Tiago era "irmão de Deus"?
Cesar M. Rios Alguns leitores podem estranhar o epíteto dado a Tiago na tradição ortodoxa. O estranhamento se justifica, em princípio, pela falta de trânsito da expressão entre as tradições ocidentais. Mas reconheço que, num momento seguinte, uma questão pode ser anteposta por alguns: 'Não seria melhor dizer "irmão de Jesus" ou até "irmão do Senhor", como o próprio Tiago faz em sua epístola? Outros podem se perguntar: Se as Igrejas Ortodoxas entendem que Maria permaneceu perpetuamente virgem, como podem dizer que seu filho Jesus tem um irmão? Pois bem, vamos considerar a primeira pergunta. É preciso lembrar que o Concílio da Calcedônia, realizado em 451 d.C. deixou estabelecido de forma clara e radical que Jesus Cristo tem as duas naturezas, divina e humana, inseparáveis desde a encarnação do Lógos. Assim, não se poderia dizer que Maria tivesse dado à luz um mero homem que (ainda) não era Deus. Pelo contrário, ela poderia e deveria ser chamada de θεοτόκος, aquela que deu à luz Deus. De modo semelhante, se Tiago é irmão de Jesus, não será irmão de mero homem, mas de Deus, uma vez que não se pode "dividir" o Deus-Homem. Bom, mas (a segunda questão!) como pode Jesus ter um irmão se Maria é perpetuamente virgem? Aqui, é preciso observar que a Igreja Romana e as Ortodoxas concordam sobre a virgindade perpétua, mas discordam quanto à explicação dada às expressões neotestamentárias que se referem a "irmãos" (ἀδελφοί) de Jesus. Os Romanos entendem que, por influência do hebraico e/ou do aramaico, o termo grego é usado no NT para se referir a primos (a esse respeito, escrevi um ensaio que está disponível AQUI). Seria, pois, estranho que um católico romano acolhesse com entusiasmo e usasse com ênfase a expressão "irmão de Deus". Os ortodoxos, no entanto, afirmam que o termo se refere a irmãos mesmo. Contudo, não seriam filhos de Maria, mas fruto de um primeiro casamento de José (não mencionado no NT). Embora não tivessem genética compartilhada com Jesus, eles seriam "socialmente" considerados irmãos do nazareno divino, assim como José seria considerado seu pai.
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O autorCesar Motta Rios é teólogo. Tem Doutorado na área de Literaturas Clássicas e Medievais, com pós-doutorado na área de Filosofia Antiga. Exerce ministério pastoral junto à Igreja Luterana em Miguel Pereira - RJ. Para acessar seu currículo e encontrá-lo em outras plataformas, clique AQUI. Histórico
April 2023
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