasa que eu mesmo já fiz nos primórdios de minha juventude. Linguagem humana não é algo estável como matemática. P.S. E a foto que ilustra esta postagem? Que relação tem com o texto? Bem, na verdade, é a expressão corporal que eu espero de muitos dos leitores diante desse me argumento. E gostaria de dizer que os entendo e respeito. O que está no olho de cada um em Mateus 7.4-5? Já não sei se usaria esse tipo de ilustração2/13/2017 ἢ πῶς ἐρεῖς τῷ ἀδελφῷ σου· ἄφες ἐκβάλω τὸ κάρφος ἐκ τοῦ ὀφθαλμοῦ σου, καὶ ἰδοὺ ἡ δοκὸς ἐν τῷ ὀφθαλμῷ σοῦ; ὑποκριτά, ἔκβαλε πρῶτον ἐκ τοῦ ὀφθαλμοῦ σοῦ τὴν δοκόν, καὶ τότε διαβλέψεις ἐκβαλεῖν τὸ κάρφος ἐκ τοῦ ὀφθαλμοῦ τοῦ ἀδελφοῦ σου.
Ou como dirás a teu irmão: "Deixa que eu tire o a farpa do teu olho", com essa a viga no teu olho? Hipócrita, tira primeiro a viga do teu olho, e, então, enxergarás bem para tirar a farpa do olho do teu irmão. (Mateus 7.4-5) O que vou dizer é bem elementar, mas confesso que não me ocorreu nas outras vezes que li o Evangelho de Mateus. 1) Se prestarmos atenção, perceberemos que estamos mesmo escutando a conversa de um carpinteiro. Não se trata de pedrinha e montanha, carrapato e elefante. O negócio é com uma pequena lasca de madeira (κάρφος), talvez, até mesmo um gravetinho, e uma viga de sustentação (δοκόν), utilizada em edificações. Que o termo δοκός é praticamente um termo técnico da área da edificação fica claro por diversas ocorrências como a seguinte: δοκοὶ οἴκων ἡμῶν κέδροι (Cântico dos Cânticos 1.17, tradução grega), isto é, “as vigas da nossas moradas são cedros”. 2) Agora, o problema. Como é isso de ter uma viga de madeira maciça no olho? Até então, eu sempre entendia que se tratava de uma linguagem hiperbólica usada propositadamente por Jesus, mais ou menos como ele faz com o camelo e o buraco da agulha em outra ocasião. É bem possível ler assim. Mas me ocorreu outra obviedade frequentemente esquecida. Se você coloca uma farpa de madeira bem perto do próprio olho, deixando-a praticamente na pupila, você a enxerga como se fosse grande em comparação com as coisas do ambiente. Um fragmento de madeira no próprio olho impede sua visão como se fosse uma viga a uns poucos metros de distância. Assim como uma viga a um passo de você em um estádio ou teatro faz com que você perca parte de um espetáculo (e isso costuma gerar reclamações!), uma farpa no olho impede o uso adequado da visão. Então, não será possível que Jesus estivesse falando de duas pessoas com farpas nos olhos simplesmente? A farpa no olho alheio é farpa. A farpa no próprio olho é [como] uma viga! Você precisa livrar-se da farpa do próprio olho para retirar com precisão a farpa do próximo. 3) Aqui, há outra coisa não tão comentada: A fala de Jesus não parece exatamente adequada para o uso que frequentemente se faz dela. Quero dizer que não serve para negar a possibilidade da correção entre as pessoas. Serviria se ele parasse ao falar da viga pela primeira vez. Mas ele vai adiante. Propõe a retirada da própria viga (farpa?) para a posterior retirada da farpa do próximo. Há um aperfeiçoamento de si com vistas ao aperfeiçoamento do próximo, e não simplesmente a proposta de um isolacionismo ou de um pessimismo absoluto a respeito das relações. Por tudo isso, acho que eu NÃO utilizaria a imagem que ilustra este texto para falar do ensino de Jesus. Ao menos, não a utilizaria sem ressalvas. Um amigo levantou a questão sobre a origem do costume de se libertar um prisioneiro por ocasião da Páscoa. Não posso deixar de tentar comentar algo a respeito. Mas já adianto que a resposta não deve satisfazer a curiosidade do amigo ou de qualquer outra pessoa. Talvez, possa complicar ainda mais algo que parecia simples. Antes, vejamos o que dizem os Evangelhos: Mateus: Por ocasião da festa, o governante tinha o costume de libertar para a multidão um prisioneiro, aquele que quisessem. (27.15) Marcos: Por ocasião da festa, [Pilatos] libertava um prisioneiro, aquele que eles requisitassem. (15.6) Lucas: - João: "Há o costume entre vós para que eu liberte um na Páscoa." (18.39) A primeira dificuldade é entender se o costume é dos judeus ou de Pilatos. Mateus e Marcos não afirmam nem de longe que se tratava de um costume judaico. Era uma ação costumeira do governante ou, mais precisamente, daquele governante, Pilatos. É até significativo que Mateus torne o sujeito explícito, enquanto, em Marcos, estava implícito. (Se você está lendo a Almeida Revista e Atualizada, não perceberá isso. Ali, o imperfeito grego é transformado em uma espécie de verbo impessoal: "era costume". Entendo que se trata de um verbo em terceira pessoa bem comum, cujo sujeito é "Pilatos", nome com o qual se encerra a frase anterior no texto em grego.) Mateus não só afirma que o governante soltava um preso, mas que o governante tinha o costume de soltar um preso. Quase parece que ele, evangelista judeu, dizia a seus leitores judeus: "Era coisa dele!". O quarto Evangelho, por sua vez, coloca na boca de Pilatos as palavras de João 18.39. Ele diz que há um costume entre os judeus para que ele liberte um prisioneiro. Lucas, que poderia explicar um pouco melhor a coisa, se cala. E agora? Os leitores costumam ficar entre duas possíveis atitudes: 1) procurar evidências de um costume judaico semelhante, ou 2) procurar evidências de um costume romano semelhante. Outra opção será, para muitos, 3) negar a historicidade do costume e entendê-lo como mera invenção dos evangelistas. (Para ser justo, é preciso dizer que a ideia de "invenção" não é necessariamente pejorativa. Poder-se-ia entender o caso como uma invenção literária bastante criativa com o objetivo de ressaltar uma verdade a respeito de Jesus.) Essa última opção não me parece necessariamente a mais plausível. E não digo isso por uma questão de fé. Acontece que tendo a concordar com os que pensam em uma produção completamente isolada do Quarto Evangelho. O autor não teria sequer tido contato com o Evangelho de Marcos para começar a escrever seu texto. (Na verdade, quem propõe isso de modo muito claro é Peder Borgen, mas explicar detalhadamente a questão não cabe agora.) Por que cargas d'água esse tal "costume" apareceria inventado tanto em João quanto em Marcos (e, por conseguinte, em Mateus)? E por que apareceria inventado de forma não idêntica, o que diminui ainda mais a possibilidade de uma influência entre os textos nesse ponto? Entendo que até mesmo os nada conservadores devem admitir a possibilidade de historicidade do "costume", ao menos para julgarem de modo menos apressado a plausibilidade da hipótese (muito precária, confesso) que apresento aqui. A busca por evidências históricas sobre o perdão pascal fora dos Evangelhos não é frutuosa. Vou ser claro: Não há, até onde eu saiba, relatos dando conta de tal costume nem entre romanos, nem entre judeus. Então, Marcos e Mateus estariam errados ao dizerem que o costume era dos romanos, e João também ao dizer que o costume era dos judeus? Vamos com calma! Marcos e Mateus NÃO dizem que o costume era dos romanos. Eles só afirmam que Pilatos costumava fazer aquilo. Pilatos era romano. Sim. Mas, veja bem, alguém pode dizer que eu, Cesar, costumo comer cogumelos. Contudo, quem escuta isso não pode afirmar que foi dito que os belo-horizontinos têm costume de comer cogumelos. Quanto à informação em João, é preciso lembrar que é colocada na boca de Pilatos! Não é o narrador que apresenta um fato. É, antes, uma fala do romano, que pode ter (como é costume) intenções além da informação. Avalie, então, a seguinte hipótese: Pilatos (ou alguém antes dele) pode ter instaurado essa prática de modo individual, como estratégia em sua relação com o povo judeu que ele governava na Judeia. Ele estabeleceria o costume ou hábito "entre os judeus da Judeia" para ganhar simpatia dos judeus mais poderosos, que poderiam dirigir, por sua vez, o pedido de soltura gritado pelos demais, e, assim, beneficiar quem lhes aprouvesse. Ganham os judeus influentes, que poderiam incitar ou diminuir a possibilidade de revoltas. Ganha Pilatos a simpatia do povo como um todo e a camaradagem dos judeus influentes. Pois bem, em seguida, Pilatos expõe essa ação dele mesmo como um hábito "entre vós", de modo a fazer parecer que, ao executar algo de sua própria inventividade manipuladora, está respeitando algo próprio dos governados. O dominante acaba criando costumes para os dominados. De certa forma, governar os judeus exigia habilidades e maleabilidades peculiares. Pilatos já sabia disso por experiência. Portanto, não é impensável que se criassem práticas peculiares para aquele contexto, já que ações e negociações peculiares eram frequentemente necessárias ali. Nesse sentido é que entendo que não é preciso buscar evidências de tal costume entre os romanos nem em fontes judaicas necessariamente. O fato de ser costume ali não implica em que seja necessariamente costume romano ou judaico. Pode ser costume, em Jerusalém, entre o povo dali (não os judeus como um todo) e o governante dali (não os romanos em geral). E por que não sabemos isso sobre Pilatos por outras fontes? Porque sabemos pouco sobre Pilatos por outras fontes! Há uma quantidade absurda de coisas que desconhecemos a seu respeito. Enfim, provisoriamente, é o que tenho pensado. É óbvio o caráter especulativo dessa construção hipotética que exponho. Eu não a apresentaria como algo comprovável. Alguém poderia propor que Pilatos podia mesmo achar que, ao fazer aquilo, no caso de ter sido algo iniciado por antecessor, estava respeitando um costume dos judeus! E essa hipótese, como a minha, não poderia ser refutada sem novos dados. Estamos no reino das elucubrações. Admitamos! Mas alguns movimentos aqui realizados me parecem importantes para demonstrar que o fato de pouco sabermos não exclui necessariamente a possibilidade de historicidade. Nossa ignorância sobre o contexto (que deveria ser admitida!) não nos permite impor ao texto algo que não lhe é necessariamente próprio. Pelo menos, não deveríamos fazer isso como se fosse verdade absoluta. O que quero dizer é: Se você entende que há invenção por parte dos Evangelistas nesse ponto, deve perceber que esse seu entendimento é hipotético também. Alguém sugere outro caminho para a reflexão? Eis a questão!
As traduções tendem a deixar Barnabé como o sujeito da contação. Veja só algumas como exemplo: NTLH Então Barnabé veio ajudá-lo e o apresentou aos apóstolos. E lhes contou como Saulo tinha visto o Senhor no caminho e como o Senhor havia falado com ele. Barnabé também contou como, em Damasco, Saulo, pelo poder do nome de Jesus, havia anunciado corajosamente o evangelho. NVI Então Barnabé o levou aos apóstolos e lhes contou como, no caminho, Saulo vira o Senhor, que lhe falara, e como em Damasco ele havia pregado corajosamente em nome de Jesus. ARA Mas Barnabé, tomando-o consigo, levou-o aos apóstolos; e contou-lhes como ele vira o Senhor no caminho, e que este lhe falara, e como em Damasco pregara ousadamente em nome de Jesus. "Vai lá, professor, olha no grego e conta se é isso mesmo!" - diz o aluno que ainda não entendeu que o grego nem sempre resolve tudo. O texto é ambíguo. Se lido só o verso isoladamente, de fato, pode parecer que o sujeito tem que ser Barnabé. Mas, quando se levanta a questão, por causa do contexto considerado como um todo, percebe-se que Saulo também pode ser sujeito do verbo. Βαρναβᾶς δὲ ἐπιλαβόμενος αὐτὸν ἤγαγεν πρὸς τοὺς ἀποστόλους καὶ διηγήσατο αὐτοῖς πῶς ἐν τῇ ὁδῷ εἶδεν τὸν κύριον καὶ ὅτι ἐλάλησεν αὐτῷ καὶ πῶς ἐν Δαμασκῷ ἐπαρρησιάσατο ἐν τῷ ὀνόματι τοῦ Ἰησοῦ. É de se notar que NTLH e NVI acrescentam o nome de Saulo como sujeito explícito do verbo "ver". Assim, praticamente excluem a possibilidade de que ele seja aquele que conta isso. Não se diria: "O Cesar contou como o Cesar viu o ônibus sair sem ele". Por outro lado, seria possível: "O Cesar contou como ele viu o ônibus sair sem ele". O sujeito de "contar" não costuma estar inserido nominalmente no conteúdo do contado. Enfim, em grego, o nome não está lá. A NTLH ainda acrescenta: "Barnabé também contou". A ARA mantém a possibilidade da ambiguidade presente no texto grego. Pois então, abaixo, exponho o link para um pequeno artigo de Mark Wilson. Ele pretende lançar luz sobre essa questão. A meu ver, consegue. Observando (além do contexto narrativo) o fato de que o testemunho de alguém que tenha vivenciado ou visto os fatos testemunhados é estritamente importante para os textos de Lucas/Atos, assim como a existência de possível paralelo entre o tríplice relato do ocorrido na casa de Cornélio e o tríplice relato da conversão de Saulo, Wilson defende que Saulo mesmo relatou aos apóstolos o ocorrido. Barnabé só o teria apresentado a eles. O artigo é conciso e claro. http://scriptura.journals.ac.za/pub/article/view/1144/1089 Não costumo compartilhar aqui artigos escritos em inglês, porque pretendo que o blog seja acessível a todos, e porque julgo positivo divulgar o trabalho dos pesquisadores falantes de português. Contudo, o fato de ser artigo curto e sobre problema que eu desconhecia me motivou a divulgá-lo. Além do mais, é notável que se trate de produto de pesquisa realizada no Sul, isto é, na África do Sul, e não no eixo Estados Unidos-Europa. Qual a diferença entre a atuação do Espírito Santo no AT e no NT? Há diferença?
Cesar Motta Rios Para alguns grupos cristãos, a diferença é óbvia. Para outros, nem tanto. Eu acho que é bem clara sim. E é uma diferença tanto de quantidade quanto de modo de ação. Mas, como de costume, minha abordagem é mais textual que teológica, o que pode incomodar alguns. Mas, vamos lá. Alguém sugere que a grande diferença se restringe a uma questão de perspectiva. No AT, o Espírito Santo fazia as pessoas olharem para o futuro e confiarem na cruz de Cristo. No NT, o Espírito Santo faz as pessoas olharem para o passado e confiarem na cruz de Cristo. Eu, que sou resistente às simplificações continuístas, que procuram homogeneizar a história e tratar tudo como se fosse a mesma coisa, logo me incomodo. Há mais diferença. Sugiro, de início, que há diferença na dimensão da ação. No NT, no Pentecostes, mais especificamente, se cumpre a profecia de Joel (2.28) sobre o derramamento do Espírito sobre “toda carne” (עַל־כָּל־בָּשָׂ֔ר). Há novidade nesse evento que se cumpre só no Pentecostes neotestamentário (At 2.17). Não havia esse derramamento geral no AT. Apenas pessoas específicas recebiam o Espírito para certas tarefas: os juízes para resolver problemas de certo momento histórico, certos reis para regerem o povo, profetas para profetizarem. Mas alguém pode dizer: “Bom, mas são muitas as pessoas sob ação do Espírito no AT também. O Espírito age em tantas pessoas, tantos reis e profetas. E veja que age no povo também. No Êxodo, pessoas simples são influenciadas pelo Espírito para fazerem trabalho artesanal. A diferença está no fato de que, no NT, o Espírito não está agindo entre as pessoas, mas habitando nelas.” Quase me convenço. Contudo, preciso observar um detalhe não ressaltado. Essas “pessoas simples” que, no Êxodo, fazem aqueles trabalhos artesanais podem até ser pessoas simples (embora, nessa afirmação, tenhamos um juízo de valor que pode ser anacrônico), mas estão encarregadas de uma tarefa específica e especialíssima: construir o único tabernáculo para o encontro entre Deus e o povo. E o Espírito age nessas pessoas só enquanto constroem o tabernáculo e só para esse fim. Não é nada como o que acontece no NT. Ademais, preciso observar que, mesmo com essas pessoas, com todos os reis dotados do Espírito, com todos os profetas e juízes, o número no AT todo não chega perto do de uma só geração pós-Pentecostes! As contas apressadas podem enganar, meus caros. Por fim, não estou convencido de que a diferença seja de tipo “espacial”, que o Espírito antes agisse entre as (mas fora das) pessoas. Será que o Faraó erra ao entender que o Espírito de Deus está em José (אִ֕ישׁ אֲשֶׁ֛ר ר֥וּחַ אֱלֹהִ֖ים בּֽוֹ)? Tudo bem. É possível. Mas é significativo que YHWH diga em Gn 6.3 que seu Espírito não agiria ou lutaria para sempre no ser humano (לֹֽא־יָד֙וֹן רוּחִ֤י בָֽאָדָם). Não parece que é também esse impedimento que se desfaz no Pentecostes de Atos? Tudo bem, de novo. Uma leitura mais literal pode agradar mais a alguns. Mas veja o que Deus diz a Moisés sobre Josué! Ele é um homem em quem está o Espírito (אִ֖ישׁ אֲשֶׁר־ר֣וּחַ בּ֑וֹ). Se não se tratasse do Espírito de Deus, qual seria o sentido da frase? Claro, sempre se encontra um. Se alguém tem objeção para essas ocorrências, talvez não adiante mencionar Ezequiel 2.2, que diz: “O Espírito veio em mim enquanto ele falava comigo” (וַתָּ֧בֹא בִ֣י ר֗וּחַ כַּֽאֲשֶׁר֙ דִּבֶּ֣ר אֵלַ֔י). Pois então, como você já deve estar cansado deste passeio, vou ao argumento final: No livro de Juízes, por exemplo, o Espírito de YHWH vem sobre as pessoas, como sobre Jefté, por exemplo (וַתְּהִ֤י עַל־יִפְתָּח֙ ר֣וּחַ יְהוָ֔ה ), é verdade. Mas, por que julgar que isso é diferente “espacialmente” do que ocorre no NT se é justamente a expressão usada na promessa dita por Joel (אֶשְׁפּ֤וֹךְ אֶת־רוּחִי֙ עַל־כָּל־בָּשָׂ֔ר - 2.28), e que se cumpre no Novo Testamento segundo Pedro (At 2.17), e dita por Isaías (ר֛וּחַ אֲדֹנָ֥י יְהוִ֖ה עָלָ֑י - 61.1), e que se cumpre em Jesus segundo ele mesmo (Lc 4.18)? Ou seja, apesar de uma diferença na preposição usada nas construções (o AT prefere sobre, enquanto o NT prefere em), um exame dos textos e da dinâmica de profecia e cumprimento pode nos levar a entender que não há diferença (“espacial”) no fenômeno . Por dizer isso, reafirmo que, no meu entender, a diferença reside na amplitude de atuação do Espírito no NT pós-Pentecostes. Ele está em toda a Igreja de Cristo, e age nela o tempo todo, não só em pessoas específicas para tarefas específicas. Ele habita nos fieis e age neles cotidianamente. Isso não se dá no AT. Claro, ressalto que este texto foi escrito em uma (1) hora somente. Certamente, há falhas. Por isso, deixo escancarada a porta para o diálogo. Além disso, lembro que estou tentando permanecer em uma abordagem mais textual. Uma teologia do Espírito Santo está fora do escopo deste textinho mequetrefe. |
O autorCesar Motta Rios é teólogo. Tem Doutorado na área de Literaturas Clássicas e Medievais, com pós-doutorado na área de Filosofia Antiga. Exerce ministério pastoral junto à Igreja Luterana em Miguel Pereira - RJ. Para acessar seu currículo e encontrá-lo em outras plataformas, clique AQUI. Histórico
April 2023
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