A casa da teologia ainda requer mão de obra (não só de repetidores)
Cesar Motta Rios É preciso pensar teologia? Ou é só questão de memorizar o já teologado por outros ao longo dos séculos? No caso de teólogos confessionais, basta-nos reafirmar a cada dia o que foi bem acabado séculos atrás? Afinal de contas, qual é a tarefa que nosso tempo e cada novo tempo cobra de nós? É pergunta demais para os minutos que tenho para rascunhar este texto. Não pretendo respondê-las realmente. O que quero hoje é simplesmente demonstrar a necessidade desse questionamento e ensaiar um direcionamento pessoal. Ulrich von Balthasar é instigante quando o assunto é esse. Por isso, convido você a lê-lo um pouco comigo: “A uns teólogos parece que a teologia (isto é a explicação da Revelação em conceitos humanos) progrediu tanto a ponto de estar próxima à conclusão. A casa parece já construída, os quartos já atapetados, de forma que para as gerações futuras não resta senão um trabalho mais modesto de acabamento: fazer a decoração nos vãos já terminados, nos espaços internos que se tornam sempre menores, por em ordem em cima das cômodas. Ao final só há o trabalho de tirar o pó.” Aqui, tem um ponto que me parece importante demais: teologia é entendida como explicação da Revelação. E, se entendo que a Revelação está nas Escrituras, como de fato entendo, chegarei à conclusão de que, para mim, toda teologia tem que ser, no fim das contas, teologia bíblica. Teologia sistemática, por exemplo, só será teologia se tiver a capacidade de se submeter à teologia bíblica. Ressalto: Podemos ter formulações belíssimas, cheias de tradição e vigor atual, mas, se não forem fundamentadas nas Escrituras, se não receberem dela a sua seiva, se forem dependentes de fábulas ou invencionices (mesmo que de longa data e muito amadas por nomes da Igreja), ou se forem mero resultado dessa maravilha chamada razão, não será verdadeira teologia; será somente um produto humano, pronto para gerar discussão desnecessária, confusão e, esperamos, algum desprezo futuro. Vamos ler mais um pouco do nosso novo amigo: “Tem-se a impressão deste estilo quando se olha somente para a tradição. Mas se o santo (ou propriamente o crente que vive da fé e em graça) confronta a tradição com as enormes exigências da Revelação, então tudo o que se conseguiu não se reduzirá talvez a um mísero punhado de pensamentos e conceitos, fraca noção de uma verdadeira explicação?” Eu acho essa percepção genial. E volto a dizer: teologia que é teologia é teologia bíblica, impregnada das Escrituras e, sempre de novo, inquietada por elas. Podemos passar ao último trecho que pretendo compartilhar: “E não se trata de demolir, destruir, desprezar quanto é fruto de trabalho de séculos. Tudo o que é genuinamente verdadeiro permanece. Mas os contornos não constituem ainda um desenho terminado. E muitas das linhas traçadas nos séculos III e IV perduraram até aos nossos dias quase imutáveis como se constituíssem já o desenho em si.” Esse trecho era importante para não fazer pensar que o convite para se voltar os olhos para as Escrituras implica em ignorar completamente tudo mais. Dito isso, volto: Cabe a nós cuidar do pó que se assenta ou do pequeno vidro que um desavisado quebra de quando em vez na nossa casa da teologia? Isso é válido e necessário, certamente. Mas concordo com von Balthasar: há muito mais a fazer. Fazer teologia tendo o objetivo de refletir algo novo não é ato de rebeldia. Pelo contrário, é inserir-se na tradição como algo que vive. Não se trata de lançar fora doutrinas bem estabelecidas, mas de explorar riquezas das Escrituras que podem resultar em elaboração de noções ainda não muito consideradas, mas relevantes para nosso tempo. Além disso, trata-se de voltar às Escrituras com as doutrinas em mãos (especialmente, quando essas doutrinas são desafiadas por um contexto estranho ao contexto em que foram formuladas). De novo, não se trata de desprezar doutrinas ou mesmo de questionar sua correção. Trata-se de reconhecer que, para situações diferentes, novos elementos bíblicos precisam ser trazidos para aquela velha conversa em andamento. Ou fazemos essa incursão, ou teremos simplesmente que nos apoiar em nomes admirados e na repetição de bordões. Mas isso não é um recurso muito pertinente. É como construir uma casinha em estilo enxaimel com belas madeiras repletas de cupim por dentro. A aparência pode ser aceitável. Mas aparência não sustenta. E se realmente vamos pelo árduo caminho do retorno às Escrituras com disposição para a reflexão, certamente, encontraremos, além de dificuldades, certos riscos. Riscos - bem sabem os adultos - fazem parte da vida responsável. ------------ O livro citado de von Balthasar é Derrubar as muralhas.
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O autorCesar Motta Rios é teólogo. Tem Doutorado na área de Literaturas Clássicas e Medievais, com pós-doutorado na área de Filosofia Antiga. Exerce ministério pastoral junto à Igreja Luterana em Miguel Pereira - RJ. Para acessar seu currículo e encontrá-lo em outras plataformas, clique AQUI. Histórico
April 2023
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