O estudo da língua grega - vale para o hebraico também - não serve só ou primordialmente para julgar traduções alheias, para traduzir ou (até mesmo!) para explicar o "sentido verdadeiro" do texto original. Em princípio, serve para se ler textos escritos em grego. Uma leitura rápida é suficiente para se apreciar detalhes instigantes, como tentei mostrar na imagem.
Acho que a legenda com cores é razoavelmente suficiente. Acrescento explicação só para o caso marcado com rosa. Primeiro, apareceu o termo γάλα – leite: “Como bebezinhos recém-nascidos, desejai intensamente o leite espiritual [Racional? Relativo à palavra ou Palavra?] livre de mácula, para que com ele sejais fortalecidos para salvação”. Em seguida, aparece ἐγεύσασθε - provastes: “Se provastes [e percebestes] que o Senhor é bom”. O verbo traz a ideia de paladar mesmo, não de um teste qualquer. E você não precisa de um dicionário para dizer isso. Basta lembrar que, em grego, o termo usado para se referir ao sentido do paladar é γεῦσις. Você deseja o leite da Palavra com ardor, porque já provou que o Senhor é bom/dá leite bom! No fim das contas, a Palavra não é coisa de se saber simplesmente. É coisa de se saborear. Bom, a questão sobre o sentido de λογικὸν no trecho excede o tempo de uma leitura rápida.
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Eis a questão!
As traduções tendem a deixar Barnabé como o sujeito da contação. Veja só algumas como exemplo: NTLH Então Barnabé veio ajudá-lo e o apresentou aos apóstolos. E lhes contou como Saulo tinha visto o Senhor no caminho e como o Senhor havia falado com ele. Barnabé também contou como, em Damasco, Saulo, pelo poder do nome de Jesus, havia anunciado corajosamente o evangelho. NVI Então Barnabé o levou aos apóstolos e lhes contou como, no caminho, Saulo vira o Senhor, que lhe falara, e como em Damasco ele havia pregado corajosamente em nome de Jesus. ARA Mas Barnabé, tomando-o consigo, levou-o aos apóstolos; e contou-lhes como ele vira o Senhor no caminho, e que este lhe falara, e como em Damasco pregara ousadamente em nome de Jesus. "Vai lá, professor, olha no grego e conta se é isso mesmo!" - diz o aluno que ainda não entendeu que o grego nem sempre resolve tudo. O texto é ambíguo. Se lido só o verso isoladamente, de fato, pode parecer que o sujeito tem que ser Barnabé. Mas, quando se levanta a questão, por causa do contexto considerado como um todo, percebe-se que Saulo também pode ser sujeito do verbo. Βαρναβᾶς δὲ ἐπιλαβόμενος αὐτὸν ἤγαγεν πρὸς τοὺς ἀποστόλους καὶ διηγήσατο αὐτοῖς πῶς ἐν τῇ ὁδῷ εἶδεν τὸν κύριον καὶ ὅτι ἐλάλησεν αὐτῷ καὶ πῶς ἐν Δαμασκῷ ἐπαρρησιάσατο ἐν τῷ ὀνόματι τοῦ Ἰησοῦ. É de se notar que NTLH e NVI acrescentam o nome de Saulo como sujeito explícito do verbo "ver". Assim, praticamente excluem a possibilidade de que ele seja aquele que conta isso. Não se diria: "O Cesar contou como o Cesar viu o ônibus sair sem ele". Por outro lado, seria possível: "O Cesar contou como ele viu o ônibus sair sem ele". O sujeito de "contar" não costuma estar inserido nominalmente no conteúdo do contado. Enfim, em grego, o nome não está lá. A NTLH ainda acrescenta: "Barnabé também contou". A ARA mantém a possibilidade da ambiguidade presente no texto grego. Pois então, abaixo, exponho o link para um pequeno artigo de Mark Wilson. Ele pretende lançar luz sobre essa questão. A meu ver, consegue. Observando (além do contexto narrativo) o fato de que o testemunho de alguém que tenha vivenciado ou visto os fatos testemunhados é estritamente importante para os textos de Lucas/Atos, assim como a existência de possível paralelo entre o tríplice relato do ocorrido na casa de Cornélio e o tríplice relato da conversão de Saulo, Wilson defende que Saulo mesmo relatou aos apóstolos o ocorrido. Barnabé só o teria apresentado a eles. O artigo é conciso e claro. http://scriptura.journals.ac.za/pub/article/view/1144/1089 Não costumo compartilhar aqui artigos escritos em inglês, porque pretendo que o blog seja acessível a todos, e porque julgo positivo divulgar o trabalho dos pesquisadores falantes de português. Contudo, o fato de ser artigo curto e sobre problema que eu desconhecia me motivou a divulgá-lo. Além do mais, é notável que se trate de produto de pesquisa realizada no Sul, isto é, na África do Sul, e não no eixo Estados Unidos-Europa. Título: O estudo das línguas bíblicas: descartável ou essencial?
Periódico: Estudos Teológicos (EST) Ano: 2006 Autora: Marie Krahn Resumo: Com base em argumentos e práticas de Martim Lutero, que diz que não se pode fazer teologia sem filologia, este artigo questiona o pouco tempo investido no ensino das línguas bíblicas em muitas instituições luteranas de formação teológica. Apresenta alguns argumentos dados por estas instituições para justificar o corte de horas no ensino destas línguas. Depois apresenta argumentos provindos tanto de Martim Lutero como de outros autores, de obreiros/as e de estudantes para justificar a intensificação do estudo das línguas bíblicas. Para concluir, trabalha dois textos curtos do Antigo Testamento a partir do hebraico, mostrando, na prática, como o conhecimento de hebraico ajuda na compreensão do texto e dos comentários sobre o texto. Com isto tenta mostrar que o conhecimento das línguas bíblicas é uma ferramenta importante para um fazer teológico mais consistente, profundo, autônomo e contextualizado. Acesse o artigo completo clicando AQUI |
O autorCesar Motta Rios é teólogo. Tem Doutorado na área de Literaturas Clássicas e Medievais, com pós-doutorado na área de Filosofia Antiga. Exerce ministério pastoral junto à Igreja Luterana em Miguel Pereira - RJ. Para acessar seu currículo e encontrá-lo em outras plataformas, clique AQUI. Histórico
April 2023
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