9º Domingo após Pentecostes – 2021
Missão Luterana em Miguel Pereira, RJ A VIDA DE FÉ E OS PERCALÇOS Marcos 6.45-56 Cesar Motta Rios Vocês já tiveram dúvidas sobre Deus? Já passaram por momentos em que não conseguiram perceber Deus presente na vida de vocês, no mundo? Já lhes visitou um questionamento do tipo: será que Jesus realmente...? Todos nós gostaríamos de responder taxativamente: “Não! De forma alguma!” Gostaríamos de ser gigantes da fé, pessoas de fé inabalável, exemplos notáveis a serem seguidos. Mas, curiosamente, momentos de incerteza costumam fazer parte da vida das pessoas de fé, inclusive daquelas que admiramos. Os cristãos simples como nós e também os cristãos mais conhecidos ao longo da história ouvem a Palavra, se voltam a Deus em oração, e, de repente, se veem em uma aflição que gera questionamentos, inquietações. Mais do que algo incidental, o fato é que isso parece fazer parte de nossa formação, de nosso amadurecimento na caminhada com Jesus. Pensaremos nisso ao final. Agora, por falar em caminhada, convém irmos ao texto do dia, em que Jesus caminha sobre as águas. Jesus tinha ficado um pouco mais junto da multidão alimentada com pães e peixes multiplicados por ele, e, em seguida, vai orar sozinho. Os discípulos haviam sido despachados para cruzarem o mar da Galileia sozinhos. A travessia estava difícil. Porém, o mais inesperado não era o vento em sentido contrário, mas a aparição que surge do nada, longe da margem. Uma pessoa pode até nadar muito bem, mas andar sobre as águas não. Os discípulos deduzem que se trata de uma aparição e não de gente de carne e osso! Estão apavorados e, diz o texto, eles gritam! Não têm para onde correr no meio do mar. Então, esses homens crescidos gritam assustados, como crianças. Jesus vai até eles e diz para terem coragem. Revela que é ele mesmo que está ali. Desse acontecido, Marcos faz questão de registrar algo importante sobre os discípulos: Quando Jesus entrou no barco e os ventos se aquietaram, os discípulos estavam aturdidos, completamente confusos, porque não haviam compreendido aquilo dos pães (ou seja, aquele milagre da multiplicação recém acontecido), mas o coração deles estava endurecido. É interessante esse detalhe. Os discípulos já tinham presenciado outros milagres. Os discípulos, conforme o capítulo anterior, já tinham até mesmo curado pessoas e expulsado demônios eles mesmos por ordem de Jesus. Por que Marcos diz que esse aturdimento que experimentam com a cena de Jesus andando sobre o mar tem a ver com não terem entendido especificamente o milagre da multiplicação dos pães e peixes? É daqueles detalhes um tanto estranhos. Pode ser que isso se deva ao fato de que a multiplicação de pães e peixes revela – assim como o caminhar sobre as águas – que o que entendemos sobre o funcionamento das coisas na natureza criada não vale necessariamente para Jesus. Uma coisa não vira duas simplesmente? Ser humano não fica de pé sobre água? No mundo observado diariamente não é assim. Ordinariamente, não é assim. Mas eles precisavam entender que Jesus estava além desses limites naturais. Jesus é o extraordinário. “O coração deles estava endurecido”. É sempre necessário lembrar: coração, na cultura hebraica, não é sede dos sentimentos e afetos simplesmente, como entre nós, mas também de pensamentos e ideias. O coração é lugar do entendimento. Eles estavam escassos em seu entendimento por causa de uma limitação mental, diríamos hoje. Para vencer essa limitação, eles precisariam do Espírito Santo, que ainda haveria de ser enviado à Igreja. Graças ao Espírito Santo, ainda hoje, nosso coração pode crer. Mas esse nosso coração continua marcado pelo pecado, pela falibilidade, e sujeito a engano. Somos nova criatura, mas, ao mesmo tempo, continuamos tendo uma velha natureza em nós. Por isso, não somos sempre tão certos do poder do Evangelho para salvação das pessoas. Por isso, não somos sempre tão confiantes no amor perene de Deus. Por isso, em algum momento da vida, podemos questionar a presença de Deus conosco, ou podemos querer algum convencimento a mais sobre a presença real de Cristo na Santa Ceia. Nosso entendimento ainda um tanto endurecido quer que os parâmetros naturais sejam seguidos, que as coisas sejam explicadas e bem definidas, conforme nossas observações. Queremos que a lógica humana valha para os assuntos divinos. Carregamos um pouco disso, pelo menos, como tendência. Já que é assim, a vida cristã não consiste num ideal de ascendência constante – sempre firme, sempre melhorando, sempre mais fiel. Não é assim. Há dificuldades externas. Há escândalos aqui e ali. Há palavras erradas que nos dirigem. Há indiferença quando esperávamos amparo. E há dificuldades internas. Há vontade de chorar, às vezes, e de perguntar: Mas por que isso acontece assim? Há uma luta interior quando começamos a suspeitar, mais do que confiar. Há momentos em que parece que estamos sós e atados às nossas dúvidas. Sendo bem realista, digo que precisamos estar preparados para diversas crises. Nós não estamos isentos delas. Mas sabemos do que precisamos: ouvir a Palavra de Deus falando mais alto que nossas inquietações. E ouvimos, então, aquilo que vocês repetiram diversas vezes hoje: “A misericórdia do Senhor dura para sempre.” Porque essa misericórdia é verdadeira, Cristo, que morreu na cruz em nosso favor, nos visita em nossa agitação, e diz “Não temas!”, “Não temas!”. Não precisamos nem sempre entender muita coisa. Mas precisamos ouvir o “Não temas!” e saber que Cristo nos acode. Assim, saímos fortalecidos do mar agitado; mais convictos do amor de Deus, mais desejosos de nos apegarmos à Palavra que dá vida e que nos sustenta na fé. Ficamos certos da incerteza que é nossa por natureza. E abraçamos a única verdadeira certeza que recebemos como dádiva. Que certeza é essa? O crucificado e ressuscitado – Jesus Cristo, nosso Senhor. Então, dizemos como Paulo aos filipenses: “uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que ficam para trás e avançando para as que estão diante de mim, prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus.” (Filipenses 3.13,14). Mesmo que venham crises, nós prosseguimos! Amém.
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O autorCesar Motta Rios é teólogo. Tem Doutorado na área de Literaturas Clássicas e Medievais, com pós-doutorado na área de Filosofia Antiga. Exerce ministério pastoral junto à Igreja Luterana em Miguel Pereira - RJ. Para acessar seu currículo e encontrá-lo em outras plataformas, clique AQUI. Histórico
April 2023
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