Natal – 2019
Comunidade Luterana Concórdia – São Leopoldo, RS ASSIM COMO MARIA: REFLEXÃO SOBRE O NASCIMENTO DE UM ÚNICO QUE MUDA INCONTÁVEIS João 1.1-18 Cesar Motta Rios “Feliz Natal!” Mas o que é um feliz Natal? Ter comida à vontade e bebida é possível em outros dias, vários outros dias. Ter a família reunida também. Um Natal feliz, um Natal bem vivido é aquele em que conhecemos a Cristo, refletimos sobre Cristo. E isso é mais que conhecer uma história. É conhecer o que ele faz por nós. Mas, claro, no Natal, geralmente, imaginamos que faz falta a narrativa do nascimento de Jesus em Belém. “Com Maria hoje eu quero / aguardar milagre vero / Entra no meu coração / Faze nele habitação”. Há uma singeleza nisso: Rememorar a cena do bebê na manjedoura e trazer essa realidade do nascimento para minha experiência interior. João, por outro lado, tem uma perspectiva um pouco diferente. Ele não nos leva para a simples cena do presépio, mas para o mistério de antes do tempo, que marca com a expressão “no princípio”, a mesma de Gênesis 1.1. João quer falar de antes de tudo, porque quer deixar muito claro que aquele menino que nasceu e cresceu, foi morto e sepultado, para ressuscitar em seguida não era gente comum simplesmente. O nome de Jesus aparece só no final desse trecho que lemos hoje (1.17), mas o texto todo nos encaminha para que, quando lermos esse nome, já tenhamos entendido que ele é muito maior do que se podia imaginar. Essa pessoa simples que pisou no mundo foi responsável por este mesmo mundo ter sido criado. O bebê indefeso que se manteve forte mamando nos seios de uma jovem bem-aventurada da região simples e montanhosa da Galileia era o responsável, bem antes de ser bebê, pela criação daquelas montanhas, de todas as montanhas, e também da própria biologia que possibilita a amamentação. O evangelista parece gritar para a gente entender: “É Deus! É Deus que entrou no mundo! Eu sei que é absurdo, mas é isso!” E nós escutamos. E João quer contar mais: Ele venceu! Não se desanimem. Sim, em outro trecho o “eu venci o mundo” (João 16.33) ecoará da boca do próprio Jesus. Aqui, é o narrador que garante “a luz brilha na escuridão, e a escuridão não prevalece contra ela” (João 1.5). Não foi derrota a crucificação de Jesus pelos nossos pecados. Estamos falando de crucificação no Natal? No “Natal” de João, tudo já vem antecipado ou assinalado, pelo menos. Aquele Cristo vencedor do Apocalipse (Ap 19.11ss), que vem como cavaleiro, com o manto encharcado de sangue, é louvado aqui com essa afirmação da vitória da luz. Nesse “Natal” de João, está o Gênesis e está o Apocalipse, está o alpha e o ômega, está tudo que vemos e o que não vemos, tudo convergindo num só ponto. Tem algo de tão grandioso nessa introdução de João, tão diferente daquilo que vemos e conhecemos, que pode parecer assustador e muito distante de nós. Mas não nos enganemos: o Natal é sobre nós, como eu disse no início. Para deixar mais claro, preciso enfatizar um versículo: “A Palavra se fez carne e habitou (fez sua tenda) entre nós, cheio de graça e de verdade” (1.14). Deus se encarnou por amar gente de carne e osso. Isso precisa ficar bem claro, porque tem vez que nós queremos fazer um movimento contrário ao de Deus, quando pensamos que servir a Deus é nos separarmos da vida na carne, do cotidiano humano, como se a vida linda e agradável para Deus fosse somente aquela parte da vida que vivemos na igreja, no culto. Mas Deus diz outra coisa: Ele não se encarna no Templo, mas no meio do povo, para viver com o povo e amar o povo no seu dia a dia, falando coisa do dia a dia em seu ensino, inclusive. Deus é Deus da segunda-feira, da terça, da quarta... O que isso tem de consequência prática é que não tem como se pensar que a religião pode ficar encaixotada como uma área da vida. Cristo é para ser vivido na integralidade de nosso tempo, na integralidade de nossas ações. A encarnação do Filho diz isso para nós. E é uma notícia de grande alegria! Você não está sozinho e vem encontrar Deus aqui no fim de semana ou no momento de oração somente. Você vive em Cristo. Por isso, no Natal, lembro que o calendário litúrgico (Advento, Natal, Tempo da Igreja, Quaresma...) não é só o que importa para Deus. Ele se importa com o seu calendário civil também: o dia do seu passeio, da sua viagem, da confraternização; o dia da cirurgia, do nascimento de um filho ou neta, do divórcio e da reconciliação; o dia do vencimento do boleto, da mesa farta ou da falta de pão. Alguém pensa que Deus é grande demais para se importar com essas pequenezas? É um mistério, mas Ele se fez pequeno (em Cristo) justamente por se importar, para cuidar de perto dos seus pequeninos. Deus se aproximou. Assim entendido, o Natal não é mera lembrança ou uma época com ares diferentes, um tempo repleto de afeto. O Natal é, isso sim, o anúncio da presença da Verdade viva, que entra em nossa vida e faz tudo novo. Faz tudo novo mesmo! Por isso, com Maria, hoje, eu também quero estar ciente de uma notícia espantosa não só sobre Deus, mas também sobre ela e sobre nós. Você já deve ter ouvido dizer que, quando nasce o primeiro filho de um casal, nasce também, de certa forma, um pai e uma mãe. Esses dois que formavam a família sozinhos são mudados de repente. Acontece isso no Natal. O nascimento de Jesus fez com que essa simples moça judia, que aparentemente não representava nada para o mundo da época, pudesse ser chamada de mãe de Deus. Por incrível que pareça, ela entrou para a família do Criador, não por um esforço próprio, mas pelo movimento do próprio Deus. Nós, quando recebemos a Cristo, porque ele veio ao mundo, somos feitos filhos de Deus. Por incrível que pareça, também entramos para a família do Criador. Fomos gerados de novo. Não por esforço próprio, mas pelo movimento do próprio Deus. O Natal é sobre isso! E, agora, o Pai continua perto de sua amada família, dizendo no dia de Natal, na sexta-feira da Paixão, na Páscoa, nos domingos todos e em qualquer dia comum, de calmaria ou agitação: Filho, filha, lembre-se de quem você é! Deus Filho se fez carne para que você, de carne e osso, pudesse ser da família eterna, para que pudesse ser o que é! Seja. Só seja. Amém.
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O autorCesar Motta Rios é teólogo. Tem Doutorado na área de Literaturas Clássicas e Medievais, com pós-doutorado na área de Filosofia Antiga. Exerce ministério pastoral junto à Igreja Luterana em Miguel Pereira - RJ. Para acessar seu currículo e encontrá-lo em outras plataformas, clique AQUI. Histórico
April 2023
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