COMO ESCOLHER UM CURSO DE TEOLOGIA
Há vários fatores envolvidos no processo de decisão por um curso superior. Quando se trata de Teologia, além dos fatores comuns a outros cursos, há algo mais específico e extremamente sensível. Claro, porque, além de questões de preço, modalidade, estrutura, qualidade acadêmica e afins, existem questões relacionadas com a fé. Minha proposta aqui é fazermos um passeio por alguns desses aspectos. Teologia: Curso presencial ou Curso EaD? Há alguns anos, cursos EaD eram vistos com algum preconceito. Atualmente, esse cenário vem mudando cada vez mais rápido. Nos últimos meses, desde março (2020), fomos levados a aprender que é possível fazer a partir de casa o mesmo ou mais do que aquilo que fazíamos no trabalho ou em escolas/faculdades. A produtividade não parece realmente depender tanto do lugar em que você se encontra. Obviamente, isso é possível graças ao avanço tecnológico na área da comunicação. Curso EaD hoje não é o curso por correspondência de meados do século XX. Isso não significa que todo curso EaD utiliza os meios atuais de comunicação de forma satisfatória. E não significa que sirvam para todo mundo. Primeiramente, me parece necessário um autoconhecimento. Se você não tem uma disciplina muito forte, se não consegue se dedicar ao estudo sem uma cobrança mais presente, o curso EaD não é uma opção a considerar. Outra questão é avaliar a própria rotina. Como um curso presencial, com aulas diárias em um lugar específico, afetaria sua rotina? Seria viável? Você já deve ter uma predileção e uma noção de viabilidade para seu caso. Ainda assim, é preciso um alerta: Como a metodologia utilizada varia muito, sugiro fortemente que você averigue como funciona o curso EaD que você tem em vista (no caso de ter curso EaD em vista) antes de se matricular! Converse sobre isso antes de assinar o contrato. Se a instituição não te deixa saber exatamente como funcionará o curso, e se não faz isso de bom grado, é já um sinal de que não será uma boa experiência. Parece-me um passo importante, porque nem sempre recursos disponíveis são recursos utilizados. Fazer um curso usando o computador, mas com o isolamento que tinham nossos avós ao fazerem cursos por correspondência é inconcebível. Precisa haver interação entre professores e alunos e, também, entre alunos. É altamente recomendável que se façam encontros síncronos (isto é, encontros “ao vivo” online). Você precisa estudar com gente, mesmo sendo a distância. Se o curso parece ser só um estudo de livros e posterior avaliação, não me parece uma opção satisfatória. Se há um esforço para que haja interação, as vantagens do curso presencial diminuem. Preço É claro que, para a maioria de nós, o fator preço é importantíssimo. A variação entre instituições é grande. Vale a pena pesquisar. Novamente, a instituição precisa informar esses dados financeiros. Se só o faz com relutância, você tem uma ideia de como é o processo de comunicação com ela no caso de problemas posteriores. Cursos EaD tendem a ter preços consideravelmente mais baixos. Isso é razoável, já que os custos para a instituição são menores. Mas tome o cuidado de saber se um preço muito baixo não se justifica por um curso “por correspondência” e não um curso EaD coerente com nossa realidade tecnológica atual. Estrutura Se o curso é presencial, você certamente se preocupará por saber como são as salas de aula. Mais importante que isso é a biblioteca. Cursos de Teologia não requerem laboratórios dispendiosos, mas uma boa biblioteca é fundamental. Penso que também é importante haver espaço adequado para interação menos formal. Na conversa amena, muita coisa se produz. Para o caso de cursos EaD, a biblioteca digital e a plataforma utilizada para aulas são fatores a considerar atentamente. Corpo docente Se o curso é reconhecido pelo MEC, o corpo docente tem um padrão mínimo e tende a ser bom. De qualquer forma, procure saber quem são os professores do curso, atentando para a estabilidade ou não do corpo docente. Troca constante de professores não é um bom sinal de qualidade. O corpo docente deve estar apresentado no site da instituição. Essa transparência é esperada. Observe a formação e áreas de atuação. Para saber mais sobre quem são essas pessoas e o que eles têm feito e pensado, sugiro usar o Google, obviamente, colocando o nome completo entre aspas: “João das Couves Neto”. Confessionalidade Temos aqui algo específico da Teologia. Geralmente, quem se interessa por Teologia faz parte de uma igreja, de uma denominação, sínodo, comunidade. Algumas dessas instituições estabelecem que, se a pessoa pretende trabalhar como líder em seu meio, precisa ir estudar em uma instituição específica (ou uma entre algumas poucas opções). Se esse é o caso de sua igreja e seu interesse é servir no ministério, é óbvio que seu caso não permite muita “escolha”. A não ser que haja algumas opções autorizadas. Contudo, há também igrejas que não têm um seminário próprio ou que aceitam formação em diferentes instituições, resolvendo discrepâncias com processos posteriores (por exemplo, bancas de avaliação). Por isso mesmo, temos faculdades de Teologia que não se identificam com uma denominação específica. Quem tem liberdade de escolha precisa considerar a questão doutrinária, teológica, confessional em sua decisão. Nem sempre, estudar numa instituição que tenha a mesmíssima perspectiva teológica que a sua é necessário para ter uma boa experiência. Em alguns casos, inclusive, dialogar com outras tradições favorece o amadurecimento. Mas, de novo, isso requer conhecer bem a si mesmo e a instituição, o corpo docente especialmente. Você tem facilidade de diálogo com entendimentos diferentes? Respeita posicionamentos alheios, mesmo discordando. Como não é só você no processo, procure também saber se há espaço para diálogo na instituição. Tente conhecer um pouco sobre o corpo docente nesse sentido. Tente ler algo que os professores escreveram, tentando discernir se eles tratam com respeito linhas teológicas diferentes da deles, se demonstram conhecimento sobre o que não lhes é mais particular. A postura que demonstram em textos (e vídeos de palestras, por exemplo) pode indicar razoavelmente o que acontecerá na sala de aula. É óbvio que estar entre os seus, no círculo de sua denominação ou linha teológica, facilita as coisas. Mas o envolvimento com o diferente tem também seu valor, como afirmei antes. Por isso, entendo que vale a pena gastar tempo pensando sobre isso antes de uma decisão. Observo que não se trata somente de saber se a instituição é católica ou protestante. Há detalhes: É reformada, católica, luterana, metodista, batista, pentecostal...? É ligada a uma denominação específica ou é interdenominacional? Qual abordagem das Escrituras é mais utilizada? Como dialogam com a tradição? É uma instituição com teologia mais conservadora ou mais progressista? Fica parecendo que tem que ser teólogo para escolher uma Faculdade de Teologia, não é? Mas veja que esse exercício de conhecer melhor para melhor decidir pode ser realmente uma etapa interessante de amadurecimento teológico. Conclusão É realmente complicado alguém dizer “Esse curso de Teologia é o melhor!”, porque isso depende de quem é o candidato a aluno. Um curso pode ser melhor conforme os critérios e as necessidades de uma pessoa, mas ser falho conforme os critérios e as necessidades de outra. Deixo o espaço para você comentar também: Qual curso de Teologia você acha ser melhor para você hoje? Quais são os critérios mais importantes para você nessa escolha? Se estiver em dúvida, deixe perguntas também. É possível que alguém possa ajudar com sugestões. Abraço! Até a próxima! [Além da escolha do curso, existe a escolha de como fazer o curso. Acho que isso vale outra conversa.]
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TEOLOGIA: CURSO RECONHECIDO PELO MEC OU CURSO LIVRE? O QUE É MELHOR? O Ministério da Educação passou a reconhecer cursos superiores de Teologia há não muito tempo. Na verdade, essa novidade surge em 1999. O argumento do deputado Aldir Cabral, que apresentou a indicação, incluía a seguinte constatação: “A existência de cursos de formação em Teologia é uma realidade dentro da sociedade brasileira. Muitos destes cursos, oferecidos inclusive por instituições de ensino superior, apresentam duração, profundidade e exigências acadêmicas similares aos cursos superiores das áreas de Ciências Humanas e Sociais.” A questão era simples: Os cursos estão aí e são tão exigentes e densos quanto os de outras áreas. Por que não são cursos superiores reconhecidos? Sabemos que houve êxito. Agora, é claro que, ao reconhecer, o MEC também precisaria organizar a coisa toda. O deputado já dizia “muitos destes cursos [...] apresentam duração, profundidade...”. "Muitos" não são "todos". E não seria possível mesmo generalizar. Então, como no caso de outros cursos, haveria necessidade parâmetros, exigências, cobranças, avaliações. De lá para cá, essas normas foram se adequando. Mas permanece o princípio: para ser curso reconhecido, tem que ter o que o MEC entende ser imprescindível para uma instituição de ensino superior (por exemplo, corpo docente qualificado, biblioteca, espaço físico adequado etc.). Além disso – e aqui começa a polêmica – seria preciso haver alguma padronização na estrutura curricular. Nesse ponto, muitos encontraram um argumento contrário: “Se o MEC pautar o que devemos ensinar, não estamos sendo fiéis à nossa tarefa, à pura teologia bíblica!” Afirmações assim se tornaram comuns na divulgação de inúmeros cursos “livres”. Sim, “livre” passou a integrar a nomenclatura dos cursos que não se submetem à regulamentação. Então, algum interessado pergunta: “O curso é reconhecido pelo MEC?”. Logo, uma pessoa responsável pela instituição retrucava: “Somos reconhecidos pela Igreja de Jesus. Não queremos reconhecimento do MEC para podermos formar verdadeiros obreiros do Senhor”. (Isso ou algo assim era bem comum. É ainda... Talvez.) Quem vê isso acontecer pode pensar: É algo dito com honestidade e com total verdade? Ou será que os responsáveis por esses cursos só não procuram pelo reconhecimento por saberem que não cumprem os outros requisitos (quanto ao corpo docente, estrutura etc.)? Novamente, não é recomendável generalizar. É certo que há cursos de qualidade pífia fazendo propaganda por aí. Mas não se pode dizer que todos os cursos livres sejam desse tipo. REVALIDAÇÃO DE CURSOS DE TEOLOGIA (Parêntese: Durante anos, foi possível fazer curso livre e complementá-lo em instituição com curso reconhecido para fazer a “revalidação”. Alguns cursos livres se aproveitaram desse mecanismo e ganharam um tempo. Inclusive, anunciavam: “Façam o curso conosco e, com mais pouco tempo em tal instituição, você terá o curso reconhecido.” Mas isso acabou. Quem faz curso livre hoje em dia é por querer ter o curso livre mesmo.) VOLTAMOS AO PROBLEMA A questão permanece: É melhor procurar por um curso reconhecido pelo MEC? E a outra questão também a acompanha: Não é verdade que cursos reconhecidos têm menos fidelidade às Escrituras? Vou apresentar minhas considerações sobre cada uma. CURSO DE TEOLOGIA RECONHECIDO PELO MEC É MELHOR? Não me parece justo afirmar categoricamente que todo curso reconhecido pelo MEC é muito melhor que qualquer curso livre de teologia. Pode haver curso livre com boa qualidade. Assim também, pode haver curso reconhecido com qualidade duvidosa, inclusive, quase deixando de manter seu reconhecimento. Mas uma coisa é certa: Cursos reconhecidos têm avaliação externa sendo realizada periodicamente. Cursos livres são avaliados por quem? De um lado, há parâmetros e cobranças. Do outro lado, não. Isso significa que o candidato a aluno tem um aliado na escolha de um, mas está por sua conta e risco na escolha do outro. Para cursos reconhecidos, há um padrão mínimo. Para cursos livres, o fundo do poço não é o limite. Mas veja que estamos falando de possibilidades somente. Pessoalmente, eu não investiria meu tempo e recursos em um curso livre. Isso pode fazer sentido, porém, para alguém que conhece muito bem o curso e entende que ele atende suas necessidades e anseios. (Mas jamais se iluda pelos títulos oferecidos como se fossem verduras na feira.) CURSO DE TEOLOGIA RECONHECIDO TEM MENOS FIDELIDADE? É verdade que o MEC estabelece que algumas áreas do conhecimento não tradicionalmente muito estudadas no âmbito das igrejas sejam contempladas em um curso reconhecido de teologia. A questão é: Isso diminui a fidelidade às Escrituras? Estudar, por exemplo, algo da área da sociologia da religião acaba fazendo obreiros menos fiéis? A resposta vai ser obviamente negativa. Mas – e, aqui, parece que vou surpreendentemente conceder alguma concordância para os opositores do reconhecimento – essa questão pode ser melhor desenvolvida. O ponto todo não é se estudar mais alguma coisa pode prejudicar a formação. Quem só vê isso e reage contrariamente aos cursos reconhecidos deve ter algum problema em sua própria formação. Mas é possível desviar o olhar para a seguinte repercussão: Se estão dedicando horas para esses conteúdos, estão deixando de dedicar essas mesmas horas para outros estudos que são realmente fundamentais para a formação de um teólogo? O problema do tempo existe. Cursos de Teologia costumam durar 4 anos. Isso é pouco tempo para séculos de discussão, para ferramentas complicadas, para amadurecimentos necessários. Agora, se, por um lado, um curso que compromete muito de sua carga horária com o estipulado pelo MEC corre o risco de negligenciar outros conteúdos básicos, por outro lado, um curso que não considera o que o MEC propõe corre o risco de procurar focar em certos conteúdos básicos tradicionais somente, enquanto se esquece de olhar para o mundo atual e de com ele dialogar. O ideal, a meu ver, é que se sigam os parâmetros curriculares do MEC, inserindo conteúdos propostos, sem excluir o que é fundamental. Se preciso, por questões de organização de tempo, que se trabalhem esses conteúdos fundamentais em cursos de formação complementar, atividades de pesquisa, ou mesmo, posteriormente, em uma especialização. Não vejo como ser teólogo hoje sem estudar bioética e sociologia ou sem dominar razoavelmente os idiomas bíblicos, conhecer história da Igreja, compreender discussões da Crítica Textual e ler avidamente as Escrituras. Lembrando: O MEC não proíbe estudar a Bíblia, Teologia Sistemática, Confissões de fé... Não é disso que se trata! Então, ninguém precisa ser infiel por ter curso reconhecido pelo MEC. Mas, sim, como tento dizer, há um desafio relacionado ao tempo e ao equilíbrio das coisas. Inclusive, você pode conferir as grades curriculares de diferentes cursos de Teologia reconhecidos pelo MEC para verificar que há espaço para diferentes ênfases e peculiaridades. Não há uma padronização absoluta. VANTAGENS DOS CURSOS DE TEOLOGIA RECONHECIDOS PELO MEC Parece-me que cursos reconhecidos são mais seguros e têm vantagens consideráveis. Listo as que me parecem mais relevantes: - Se o curso é reconhecido pelo MEC, tem uma avaliação periódica; - Se o curso é reconhecido pelo MEC, tem um corpo docente minimamente qualificado; - Se o curso é reconhecido pelo MEC, você poderá continuar seus estudos em programa de Mestrado e Doutorado, inclusive, em muitos casos, para além da área da Teologia; - Se o curso é reconhecido pelo MEC, você terá um diploma de curso superior, que, eventualmente, pode te habilitar a prestar concurso que exija curso superior sem definir a área; - Se o curso é reconhecido pelo MEC, você tem mais chance de dialogar com outras áreas de conhecimento a partir de uma perspectiva atualizada; - Se o curso é reconhecido pelo MEC, você terá um diploma de curso superior, com valor não só diante de sua comunidade religiosa, mas válido no espaço público em geral; - Se o curso é reconhecido pelo MEC, você poderá encontrar oportunidades de participar de projetos de pesquisa e extensão; - Se o curso é reconhecido pelo MEC, você terá uma experiência mais próxima daquela que têm as pessoas que têm outras vocações, podendo compreender melhor o que elas viveram. É o que penso atualmente. Reconheço, contudo, que há casos específicos. O seu pode ser um deles. Além disso, lembro que há outras questões a considerar quando você quer escolher um curso específico. Mas essas eu vou deixar para outras postagens. Por enquanto, é isso. Abraço! Boas escolhas! |
AutorCesar Motta Rios é teólogo. Tem Doutorado na área de Literaturas Clássicas e Medievais. Para acessar seu currículo e encontrá-lo em outras plataformas, clique AQUI. HistóricoCategorias |